Por que vivemos em um mundo cada vez menor? A Rede e o poder dos laços fracos
Em 2012, o Google atualizou uma brincadeira que girava pelo menos desde 1994, segundo a qual todos os atores e atrizes no mundo estariam ligadas ao ator Kevin Bacon por até seis graus de distanciamento. Isso porque o ator parecia ser onipresente em diversas produções cinematográficas, apesar de nunca ter sido realmente do primeiro time, mesmo com seu protagonismo no filme "Footloose". O que o Google fez foi criar um serviço que permitia medir o grau de aproximação de qualquer ator ou atriz com o indefectível Kevin Bacon.
Quando o serviço do Google ainda estava no ar, em 2012, foi possível descobrir que apenas três graus separavam Kevin Bacon de Grande Otelo.
O interessante é que esta funcionalidade tem um fundo científico que impacta diretamente na maneira como a internet e as mídias sociais são usadas não apenas como forma de comunicação, mas para vender produtos, disseminar idéias e produzir mobilização social.
Para entender esse processo, é preciso dar uma voltinha ao passado.
A razão é que o conceito segundo o qual qualquer pessoa no mundo estaria interligada a outra — independente da distância entre elas — por uma quantidade relativamente pequena de ligações foi formulado originalmente em 1929 pelo escritor húngaro Frigyes Karinthy.
Este é o elemento central de um conto escrito por ele chamado “Chain-Links” (na sua tradução do húngaro para o inglês). Na história, o narrador brinca com a ideia de que, devido às inovações técnicas no transporte e sistemas de comunicação experimentadas naquele tempo, o mundo estaria ficando cada vez menor. Com isso, as pessoas estavam cada vez mais próximas umas das outras.
O narrador expõe assim o seu conceito (lembrando que o conto é de 1929):
Deixe-me colocar desta forma: o planeta Terra nunca foi tão pequeno quanto agora. Ele encolheu - relativamente falando, é claro - devido ao pulso acelerado da comunicação física e verbal. Este tópico já surgiu antes, mas nunca o abordamos dessa forma. Nunca falamos sobre o fato de que qualquer pessoa na Terra, por minha vontade ou de qualquer outra pessoa, pode agora conhecer em apenas alguns minutos o que penso ou faço, e o que quero ou o que gostaria de fazer. Se eu quisesse me convencer do fato acima: em alguns dias eu poderia estar - abracadabra! - onde eu quiser estar. Agora vivemos na terra dos contos de fadas. A única coisa um pouco decepcionante sobre esta terra é que ela é menor do que o mundo real já foi.
Frigyes Karinthy, o “pai” da teoria do mundo pequeno
O narrador do conto propõe, então, uma série de desafios para provar sua tese, traçando a distância que o separaria, na Hungria, de um trabalhador anônimo de chão de fábrica da Ford, nos Estados Unidos. Ele refaz os passos entre os dois e prova que não mais de quatro ligações seriam necessárias para que ele se conectasse ao hipotético trabalhador.
Este conceito passou a ser conhecido como Teoria do Mundo Pequeno (“Small World Problem”) e ficou pululando entre cientistas sociais por um tempo, até que foi resgatado com um experimento científico realizado no fim dos anos 1960 nos Estados Unidos por Stanley Milgram. Ele juntou 296 voluntários e os desafiou a fazer chegar uma correspondência a um determinado indivíduo, morador de uma cidade próximo a Boston, que eles não conheciam pessoalmente.
Os voluntários deviam usar como ponto inicial um dos seus contatos pessoais e pedir a esta pessoa que mandasse a correspondência adiante, usando o mesmo princípio, até que esta alcançasse o alvo. Das 296 correspondências enviadas inicialmente 64 (22%) conseguiram chegar por meio de uma quantidade média de intermediários que ficou em 5,2 (ou seja, dentro da margem dos “6 degraus de separação”).
O experimento não ficou livre de críticas metodológicas, especialmente porque cobria um universo relativamente pequeno (só os Estados Unidos), mas começou a chamar a atenção pública para o tema. Aliás, vale à pena notar que o nome “6 degraus de separação” caiu mesmo na imaginação pública com o filme de mesmo nome, lançado em 1993, e co-estrelado por Will Smith.
4,74 graus de separação
No fim de 2011, o Facebook pesquisou sua base de dados, tal como ela se encontrava em março daquele ano (721 milhões de usuários, 69 bilhões de interligações), para determinar quantos intermediários seriam necessários para ligar duas pessoas completamente desconhecidas, independente de que lugar do mundo elas vivessem. O número alcançado, então, foi de 4,74! Ou seja, apenas 4,74 conexões, em média, separariam uma pessoa dentro do Facebook de qualquer outra pessoa em qualquer lugar do mundo, ligada à rede social.
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Os “indermediários”, ou “nodos”, e a maneira como eles se interligam são fundamentais para entender como as redes — de pessoas, operações, idéias — se expandem e se contraem, afetando diretamente ou indiretamente nossas vidas. Também ajudam a entender porque vivemos em um mundo cada vez menor.
Por exemplo, em 1998 os pesquisadores Duncan J. Watts e Steven H. Strogatz, da Universidade de Cornell, publicaram na revista Nature um artigo no qual demonstravam como uma rede pode ser transformada em um “mundo pequeno” por meio de um pequeno número de conexões entre seus membros. Em outras palavras, para que todos os membros de uma rede estejam de alguma forma conectados entre si, independentemente de suas posições relativas ou de se conhecerem diretamente ou não, é necessário que apenas alguns deles tenham ligações que ultrapassem seu círculo imediato de influência.
Os “mundos pequenos”, de Duncan J. Watts e Steven H. Strogatz. Notem que a rede com a quantidade de interações mais complexa requer proporcionalmente muito menos conexões diretas entre seus membros.
Isto funciona também quando diferentes redes se relacionam entre si. Você faz parte de uma rede específica, por exemplo, dos membros de uma paróquia de bairro, na qual em geral todos se conhecem entre si. Mas cada um de seus membros faz parte de outras redes, nos respectivos ambientes de trabalho ou suas famílias ou no clube que freqüentam.
O que todos estes experimentos mencionados demonstram é que todas estas redes estão de alguma forma conectadas por um número relativamente pequeno de ligações, dando sentido ao “mundo pequeno” no qual vivemos.
O poder dos Laços Fracos
O mais intrigante é que a maioria destas interações dentro e entre redes parecem ser reforçadas por um conjunto dos chamados “laços fracos”, em vez de ligações mais fortes, por exemplo, entre membros da família ou entre amigos próximos. Este é o núcleo de um artigo científico publicado em 1973 por Mark Granovetter no qual ele descreve o processo pelo qual os laços de convivência entre as pessoas em uma rede geralmente resultam em mais oportunidades para espalhar novas idéias e até mesmo promover a mudança social.
“Laços fortes”, aqueles que diretamente nos unem a outras pessoas em uma rede, são bons para ressoar idéias entre pessoas com pontos de vista semelhantes, mas não são suficientes para ajudar a divulgar estas mesmas idéias mais amplamente. Este trabalho é melhor executado pelos chamados “laços fracos”, aqueles que criam pontes entre pessoas de uma mesma rede — ou em diferentes redes — que mantêm um grau de relacionamento mais distante. É por meio destas “pontes” que as novas idéias podem se espalhar mais amplamente.
Qual é a importância prática das Teorias do Mundo Pequeno e dos Laços Fracos?
Os próprios Watts e Strogatz usam como exemplo de sua tese um caso hipotético de contaminação por um vírus mortal, no contexto de uma pandemia. Eles mostraram que seria preciso um número relativamente pequeno de conexões entre as diversas redes (ou clusters) de pessoas infectadas para espalhar a epidemia para uma comunidade muito maior — ou para toda a sociedade. É sobre esta premissa, aliás, que se baseia o filme “Contágio”, de Steven Soderbergh, estrelado por Matt Damon. E a humanidade teve um apalicação prática desta teoria com a rápida disseminação global do coronavírus.
Por isso, em caso de epidemias, tão importante como isolar as pessoas/comunidades afetadas, é encontrar os elos de conexão que podem levar o contágio adiante. O problema, como demonstrado por Watts e Strogtz, é que o “mundo pequeno” pode ser ativado por uma relativa pequena quantidade de links entre as diversas redes, os quais nem sempre são fáceis de serem identificados.
Gerando vínculos intelectuais e emocionais
A pesquisa mostra que, apesar da abrangência global da rede social e da possibilidade de cada pessoa estar a menos de quatro contatos da próxima pessoa, grande parte das interações acontecem no nível mais próximo de cada um. Nada menos do que 84% das conexões se dão entre usuários do mesmo país e na sua maioria as relações ficam entre pessoas de mesma idade. Ou seja, apesar de ser possível para uma pessoa teoricamente estar em contato com qualquer outra em qualquer lugar do mundo por pouco mais do que 4 conexões, na verdade nos relacionamos com quem está mais próximo.
Isto demonstra a força da influência das relações próximas, no ambiente familiar, entre amigos, colegas de trabalho, grupos cívicos e religiosos etc. Mas a real novidade é o crescente entendimento do papel desempenhado pelos “laços fracos” em criar uma ponte para que esta mesma idéia possa se espalhar dentro da rede e para outras redes.
Em outras palavras, qualquer movimento de mudança social deve necessariamente ser baseado em conexões dentro de comunidades mais próximas, como a família, ambiente de trabalho, círculo de amigos — pessoa a pessoa — e extrapolá-las por meio de ligações que unem os “mundos pequenos”.
E as conexões são mais fortes também quando elas se baseiam em “histórias humanas”, quando cada pessoa exposta a elas é capaz de desenvolver uma afinidade intelectual e emocional e exercer sua “liderança individualizada” na rede.
Entrenadora de Líderes | Mentora | Consultora en Cultura Organizacional
2 aGracias por la lectura, alguna vez escuché algo al respecto pero no recuerdo bien. Muchas gracias Renato de Paiva Guimaraes 👍👍
Founder and Board member | Climate Policy and Innovation | International Cooperation
2 aInteressante e um desafio constante para quem trabalha com a pauta do clima. Vejo que uma das formas de sair da bolha e comunicar para outros grupos é aumentar a diversidade dos criadores já no momento da concepção de campanhas e materiais de comunicação como um todo, também fazendo parcerias com organizações mais distantes do tema ao longo do processo.