Por que você precisa assistir a "Empire of Light" de Sam Mendes
Stephen e Hillary em uma jornada o lado oculto do cinema — e de Hillary.

Por que você precisa assistir a "Empire of Light" de Sam Mendes

Nesse final de semana cruzei com o filme “Empire of Light” de Sam Mendes no Star+. Comecei a assistir de uma forma meio despretensiosa. E o filme me pegou de jeito, sem eu que eu estivesse esperando.

Eu particularmente curto muito quando um roteiro vai traçando paralelos meio que subliminares entre alguns elementos. Neste caso de "Empire of Light", fica claro o paralelo que vai se construindo entre a protagonista Hillary Small, interpretada pela incrível atriz inglesa Olivia Colman, e o Empire, o cinema a beira-mar na costa sul da Inglaterra na década de 1980 onde a trama toda se desenrola.


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Hillary em frente ao cinema que dá nome ao filme.


Hillary é uma mulher madura que passa seus dias sozinha, se dedicando apenas ao trabalho em seu "mundo ordinário". As cenas iniciais que constróem esse mundo comum da protagonista fazem questão de mostrar o seu dia a dia bastante solitário. Também é exibido o contraponto entre a personagem e os visitantes do cinema, ou com grupos de amigos rindo e se divertindo que cruzam com ela na rua, enquanto ela está sozinha e retornando pra casa. Ela também menciona em dado momento que costumava passar as viradas de ano sozinha no terraço do cinema.

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Stephen e Hillary no terraço.

Já o cinema é antigo e também passa por um período de decadência. Nos tempos áureos, chegou a ter quatro salas operando a todo vapor. Agora, apenas duas seguiam funcionando. Há toda uma ala desocupada e abandonada. Me ocorreu que assim como o cinema, Hillary tinha uma vida dividida entre a parte que todos viam — seu trabalho na intensa operação na parte do cinema que seguia aberta — e a parte que ninguém tinha acesso. Mais obscura, abandonada, seus sentimentos e solidão — como a parte do cinema que estava fechada e igualmente abandonada.


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Hillary abrindo para Stephen a parte abandonada do cinema — e a sua também.


A chegada de Stephen Murray, um novo funcionário, representa um ponto de virada na trama. Stephen vai cumprir o papel de "ajuda sobrenatural" para ajudar Hillary a aceitar um chamado para transpor o 1º limiar. É muito interessante a forma como Sam Mendes usa o novo funcionário para servir de ponto focal para a gente. Por exemplo, a gente só descobre detalhes do cinema e da protagonista a partir da perspectiva de Stephen.

A gente só conhece a parte a parte abandonada do cinema, por exemplo, pelos olhos de Stephen, que pede que Hillary mostre pra ele — como se estivesse abrindo pra o novo funcionário seus sentimentos e lado mais sensível. Outra parte-chave do cinema, a sala de projeção, merece uma menção especial quando Hillary está mostrando o lugar para Stephen. Ela afirma pra ele não entrar ali pois "o Norman é bem peculiar". Mais a frente fica implícito que a sala de projeção é o coração do cinema — e que Stephen consegue conquistar, assim como o faz com a própria Hillary.


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Stephen cuidando do pombo em um claro paralelo com o que ele consegue fazer por Hillary.


Juntos, Hillary e Stephen ajudam um pombo machucado que estava na parte abandonada do cinema. Stephen faz um curativo no animal e depois de alguns dias eles o soltam pela janela para voltar a voar, depois de curado. Aqui é nitidamente traçado um novo paralelo subliminar entre a ave e Hillary, que pelas mãos de Stephen também vai se sentir recuperada e revigorada, pronta para alçar voos diferentes.

Bom, acho que vou parar por aqui pois está cada vez mais difícil não soltar algum spoiler valioso.

Ah, mas antes, vou colocar aqui algumas referências que o diretor Sam Mendes vai soltando ao longo da trama.

Algumas referências

Ao se passar em um cinema, o Diretor faz algumas homenagem à sétima arte, assim como a alguns filmes que são citados quando estão em cartaz. Sam usa esses filmes para passar mensagens subliminares que estão contidas nas tramas desses filmes e a trama de "Empire of Light".


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Stephen na sala de projeção, o coração do cinema.


Em um diálogo entre Norman (o projetista) e Stephen (o novo funcionário), Norman explica que o cinema é feito de fotos estáticas com escuridão entre elas. E que existe uma falha no nosso nervo óptico que faz com que ao rodar um filme a 24 quadros por segundo a gente não note essa escuridão. Norman explica ser o "fenômeno Phi", quando vemos imagens estáticas em sequência rápida e criamos essa ilusão de movimento. Ele conclui dizendo ser essa "a ilusão da vida".

Um dos filmes exibidos no cinema e citados é "Como eliminar seu chefe", de 1980. O filme é sobre um chefe abusivo tira vantagem, da forma mais grotesca, das mulheres com quem trabalha. Esta é uma clara referência ao chefe de Hillary no cinema.

Outro filme importante na trama é "Carruagens de Fogo", de 1981, que representa uma tentativa de retomada aos anos áureos do cinema — num paralelo com a retomada que Hillary também vivencia na trama — pois a pré-estreia local acontece lá. "Carruagens de Fogo" pode ter sido escolhido por Sam Mendes pois é um filme que destaca como o apoio de outras pessoas é essencial para vencer os desafios da vida, algo igualmente relevante na história de "Empire of Light".

O nome do filme parece fazer referência à série de quadros que o pintor belga surrealista René Magritte faz para mostrar o paradoxo que há em um cidade que anoitece enquanto o céu ainda se mostra iluminado. Parece ser um paralelo com a vida ora obscura, ora iluminada de Hillary.


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"L'Empire des lumières", 1950, de René Magritte.


Alguns poemas de autores ingleses são citados em momentos-chave do arco narrativo de Hillary.

O poema "A Terra Inútil", do escritor inglês T.S. Elliot. Ele é citado no filme quando o colega de trabalho Norman, projetista do cinema, pensa alto numa resposta para uma palavra cruzada, que indagava sobre a primeira palavra do poema. Hillary que responde: "Abril". A trama do filme parece se desenrolar de dezembro de 1980 a Abril de 1981.


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Poema "A Terra Inútil" T.S. Elliot.


Aqui o poema "Death's Echo" do poeta inglês W. H. Auden.

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Poema "Death's Echo" W. H. Auden.


E aqui o poema "As árvores" de Philip Lankim que fecha o filme.

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Poema "As Árvores" de Philip Lankim.

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