Por que o país com a maior biodiversidade do mundo tem tantos biólogos desempregados?
Se você é biólogo ou trabalha em áreas relacionadas, com certeza já viu as diversas matérias que saíram na mídia recentemente sobre acadêmicos desempregados. Doutores e pós doutores, com excelente currículo, alguns até mesmo com experiências no exterior, que não conseguem atuar na sua área de formação, num país com uma natureza tão rica como o Brasil. Qual a lógica dessa situação?
Falta de investimento em ciência
Falar nisso é chover no molhado, mas não pode deixar de ser levado em conta. Nosso país nunca teve um investimento real no desenvolvimento científico, apesar das tímidas tentativas dos governos petistas.
Na prática, o que se criou foi uma bolha, estimulando-se o surgimento de novos mestres e doutores que, depois de formados, não foram absorvidos pelo mercado por falta de demanda (isso sem falar em toda a problemática das bolsas com valor pífio, da falta de direitos trabalhistas e da não existência da profissão de cientista no Brasil, problemas que dariam um artigo por si só), o que nos leva ao próximo fator.
Desvalorização dos biólogos pelo mercado
Eu, como uma bióloga recém formada que ainda não conseguiu atuar na área (fora estágios e voluntariados), percebo isso diariamente na minha busca por emprego: o que não faltam são profissões pra competir conosco - gestão ambiental, engenharia ambiental e florestal, biomedicina, veterinária, técnico ambiental, etc - que, por algum motivo, são quase sempre contratados ao invés dos biólogos, as vezes até mesmo em áreas exclusivas, onde só nós podemos por lei atuar (não quero aqui atacar nenhuma dessas profissões pelas quais tenho profundo respeito, mas infelizmente esse é um fator recorrente).
Talvez, pelo fato da biologia ser um curso generalista, que abrange diversas áreas e acaba não se aprofundando em nenhuma, o mercado tenha a visão de que somos menos qualificados para realizar determinadas tarefas. Além disso, muitas empresas só contratam profissionais de meio ambiente porque a lei os obriga, e nos encaram como um estorvo, muitas vezes não pagando um valor justo pelo nosso trabalho.
Graduação voltada a área acadêmica
A grande maioria das graduações em ciências biológicas, principalmente as de universidades públicas, são totalmente focadas em tornar o aluno um pesquisador. Como, no Brasil, a área de pesquisa está totalmente ligada ao Estado, se o Estado vai mal das pernas, a pesquisa também vai.
Eu não conheço uma unica universidade com uma matéria de empreendedorismo na sua grade (se você souber de uma, me corrija nos comentários, adoraria conhecer!), e áreas de atuação fora da academia, como consultoria ambiental, por exemplo, são muito pouco abordadas.
Desvalorização da profissão pelos próprios biólogos
Não é raro encontrar por aí biólogos que defendem que devemos trabalhar por um ideal, por amor à profissão, e não nos preocuparmos com dinheiro ou com condições dignas de trabalho, pois o que importa é salvar a natureza, e não receber um bom salário (eu mesma já ouvi exatamente isso da boca de um biólogo famoso).
É claro que todos que seguem essa profissão o fazem por amor. Entramos na faculdade com a consciência que não vamos ficar milionários como biólogos, mas nem por isso devemos trabalhar de graça, ou ganhando abaixo do que vale todo nosso estudo e conhecimento, só por estarmos lutando pelo bem do planeta. Médicos também trabalham em prol do próximo, salvando vidas, e ninguém os julga por ganharem dinheiro, não é mesmo?
Poderia estender esse texto com tópicos e mais tópicos sobre os diversos problemas da minha profissão. Mas acredito que só esses sejam suficientes para refletirmos. Qual é a biologia que estamos construindo? Qual é a biologia que queremos construir? Como evitar que mais estudantes se formem e se vejam obrigados a mudar de área pela falta de oportunidades? São perguntas para as quais eu não tenho resposta, mas que precisam ser resolvidas, se não quisermos que biologia no Brasil definhe de vez.
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Manejo de fauna | Selvagem em foco
4 aAna Paula Moreto, olha nosso papo ai.
P&D de Bebidas Destiladas | Master Blending & Análise Sensorial | Controle de Qualidade | Agro Digital Manager
5 aParabéns pelo artigo! Formei na Bio em 2005, fui o primeiro presidente e um dos fundadores do Sindicato dos Biólogos de MG que morreu de inanição e gostaria somar ao seu artigo algumas experiências e visões da realidade que encontrei interfaceando os ingressos, egressos, profissionais, acadêmicos, professores e entidades da nossa categoria. 1- Infelizmente impera um vício de mentalidade em nosso setor de pesquisa de que é promíscuo relacionar com as empresas. Então vejo claramente hoje atuando no setor de bebidas, que tomo de exemplo, de um lado a academia de ciências ultra especializada e capacitada para resolver questões técnicas morrendo de inanição e do outro lado o setor privado cheio de problemas técnicos e operacionais contando com verba para solucionar-los e acabando por contratar uma consultoria especializada dos confins do universo, a preços exorbitantes e que no fim nem resolvem tanto o problema assim, pois falta personalização ao caso, em sua maioria. Ambos vivem separados pela resistência da quebra deste paradigma que é uma das travas de nosso desenvolvimento. Há sim áreas que já avançaram tranquilamente esta barreira como as da saúde, engenharia e produção agropecuária. Daí vem outro problema também: meio ambiente não é negócio- ainda. Qual a dificuldade ou que neurônios faltam para concatenarem a criação de entidades ONG-OSCIP de captação de doações privadas com abatimento de imposto de renda PJ para fomente à pesquisa? 2- Da nossa desvalorização vem um cenário antigo: nossos formadores acadêmicos em sua grande maioria vivem de gerações assentadas nas calmarias do funcionalismo público e são estes que regem o núcleo do sistema CFBio - andando 20 anos atrasados sempre. Enquanto outros Conselhos se especiam e um Cheetah ou Harpia, os nosso sofre "pressões ambientais" que os levam a especiar como preguiças. É tão absurdo a falta de presença e iniciativa (que dirá proativa), que quando foi tramitada a reforma curricular das Ciências Biológicas no antigo MEC(anos 90 em diante), participaram dois engenheiros e um físico - sem nenhum biólogo, sendo que para a engenharia ambiental houve plenas comissões de engenheiros, audiências e pareceres de entidades de classe!... Junte a isso a muito bem colocada abordagem sua, da falta de ensino básico gerencial, empreendedor e administrativo. Ora se podemos coordenar, gerir, como rege nossas resoluções CFBIO das área de atuação do Biólogo, porque não temos nada que nos traga ao menos o básico do roteiro, protocolo e legislação a seguir? Alguns colegas que me perdoem mas quando antes de 2001, biólogo era valorizado porque ele era útil para a oposição política daqueles tempos ter embasamento técnico para emperrar alguns empreendimentos, acionar MP Ambiental e etc... Depois, o conluio com as engenharias se tornou mais rentável e daí veio as brigas para fazer as grandes obras como transposição e belo monte. E nesta época eu estava no CREA e os próprios engenheiros montaram comissões para provar matematicamente que as decisões eram inviáveis em todos os aspectos técnicos, operacionais, financeiros e de resultados. Foram silenciados. Marina Silva jogou a toalha do MMA depois que usaram o ICMBIO para permutar quem estava na fiscalização das antigas com seus novatos. Daí perdemos a responsabilidade técnica dos biotérios, a produção de mudas e sementes, análises clínicas, controle de vetores e pragas... alguns foram recuperados, mas muito se perdeu. Nos tornamos dispensáveis. Junta a desunião da nossa categoria... Não nos valorizamos. Achamos lindo ficar respondendo a todas as perguntas, das mais profundas possíveis sobre biologia, gratuitamente enquanto nossos concorrentes estão prestando consultoria capturando tudo oque sabemos como uma ventosa, para vender seus trabalhos. Oque digo com isso é que devemos aprender a criar níveis de informação e limitar certos conhecimentos e soluções para oque realmente trará resultado para oque rege nosso juramento profissional e não para saciar nossa vaidade de "ah sei muito sobre bio". Quer saber mais, façamos então reunião, minicurso, consulta, parecer, laudo, perícia... temos que valorizar oque é de conhecimento especialista e sim descarregar abertamente do que é de conhecimento generalista. Não é raro encontrar por exemplo engenheiro metalúrgico fazendo inventário de fauna e flora usando "biobobos" passando as mais profundas informações que o esperto usa para fazer sua consultoria recebendo 5 vezes mais que a hora de biólogo. Ele está empregado, vocês não. "quem é muito dado a graça, vai viver dando de graça". Maioria das vezes isso ocorre por inocência, como já vi acontecer de entrevista para contratação de biólogo pelo gerente ambiental (eng. civil) e o colega só de ver de longe e escutar os comentários da situação, já deu o diagnóstico, falou das técnicas e dissertou tudo sobre o caso- seria para impressionar e mostrar o qual bom ( e era mesmo) e experiente era, mas o gestor nem o contratou. Usou seus subordinados para investigar e fazer tudo como dado pela entrega que o colega deu apenas numa entrevista. Se o colega tivesse filtrado e limitado ao ponto de ganhar depois para uma visita técnica... Infelizmente eu não vejo horizonte para a Biologia daqui uma década, se não houver renovação do CFBio. Muito provável, com a queda da procura pelo curso já observada, há uma queda na qualidade do alunado e é possível termos pela frente uma crise que obrigue aos sistema CFBio-CRBIOs a ter de se reduzir estruturalmente para se adequar à queda de arrecadação. Não vou me estender mais, mas meu objetivo foi também ser em tom provocativo para nosso colegas ficarem mais espertos. Grande Abraço!
Consultor Ambiental autônomo
5 aExcelente percepção no atual "estado da arte anti-cientifica", Indo um pouco alem, a Capes, só pede cada vez mais "papers"em revistas internacionais, virou modinha" , totalmente incongruente com nossa realidade profissional, pois se não conseguimos inserção profissional, qual a lógica para tal??? Sua percepção elucidativa da qual compartilho plenamente como uma bióloga que esta iniciando a sua carreira merece atitudes e ações diante destas reflexões! Parabéns!!!
Técnico em meio Ambiente | Tabocas Participações Empreendimentos S/A
5 aParabéns pelo texto!
Biólogo, Educador Ambiental, Manejo de Fauna
6 aCreio que o último tópico abordado seja um dos pontos principais, pois a partir da nossa própria desvalorização aceitamos salários medíocres e condições injustas de trabalho, sem ao menos tentar reverter isso, apenas nos conformando...