Por que é tão difícil selecionar vendedores?

Por que é tão difícil selecionar vendedores?

Uma vez, lendo uma revista especializada em vendas, vi uma reportagem que levava o título “o RH não consegue selecionar bons vendedores”. De início, fiquei irritado com o título provocativo, mas resolvi ler sem prejulgamentos. O autor da matéria dizia que a melhor pessoa para selecionar vendedores é o gerente comercial, uma vez que é ele quem conhece o dia-a-dia de vendas, sabe quais tipos de vendedores que dão mais certo naquele segmento e, segundo a reportagem, são menos enganados por candidatos que querem “vender a sua imagem”. O autor dizia que, por vezes, os profissionais de RH enviavam pessoas com perfil muito diferente do que se esperava e que, portanto, não eram bons para selecionar vendedores. A reportagem citava vários relatos e no fim eu estava convencido da ideia inicial, realmente o RH tem dificuldades para selecionar vendedores.

Vejo hoje que esta dificuldade que o RH apresenta na seleção de vendedores tem origem em três distorções comuns no processo seletivo deste tipo de profissional: 1) considerar que vender é uma ação; 2) considerar “habilidade para venda” algo próprio da pessoa; 3) considerar que “quem vende algo, vende qualquer outra coisa”. Diante destas distorções, muitos profissionais buscam o “vendedor nato” ou o vendedor com “boa habilidade de venda desenvolvida”, para os mais naturalistas. Entretanto, mesmo que você não considere a venda um dom e a veja como algo aprendido, há um erro anterior que faz com que o RH muitas vezes perca assertividade nos processos seletivos, o de considerar vender como uma ação, como um comportamento.

Apesar de vender ser um verbo, vender não é um comportamento, uma ação. O que chamamos de vender no cotidiano das empresas varia muito. Poderíamos pegar como exemplo um analista comercial de uma grande metalurgia que acabou de fechar um contrato de fornecimento de matéria prima para uma montadora chinesa e, por outro lado, um balconista da doceria da esquina que contribuiu para que seu cliente, que foi à loja buscar uma goma de mascar, levasse também uma paçoca. Nos dois casos nós diríamos que eles venderam, entretanto, as ações envolvidas em cada uma das duas vendas são absolutamente diferentes. E essa é a primeira distorção a ser corrigida pelo RH, vender não é ação, mas é um produto de ações distintas em contextos distintos. O único elemento comum das vendas é a sua consequência, que é a decisão de compra pelo cliente. O conjunto de ações do vendedor que levam seu cliente a comprar algo varia muito de acordo com o que se quer vender, com o momento (vender roupa no natal é diferente de vender em outras épocas do ano), com o tipo de cliente e diversas variáveis que influenciam a decisão de compra deste cliente. Assim, vender é consequência de ações e não as ações em si.

Considerando isso, quando vamos iniciar um processo seletivo na área de vendas, precisamos entender quais são as ações necessárias para gerar a venda, ou quais são as ações que apresentam maior assertividade na venda. Para se vender roupas em uma loja popular, por exemplo, os conjuntos mais efetivos de comportamentos são muito diferentes do conjunto de comportamentos envolvidos na venda de um carro popular, que também diferem dos que funcionam melhor para a venda de carros de luxo. A partir da descrição de quais ações são mais importantes naquela venda específica, pode-se avaliar se os candidatos possuem repertórios semelhantes aos que se espera que ele exerça no cotidiano.

O segundo erro, o de considerar a “habilidade de vendas” própria da pessoa, não ajuda nem na seleção nem na fixação do profissional no período pós-seleção. Se eu tenho clareza de quais comportamentos produzem maior resultado em vendas, posso treiná-los nas pessoas quando chegarem à empresa, especialmente naquelas que não foram expostas a situações similares às que vai encontrar. Dessa forma, não há pessoas que vendem melhor do que outras. Na verdade, algumas já desenvolveram habilidades que são úteis para a venda em determinados contextos, o que não garante um bom desempenho em vendas em outro.

Esta constatação contrapõe-se também ao terceiro erro, acreditar que quem vende algo, vende qualquer outra coisa. Dizemos que uma pessoa é boa vendedora quando ela é capaz de gerar no cliente a decisão de compra, como isso varia muito de contexto para contexto, é possível que ela consiga este resultado em contexto similares aos que possui vivência, mas não necessariamente em outros. Mesmo se considerarmos duas empresas do mesmo segmento, que atue na mesma área geográfica e com o mesmo tipo de cliente, este conjunto de ações pode variar, uma vez que a própria cultura da empresa pode estabelecer contextos diferentes. Se uma das empresas fornece material de merchandising e um gerente como apoio, por exemplo, vai exigir ações diferentes de outra empresa que não ofereça estes recursos. Se uma trabalha com remuneração variável apenas e outra trabalha, ainda, com estratégias de reconhecimento, o contexto nas duas também não é o mesmo.

Para ampliar a assertividade nos processos seletivos da área de vendas, precisamos entender qual o contexto estará disponível para o vendedor, quais ações são mais efetivas na venda e quais consequências a empresa dispõe para o bom desempenho em vendas. Podemos entender como contexto as instruções da empresa, informações, material, equipamentos, clientes, recursos, liderança, dentre outros. Para se compreender o conjunto de ações, cabe uma pergunta que costumamos fazer aos gerentes de vendas “o que seu vendedor precisa fazer para vender?” ou “quais ações produzem maior volume de venda?”. Em geral, temos respostas genéricas como “oferecer”. Podemos ir mais a fundo “como ele deve oferecer? Em quais circunstâncias? Com qual abordagem? Como são os clientes?”.

Dessa forma, depois de alguns anos trabalhando com seleção em vendas, concluo que a revista estava certa com relação aos processos tradicionais de seleção de vendedores. Entretanto, há grandes possibilidades de se ampliar a efetividade destes processos quando se tira o foco da venda e coloca-se nos comportamentos necessários para que uma venda específica, naquele contexto específico, ocorra.

 

Cristiane Tavares Souza

Atração & Seleção | Business Partner | Recrutamento e Seleção | Saúde Mental | Treinamento e Desenvolvimento | Avaliação de Desempenho | Diversidade & Inclusão | Psicóloga

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