Por que a imprensa deixa se levar pelo sensacionalismo na cobertura de grandes desastres?
Das 18h de domingo (10/03) até às 9h de para segunda (11/03) choveu muito mais do que o esperado na Região Metropolitana de São Paulo. Em São Bernardo, onde moro e trabalho choveu 177 mm, muito mais do que era esperado – apenas 7 mm. Milhões de pessoas foram impactadas por essa grande tempestade: casas e veículos submersos, pessoas que ficaram presas pelo caminho ou que não conseguiram seguir para o trabalho e outras afetadas por deslizamentos. Uma tragédia dessa magnitude, sem dúvida, teve uma ampla cobertura da imprensa.
Neste primeiro momento, os veículos de imprensa cumpriram seu papel. Derrubaram suas programações normais para informar o cidadão como estavam as regiões atingidas depois da tempestade: onde ainda estava alagado e situação do transporte coletivo. Dessa maneira, as pessoas puderam decidir se valia a pena – ou não – se arriscar a sair de casa. Seguiram à risca o motivo de sua existência dar informação de qualidade para que o cidadão decida o que fazer e tirar suas próprias conclusões.
Com a normalização, a cobertura mudou de foco. Em vez de mostrar desdobramentos, ouvindo especialistas e, mais uma vez, deixar com que o cidadão decida quem errou, a imprensa decidiu ela própria apontar os culpados. Entre as cidades mais atingidas, um bairro em São Bernardo causou comoção. A Vila Vivaldi, na Região do Rudge Ramos, ficou quase dois dias alagada. O que se tornou um prato cheio para o sensacionalismo. Havia uma estação elevatória na vizinhança que, infelizmente, não cumpriu seu papel. A partir daí, as redações tiraram suas próprias conclusões e apontaram sua metralhadora para a Prefeitura. Falta de manutenção, a primeira acusação. Piscinões de outras regiões da cidade – que pouco contribuiriam para evitar a tragédia nesse bairro –, também entraram na mira dos repórteres.
As perguntas enviadas não tinham o objetivo de esclarecer, de buscar o entendimento sobre o corrido. Mas encontrar falhas e atestar as teses desenvolvidas nas reuniões de pauta. Nenhuma reportagem explicou o motivo disso ter acontecido. Tratou-se de uma reação em cadeia. O bairro de Rudge Ramos, onde está a Vila Vivaldi, foi o que mais choveu, com 123 mm. O Ribeirão dos Meninos – que atravessa a divisa entre Santo André e São Bernardo – e onde está localizada a Vila Vivaldi, é um afluente do Rio Tamanduateí, que também transbordou com a forte chuva de domingo.
O Rio Tamanduateí deságua no Rio Tietê, que também estava muito cheio. Tanto é que a EMAE (Empresa Metropolitana de Águas e Energia) abriu a barragem em Pirapora de Bom Jesus para dar vazão à água. Apenas um programa de TV, pela manhã, falou sobre o assunto, com foco em uma cidade do interior que corria o risco de alagamento, sem dar muitas explicações de que este evento tinha intrínseca ligação com as enchentes da Região Metropolitana.
Quem acompanhou a cobertura do caso também ficou sem explicação em outro ponto: a Vila Vivaldi está em um nível abaixo do Ribeirão dos Meninos. Desde sua criação, em meados da década de 1930, os moradores sofrem com a enchente. Para combater as cheias, a Prefeitura construiu seis estações elevatórias ao longo da Avenida Lauro Gomes, na qual a elevatória da Vila Helena acabou falhando.
Entre as coberturas sensacionalistas, uma especialmente assustadora foi feita por um importante portal de notícias. A repórter conversou com um suposto funcionário da Prefeitura, que revelou a existência de “seis bombas e que quatro delas estavam quebradas, sem manutenção há anos”. Moradores também foram entrevistados para falar sobre o funcionamento das bombas. Minha pergunta: de que forma o testemunho deles iria contribuir para a elucidação do fato? A bomba parou de funcionar e o resultado foi o persistente alagamento. Apesar da publicação da nota envidada – feita a partir da assessoria dos técnicos responsáveis pelas ações de macrodrenagem na cidade –, ficou parecendo que o Poder Público faltou com a verdade.
O objetivo aqui não é defender o setor público que, neste desastre, teve grande parcela de culpa. A principal delas é a falta de planejamento urbano. O investimento em medidas estruturais para ampliar a vasão dos cursos d’água tem mostrado que não tem sido suficiente para evitar as enchentes. Falta rigor na ocupação do solo, evitando que famílias construam em regiões com risco de alagamentos ou deslizamentos. Governos municipais, estaduais e Federal precisam de maior articulação para evitar esses desastres. E a população também tem sua responsabilidade. Precisa parar de jogar lixo e entulho, nas ruas e nos rios. E precisa parar de construir em áreas inapropriadas, colocando em risco a si mesmo e sua família. Enfim, o problema das enchentes e dos deslizamentos é de toda a sociedade.