Por que os marcianos são verdes se Marte é vermelho?
Resumo
Este artigo pretende refletir sobre o significado das coisas no imaginário humano. Como se constrói a estratégia de sentido nas mentes humanas, através de pressupostos estabelecidos na sociedade. Através de uma análise de signos pretende-se entender como e porque o sujeito estipula padrões de significados para os assuntos cotidianos da sociedade. Palavras-Chave: Beleza. Bem. Cor. Imaginário. Mal.
1 INTRODUÇÃO
Quando estranho uma pintura é aí que é pintura. E quando estranho uma palavra aí é que ela alcança sentido. E quando estranho a vida aí é que começa a vida. (LISPECTOR apud IANNACE. 2009, p.48. Os sujeitos em seus processos comunicacionais articulam uns entre os outros os seus saberes, seus conhecimentos e suas lógicas. Há aqueles que por sua capacidade intrínseca são capazes de levar os demais a concordar ou aceitar as suas lógicas. Umberto Eco em seu livro a História da Beleza, 2004, lembra Petrônio que disse:
[...] existem [...] 183 mundos dispostos em forma de um triângulo eqüilátero, no qual cada lado compreende 60 mundos. O três mundos restantes estão situados respectivamente nos três vértices, mas tocando aqueles que os sucedem nos lados, rodando sem irregularidade, como em uma dança coral. Isso é demonstrado pelo número dos mundos, que não é egípcio nem indiano, mas tem origem dórica da Sicília, de um homem de Imera que se chamava Petrônio. Não li o seu livreto, e não sei se ele chegou até nós, mas Ípis de Reggio, citado por Fania de Ereso, atesta que era a opinião e a doutrina de Petrônio, isto é, que haviam 183 mundos “que se tocam um ao outro em um ponto”, mas não explica claramente o que queria dizer “tocarse em um ponto” e não traz outros elementos convincentes. (ECO, 2004, p. 82).
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 O homem e o espaço - a lógica do desconhecido As lógicas no mundo contemporâneo continuam sendo desenvolvidas com uma infinidade de variações. E os sujeitos continuam a buscar a lógica do homem e do espaço. Queremos entender até onde isto nos insere na questão maior que é o porquê de denominações e formulações de conceitos. Ainda não compreendemos totalmente está lógica social, que como Petrônio criou os 183 mundos e nada mostrou, mas os sujeitos de sua época concordaram, e de certa forma atestaram, como Ípis de Reggio. Assim entendemos o processo de descobrimento humano atestado ora por uns e contestado ora por outros, como um processo orgânico cujo crescimento podemos sempre reinterpretar. Quando fazemos a pergunta “Por que os marcianos são verdes se Marte é vermelho?” queremos encontrar caminhos para entender a lógica da denominação desta cor ao marciano e por qual lógica os sujeitos o nomearam assim. Qualquer coisa de qualquer espécie, imaginada, sonhada, sentida, experimentada, pensada, desejada... pode ser um signo, desde quem esta “coisa” seja interpretada em função de um fundamento que lhe é próprio, como estando no lugar de qualquer outra coisa. (SANTAELLA, 2008, p. 65).
2.2 O bem e o mal - a linguagem do poder Nas batalhas dos tempos, a luta entre o bem e o mal é transformada em 3 linguagem de poder. Um poder marcado pelo belo ou pelo feio, pela luz ou pelas trevas, PELA vida ou pela morte, pela virtude ou pelo vício. Qual é a representação mais clara do bem e do mal no imaginário humano? Que formas tem, que cores os nomeiam, que sensações transmitem, que personagens representam? A Natureza, não o número, rege este mundo. As coisas feias também compõem a harmonia do mundo por meio de proporção e contraste. A Beleza (e está será doravante convicção comum da filosofia medieval) nasce desses contrastes, e também os monstros têm uma razão e uma dignidade no concerto do criado, também o mal, na ordem, torna-se belo e bom porque dele nasce o bem, e junto a ele melhor refulge o bem (ECO, 2004, p. 85).
Como Eco (2004) afirma acima, podemos refletir que o contraste entre o bem e o mal nada mais é do que a própria complementação um do outro, da sua própria existência. A essência está no contrário e o contrário é a essência. Julieta: Serpente oculta pela flor de um rosto! Que dragão tem morada tão bonita? Belo tirano, angélico demônio Corvo-pomba, carneiro feito lobo! Matéria vil do mais divino aspecto! Oposto do que tanto pareceu! Santo maldito, vilão honorável! Se ao coroar a fronte de um demônio, Usaste carne tão celestial! Que livro assim tão sórdido já teve Capa tão linda? Como pode o engano Viver em tal palácio? (SHAKESPEARE, apud ECO,2004, p. 233).
Todas as coisas que em uma parte do universo são más, desonestas, torpes, míseras e são consideradas delitos por quem não pode ver todas as coisas, na visão universal, não são delitos, nem coisas torpes, desonestas ou más. Trazendo esta discussão para o nosso imaginário das histórias em quadrinhos e filmes de ficção científica, o quanto do bem e do mal é verdadeiramente real para nós ou foi apenas construído em nosso imaginário, através de uma verdade coletiva? O que fazem dos super heróis dos quadrinhos super heróis e dos vilões, vilões? Os extraterrestres, monstros do espaço, nos filmes japoneses são combatidos pelo Ultraman, o robô do bem na luta contra mal. O Super Homem, o Homem Aranha, a Mulher Maravilha, Batman e Robin na eterna luta contra os vilões 4 do mundo: Lex Luthor, Coringa, etc.
Para Tomás de Aquino (1954) o belo consiste na devida proporção, pois os sentidos deleitam-se com as coisas bem proporcionadas. Para a beleza, de fato, exigem-se três dotes. Em primeiro lugar, integridade ou perfeição; pois as coisas incompletas, precisamente enquanto tais, são disformes. Portanto, (exige-se) justa proporção ou harmonia (entre as partes). Finalmente, clareza ou esplendor: de fato consideramos belas as coisas de cores nítidas e resplandecentes. (AQUINO, 1954, p.129)
Traduzindo as palavras de Tomás de Aquino (1954) podemos intuir que o belo representa o bem e o feio representa o mal. Voltando aos super-heróis podemos pensar em seus corpos, esculturais, bem definidos, suas roupas realçando seus atributos. E os rostos destes heróis, de uma beleza leve, amiga, com ar angelical e ao mesmo tempo forte, destemido e protetor. Alguém em quem podemos confiar, nosso símbolo de paz e segurança. Já os vilões, pobres feios e defeituosos. Os corpos podem até ser também esculturais, mas não são padronizados pela mesma estética dos corpos dos super heróis. Seus rostos causam medo, com olhos destrutivos, mãos cheias de garras, bocas com dentes enormes e que às vezes soltam fogo ou rugidos amedrontadores. A reflexão nos leva a pensar numa beleza ética também. O super-herói tem alma limpa, emana uma espiritualidade e os seus atos seguem a lógica da razão e do bem comum. Já o vilão não há beleza ética, sua atuação é amoral, seus atos seguem a lógica pessoal, individualista, do poder desmedido e a qualquer preço.
Ainda refletindo sobre o bem e o mal e suas características que são construídas através das vivências de poder das sociedades, podemos buscar compreender que o imaginário dos quadrinhos e dos filmes de ficção científica é a representação literal dos anseios dos sujeitos e suas sociedades. Os personagens criados são à imitação da sociedade desejada ou espelhada. “Porque os marcianos são verdes se Marte é vermelho?” nos leva a uma outra reflexão sobre o bem e o mal. Que cor tem o bem e que cor tem o mal? O marciano foi criado sob a ótica do bem ou do mal? Qual é a cor dos nossos super heróis e dos nossos vilões?
Para driblar o pesadelo moderno, Los, o protagonista de Aelita, a Rainha de Marte (Aelita, 1942), de Iakov Protazanov, o primeiro filme de ficção científica soviética, de dispendiosa produção, baseado no romance 5 homônimo de Alexei Tolstói (1922), e marcado pelo futurismo e pelo construtivismo, cria a cidade de seus sonhos num lugar muito, muito longe: Marte. Inacessível? Não, Los consegue chegar lá, onde Aelita o aguarda, apaixonada, rendida, habitante também de sua própria cidade dos sonhos. (RAVETTI, 2005, p. 45). 2.2O super herói e o vilão - que cores têm? As cores podem ser observadas em vários âmbitos e referências.
Analisando a cor na pintura podemos nos referir por exemplo às miniaturas medievais que talvez tenham sido realizadas em ambientes sombrios mal iluminados por uma única janela, e ainda assim são plenas de luz, de uma luminosidade, aliás, particular, gerada pela combinação de cores puras: vermelho, azul, ouro, prata, branco e verde. A luz parece irradiar-se dos objetos. Eles são luminosos em si.
Voltando a Tomás de Aquino (1954, p. 213) - “[...] à beleza são necessárias três coisas: a proporção, a integridade e a claritas”, vale dizer, a clareza e a luminosidade. Sendo assim, podemos dizer que o bem é belo e luminoso e o mal é feio e obscuro. Neste contexto nossos super-heróis passam a simbolizar a luz e a esperança, e os vilões, as trevas e a desilusão. E o que diremos do raio solar tomado em si mesmo? A Luz deriva do Bem e é imagem da Bondade, por isso o Bem é celebrado com o nome da Luz como arquétipo que se manifesta na imagem. Como, de fato, a Bondade divina, superior a todas as coisas, penetra desde as mais altas e nobres substâncias até as últimas, e ainda está acima de todas sem que as mais elevadas possam atingir a sua excelência e que as mais baixas possam fugir de seu influxo; e ilumina, produz, vivifica, contém e aperfeiçoa todas as coisas aptas a recebê-la; e é a medida, a duração, o número, a ordem, a custódia, a causa e o fim dos seres; assim também a imagem manifesta da divina Bondade, ou seja, este grande sol todo luminoso e sempre reluzente, segundo a sutilíssima ressonância do Bem, ilumina todas as coisas que estão em condições de participar dele, e tem uma luz que se difunde sobre todas as coisas e estende sobre todo o mundo visível os esplendores dos seus raios para o alto e para baixo; e se alguma coisa dele não participa, tal não deve ser atribuído de sua luz, mas às próprias coisas que não tendem à participação na luz por causa de sua inaptidão a recebê-la.
Na realidade, o raio, atravessando muitas coisas que se encontram nessa situação, ilumina aquelas que vêm depois e não há nenhuma das coisas visíveis que ele não alcance, por causa da grande excedente de seu próprio esplendor. (DIONÍSIO apud ECO 2004. p.104).
O tratado sobre as cores é muito amplo. A cor tem o poder de definir padrões? Existe uma cor ou cores do bem e do mal? Para refletirmos sobre as cores sugiro voltarmos ao mundo dos quadrinhos. 6 Para que possamos refletir sobre isto precisamos inicialmente entender um pouco do simbolismo das cores.
Primeiro expandindo a discussão feita por Eco (2004) (História da Beleza, 2004) acima, podemos atribuir valores positivos ou negativos para as cores, embora por vezes, podemos nos contradizer sobre a significação desta ou daquela cor, primeiro pela ambigüidade - se o bem é essência do mal (Aquino, Tomás de. Summa Theologiae, I,5,4 - século XIII) e uma determinada cor simbolizar o bem ela poderá também simbolizar o mal e segundo porque os sujeitos podem alterar os seus gostos e convicções acerca de tais significados.
Nos primeiros séculos, as cores azul e verde, foram consideradas cores de escasso valor, provavelmente porque ainda não se conseguia obter azuis vivos e brilhantes e, portanto, as imagens azuis e verdes produzidas tinham uma aparência desmaiada e pálida. Já no século XII o azul torna-se uma cor apreciada: basta pensar no valor místico e no esplendor estético do azul dos vitrais e rosáceas das catedrais que domina sobre as outras cores e contribui para filtrar uma luz “celestial”. Em outros períodos o negro é a cor dos reis, em outros é a dos cavaleiros. O vermelho em algumas circunstâncias simboliza a coragem e a nobreza e em outras os carrascos e as prostitutas. O amarelo é considerado a cor da covardia e é associada às pessoas marginalizadas e rejeitadas, aos loucos, aos judeus, mas também é celebrado como a cor do ouro, solar e precioso metal. A cor verde que supera qualquer outra cor em beleza, assim como rapta as almas daqueles que a olham; quando, na nova primavera, simboliza a essência da vida e expulsa a possibilidade da morte.
Desta forma que cores melhor simbolizariam nossos super-heróis e vilões? No início dos anos 30, nos Estados Unidos, no início da produção gráfica em alta escala para os quadrinhos, as cores vermelha, amarela e azul, eram utilizadas para colorir os seus super heróis e sobrava para os vilões apenas a cor verde. A impressão só era possível em cores primárias e os super-heróis americanos tinham suas roupas de poder nas cores das bandeiras do seu país. A contradição do simbólico devassa a indústria de entretenimento dos quadrinhos e sobrecarrega as mentes com as novas cores do Bem e do Mal. 7
2.3Verde que te quero verde
O século XX foi marcado pelas grandes mudanças industriais, tanto do ponto de vista tecnológico, mercadológico, como em relação aos modos de produção. Os donos do poder tiveram que rever as questões produtivas e focá-las nas questões sociais e ambientais. Já não era mais possível crianças trabalhando, homens e mulheres em condição ainda de trabalho escravo, salários de miséria, condições insalubres de trabalho. Também já não era mais possível produzir a qualquer custo, desprezando a natureza. As fábricas teriam que cuidar dos seus rejeitos, lixos e parar de poluir. O verde passa a simbolizar uma nova era. O verde que antes simbolizava a vida e depois apenas no papel do vilão, volta à cena num novo papel, como protagonista de uma nova forma de vida. Não bastava renascer a cada primavera, teria que ser verde também no verão, outono e inverno.
Nos filmes de ficção os super-heróis já podiam ser verdes ou suas roupas serem verdes, como a Fênix, o Hulk, o sapo Caco dos Muppet Show, o Espectro, etc. O filme ET chega ao final do século XX e muda o conceito de que ser do outro planeta ou de outra galáxia não significava ser necessariamente do mal. Sua cor passa a buscar a realidade da cor animal. Em um tom amarronzado lembra os animais domésticos do planeta Terra e também não esgota a referência à cor dos seres humanos morenos, mulatos e negros.
3 CONCLUSÃO
Um novo conceito de cores entra no imaginário do sujeito do século XX e XXI com uma nova cartela. Desta vez uma cartela mais próxima do mundo “real”. Mas então podemos afirmar que uma explicação óbvia para a pergunta “Por que os marcianos são verdes se Marte é vermelho?”, seria entendendo que a descoberta de Marte e sua exploração precedia do medo ou receio de se encontrar algum tipo de vida lá? Que poderíamos encontrar um extraterrestre e que não saberíamos o quão pacíficos seriam ou não? Se existissem esses seres, seriam eles nossos amigos ou nossos inimigos? 8 A possibilidade da existência de marcianos em Marte acendeu o imaginário da sociedade que transportou seus medos e receios das possíveis descobertas. O verde deste marciano poderia representar, assim como representou nas histórias em quadrinhos americanas, as angústias, as incertezas, os temores de uma guerra, uma invasão ou abdução. Mas o verde poderia simbolizar também, à luz de novos tempos, levando-se em conta a possibilidade do nosso planeta Terra estar condenado à morte, uma nova vida, a oportunidade de um novo lar.
Abstract This paper reflects on the meaning of things in the human imagination. How do you build a strategy towards human minds through assumptions made in society. Through an analysis of signs intended to understand how and why the subject provides meaningful patterns for everyday issues in society. Key-Words: Beauty. Colour. Evil. Goodness. Imagination.
REFERÊNCIAS ECO, Umberto. O Cosmo e a natureza. In: ECO, Umberto (Org.). História da beleza. Trad. de Eliana Aguiar.. Rio de Janeiro: Record, 2004. 438 p IANNACE, Ricardo. Retratos em Clarice Lispector: Literatura, pintura e fotografia. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009. 183 p.: il. Humanitas. SANTAELLA, Lúcia. A teoria geral dos signos: como as linguagens significam as coisas. São Paulo: Ed.Cengage Learning, 2008. 153 p. RAVETTI, Graciela . De Moscou a ... Marte. In: NAZÁRIO, Luiz. (Org.). A Cidade imaginária. São Paulo: Perspectiva, 2005. p.45-69. TOMÁS, Aquino, Santo. Suma Teológica. Trad. de Raimundo Suarez. 414 p. Madrid. Biblioteca De Autores Cristianos,1954