PORQUE A ÉTICA DEVE ESTAR PRESENTE AO PROCESSO SELETIVO?
Inicia-se um processo seletivo e, muitas vezes, a urgência da área requisitante para preencher a vaga disponibilizada, faz com que o responsável pelo processo de recrutamento e seleção "atropele" procedimentos considerados essenciais à captação de um talento e isso, por sua vez, culmina em ações consideradas aéticas. Isso pode gerar impactos negativos tanto junto àqueles que procuram uma nova oportunidade no mercado quanto à própria organização que procura contratar um profissional. Ou seja, as duas partes podem sair no prejuízo.
Para abordar a questão da ética nas seleções, o RH.com.br entrevistou Renato Santos, sócio da S2 Consultoria, empresa especializada em prevenir e tratar atos de fraude e assédio, levando em conta o comportamento humano. Segundo Santos, lamentavelmente, muitas organizações ainda compreendem a ética como algo "bonitinho", mas não efetivo para o dia a dia. "O que percebemos constantemente é que ainda há uma ideia de ética como algo necessário a ser propagado, mas desnecessário ou mesmo impossível de ser gerido", afirma o especialista, ao destacar que, muitas vezes, pela alta demanda, por pressão do requisitante para "fechar a vaga" e, algumas vezes, por falta de habilidade técnica, são observadas ações em processos seletivos aonde acontece desrespeito pelo candidato. Esse tema é polêmico e ao mesmo tempo relevante, para as empresas que desejam conquistar os talentos, a partir do momento em que eles chegam às suas portas para procurar uma oportunidade. Boa leitura!
RH.com.br - Qual a compreensão dada à ética, quando nos reportamos ao dia a dia corporativo?
Renato Santos - Infelizmente, muitas organizações ainda compreendem a ética como algo "bonitinho", mas não efetivo no seu dia a dia. O que percebemos constantemente é que ainda há uma ideia de ética como algo "necessário" a ser propagado, mas "desnecessário" ou mesmo "impossível" de ser gerido. Em uma das pesquisas que publicamos na Revista de Administração da USP (RAUSP), comprovamos estatisticamente que é possível fazer Gestão da Ética nas organizações. Sim! É possível ensinar ética para seus colaboradores. E, diante da nossa velha e atual conjuntura cultural, o famoso "jeitinho brasileiro", não é somente "possível", mas "necessário", desmistificando de vez a ideia de que ética só aprende quando criança.
RH - Quando trazemos a ética organizacional para os processos seletivos, esta agrega novas características?
Renato Santos - Vou fazer alusão à frase do co-fundador da Visa, Dee-Hock:
"Contrate e promova primeiro com base na integridade;
Em segundo na motivação;
Em terceiro na capacidade;
Em quarto na compreensão;
Em quinto no conhecimento;
E por último no currículo".
Sem integridade, a motivação é perigosa. Sem motivação, a capacidade é impotente. Sem capacidade, a compreensão é limitada. Sem compreensão, o conhecimento não tem significado. Sem conhecimento, o currículo é só tempo de casa protocolar". Costumeiramente ouvimos a seguinte frase dos selecionadores: "Mas este candidato era excelente tecnicamente, não imaginava que ele tinha tão baixa resiliência de integridade". Sim, são características totalmente diferentes, inclusive eu diria que se a competência técnica for de alta capacidade, mas sua resiliência de integridade for insuficiente quando se deparar a dilemas éticos no seu dia a dia, esse profissional poderá ter ações contra as políticas da organização e nem ao menos ser identificado, gerando assim riscos muitas vezes imensuráveis.
RH - Na atualidade, como o senhor tem percebido a realização dos processos seletivos em relação à postura ética de quem conduz o processo?
Renato Santos - Muitas vezes pela alta demanda, ou ainda, por pressão do requisitante para "fechar a vaga" e, algumas vezes, por falta de habilidade técnica, percebemos que em muitos processos seletivos há um desrespeito pelo candidato. Esse desrespeito ocorre de maneira sutil e, na maioria das vezes, sem a intenção de fazê-lo como, por exemplo, imagine você como candidato expondo para um entrevistador toda sua carreira, realizações, sonhos e expectativas e, enquanto se "abre" para esta pessoa que acabou de conhecer, percebe que ela está olhando o relógio, ou mesmo com um olhar vago, sem concentração alguma do que você está dizendo. Não é uma forma de desrespeito? Isso acontece com muita, muita frequência. Mas esse olhar no relógio ocorreu porque o entrevistador está pensando nas próximas cinco entrevistas que precisa cumprir até o final do dia e, o olha vago ocorreu porque ele estava tentando localizar se essa frase que acabou de ouvir é coerente com uma frase que ouviu antes desse mesmo candidato ou de um dos quatro entrevistados anteriores.
RH - Quais as principais características de um processo seletivo ético?
Renato Santos - Respeito: ter sempre em mente que o candidato que está participando do processo seletivo possui anseios, expectativas, muitas vezes está em uma situação difícil de recolocação profissional e, acima de tudo, percepção do próprio processo que está passando, o que não impedirá que tenha uma visão negativa da empresa como um todo e não apenas do processo em si. Empatia: essa é a chave para acessar as reais motivações e interesses do candidato. Se o entrevistador não tiver a percepção de que o candidato, muitas e muitas vezes, vai exagerar em suas colocações - principalmente ressaltando suas qualidades - para tentar "ganhar" aquele cargo, a entrevista irá rumar para uma abordagem quase policialesca, com perguntas que tentam "pegar o entrevistado em contradição". Com isso, o entrevistador só terá uma pessoa fechada à sua frente, tentando se esquivar dessas perguntas-tiros e não demonstrará quem ele realmente é.
RH - O que descaracteriza a ética em uma seleção?
Renato Santos - Quando o entrevistador conduz a seleção tendo por base seus preconceitos e julgando os candidatos e não seus atos e realizações. O preconceito "cega" o entrevistador a ponto de não deixá-lo "ver a realidade", mas sim apenas o que quer ver e, com isso, direcionando o processo segundo suas percepções.
RH - Quais os cuidados considerados essenciais que um selecionador deve adotar para que o processo seja conduzido com ética?
Renato Santos - Ele deve fazer a seguinte pergunta para si: "Eu faria essa pergunta para outro candidato e para o espelho?". Se a resposta for não, não faça a pergunta. É possível fazer qualquer pergunta para qualquer candidato, desde que não seja invasivo, pessoal, de foro íntimo. Um exemplo: é totalmente possível e pertinente perguntar para um candidato sobre o que ele acha de ter relacionamento afetivo dentro do local de trabalho. Sim, essa pergunta remete à reflexão do quanto esse tipo de relação pode gerar um conflito de interesse dentro da organização e, dependendo do código de ética e política da mesma, cabe orientação sobre o que se espera dele nesse caso. Mas não cabe, em qualquer instância ou circunstância, perguntar se ele possui amante. Essa pergunta é totalmente pessoal, diz respeito à vida privada do entrevistado e carece de qualquer relevância em suas atividades laborais.
RH - A falta de feedback para quem não foi selecionado pode ser considerado um procedimento aético?
Renato Santos - Sim. A pessoa - destaco: a pessoa tem o direito de saber como foi nas etapas do processo seletivo, colher aprendizado sobre os pontos a melhorar e desenvolver os pontos de atenção, ou mais simples ainda, saber que não tinha o perfil para a vaga que se candidatou. Deixá-la sem esse feedback implica em deixá-la no "vaco", deixá-la no silêncio ensurdecedor da ansiedade. Não é justo, pois a organização detém a informação e não dividiu com o candidato. Por mais simples que seja, cabe sempre um feedback e agradecimento pelo tempo que ele se dedicou ao processo seletivo.
RH - Quais os principais agravantes que um processo de seleção aético gera a uma empresa, seja em médio ou longo prazo?
Renato Santos - Imagine a cena: o candidato que passou por um processo seletivo aético irá ter uma percepção negativa da organização que a conduziu e que a demandou. E isso dificilmente mudará a curto ou médio prazo. E pode ter certeza que ele comentará com todos os amigos e conhecidos de sua rede de relacionamento.
Indenização por danos morais: essa é o pior cenário, mas precisa ser considerado. Uma vez o candidato passando por um processo seletivo aético, ele poderá demandar à Justiça indenização por danos morais, encontrando guarida na Constituição Federal Brasileira. Mas independentemente do impedimento legal, há um impedimento moral que os selecionadores devem atentar.
RH - Se por um lado o selecionador conduzir o processo com ética, o candidato também precisa apresentar um comportamento similar. Qual a postura de uma pessoa que busca uma colocação no mercado, para que ela também seja considerada ética?
Renato Santos - Transparência é a palavra-chave. Sim, ser transparente, assertivo, direto e sem mentiras é o que todo entrevistador deveria buscar. Infelizmente, percebemos algumas posturas de entrevistadores que querem ouvir apenas o clichê de sempre, por exemplo: - Entrevistador: qual é o seu maior defeito? - Entrevistado: Perfeccionismo! Já está na hora de avançarmos nos processos seletivos, pois perguntas politicamente corretas geram respostas do mesmo tipo e, como consequência, resulta em um processo medíocre e sem efetivação alguma. O entrevistador ouvir contextualizando aquilo que está ouvindo e o entrevistado apresentando o seu verdadeiro "ser" é o melhor para todos.
RH - Que considerações finais o senhor pode deixar para quem realiza processos de seleção e se preocupam em trilhar o caminho da ética?
Renato Santos - Valorize sua profissão e atividade. Como? Valorize não atropelando seus limites físicos e mentais. Valorize não ultrapassando os limites do que pode ser perguntado ao entrevistado. Valorize não subestimando o candidato com perguntas superficiais. Valorize conduzindo uma entrevista empática, ouvindo de fato o que o entrevistado está apresentando. Valorize apresentando seu parecer de forma neutra e profissional, se afastando de preconceitos.