Porque o Brasil não qualifica equipamentos de resposta a acidentes ambientais?

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Um cliente do setor de energia me procurou há 02 meses, pedindo ajuda para montar um processo de compras para barreiras de contenção. A empresa não possuía plano de contingência, e não poderia aguardar a confecção de um para ter seus equipamentos de primeira resposta. Dentro do meu conhecimento, aconselhei barreiras com estimativa de tamanho, comprimento dos lances, gramatura e qualidade das lonas, qualidade do flutuador, metal dos conectores, etc. Com as informações passadas, a chance de comprar um material de qualidade inferior a necessidade real da empresa seria pequeno, pensei. E se os processos de compra de este tipo de material estivessem ligados estritamente a fatores técnicos, eu não estaria enganado. Mas me enganei.

Ontem meu cliente me ligou pra contar que sua empresa tinha comprado as barreiras, mas não as que estimamos. Comprou uma barreira de um tamanho menor, com lances 10 metros maiores, com uma lona finíssima, conectores que já chegaram ao local sem pino trava, nem alguns parafusos, e flutuadores "suspeitíssimos". A pergunta que eu fiz foi: "mas porque compraram essas barreiras?". E a resposta é daquelas frustrantes: "Achamos um fornecedor que nos indicou suas barreiras seminovas, por um valor 30% menor do que as novas cotadas, e uma vez que não há nenhuma legislação nacional que determine tamanho ou qualidade, vou apenas fazer o que me é obrigatório".

Se você que lê este artigo e já trabalhou com este tipo de equipamento durante um atendimento, sabe bem que a empresa pode ter comprado um problema gigante e ter comprometido a capacidade de resposta a emergências da empresa. Se nunca trabalhou, de forma irônica, é como se sua mãe tivesse lhe pedido para comprar alcachofra, e você entregasse um pote de alcaparras. Ambas começam com Al, costumam estar na mesma prateleira, mas não servem para o mesmo fim.

Mas analisando, o comprador não estava errado. Como ele pode orientar melhor seu processo de compras se a única referência que ele tem é a palavra do fornecedor e a pressão da empresa por um processo econômico e eficiente?

Legislação Nacional

Em 2017 houveram as últimas reuniões lideradas pelo IBAMA/DF para a revisão do arcaico CONAMA 398/08. Na época, as reuniões previam aumentar a responsabilidade das empresas que tomavam serviços de emergência, e ainda determinar a quantidade de equipamentos de resposta deveria estar no local onde os serviços seriam prestados. Desde então, silêncio. O novo governo não teve interesse na pauta e o assunto continua na UTI em estado vegetativo.

Além da questão de responsabilidade, existe uma mudança clara quanto ao mercado e a análise dos cenários de emergência. O óleo está além dos portos organizados, instalações portuárias, terminais, dutos, sondas terrestres, plataformas e instalações de apoio, refinarias, estaleiros, marinas, clubes náuticos e instalações similares. Barragens, usinas hidrelétricas, indústrias, postos retalhistas são capazes de instaurar o caos ambiental se não estiverem bem orientadas quanto a seus instrumentos de defesa, e podem causar impactos que mesmo fora do mar podem ter consequências catastróficas. Os rios e lagos não são protegidos pelo CONAMA 398 como o mar e portos, e requerem maior atenção.

Outro detalhe é que o tempo de resposta a instalações portuárias para o nível I, II e III parecem adequadas, mas quando transportamos este modelo a rios com velocidades absurdas e margens estreitas, as vezes sem condições de navegação, não é coerente.

Mercado de Equipamentos para Emergências

No Brasil existem muitas empresas que vendem (ou revendem) materiais de emergências. Desde absorventes (naturais, orgânicos ou sintéticos) até equipamentos mais complexos como as próprias barreiras de contenção, recolhedores de óleo. O problema desse mercado consiste em algo muito simples: Amparo legislativo e referências técnicas.

A legislação é frouxa quanto ao que é consumido em matéria de equipamentos e materiais, uma vez que não determina níveis de qualidade ou mesmo testes técnicos para produtos cujo desempenho é fundamental em ações emergenciais. O CONAMA 398 cita quantidade mínima de barreiras de contenção para atendimento, mas não especifica capacidade de tração, qualidade de estabilizadores, etc. E cada vez mais o mercado dá oportunidade a empresas sem expertise, para que vendam a empresas com necessidades e potenciais reais de emergências.

Além do mais, não existe estudo em andamento no INMETRO ou IPT com testes contínuos em barreiras de contenção, absorvedores ou recolhedores que garantam as taxas de eficiência alardeadas no momento da compra. Então, a única garantia que os clientes possuem no final das contas é a palavra do fornecedor. "La garantia soy yo"?

A saída para o problema do mercado seria a criação de um selo nacional de qualidade para este tipo de equipamento. Algo que fosse desenvolvido por entidades competentes e com ciclos de análise bem desenhados para todo e qualquer tipo de material, equipamentos, componentes, etc. As empresas que vendem equipamentos "paralelos" teriam de se adequar, e a preocupação com o que se compra aumentaria muito. Mesmo os produtos importados teriam de se adequar as necessidades nacionais de uso.

Falta de interesse?

Se a criação de um selo de qualidade fosse a saída para uma qualificação maior do mercado de produtos emergenciais, porque isso nunca foi feito ou tentado?

A resposta não é simples e passa pelas mais variadas possibilidades. Talvez porque as empresas de maior porte desse mercado, em boa parte, sejam revendedoras e não fabricantes. O mercado desse segmento tem sua faixa gravitacional em torno de quem presta serviços emergenciais, e em boa parte estas empresas outrora já produziram equipamentos e materiais, mas abandonaram esse nicho por uma questão de praticidade. E se estas empresas não fabricavam, alguém precisaria. Daí esta enxurrada de empresas semi desconhecidas, que tem em seu corpo funcionários que já passaram por grandes empresas de atendimento emergencial, e que baseiam nestes funcionários toda a expertise da fabricação.

Outra hipótese é uma genuína falta de interesse. Esse processo levaria a um engessamento do mercado. Exigiria muito trabalho na homologação de produtos e equipamentos, testes e padronização. "Se a gente já vende assim hoje, porque vamos mudar?" É isso que ouvi de um colega que atua em uma empresa do segmento de venda de equipamentos.

Conclusão

No cenário atual, apenas 02 hipóteses podem mudar esse cenário: A primeira é que uma empresa resolva bancar um início de processo de qualificação de materiais e equipamentos, e que tenha transito para incluir mais algumas empresas concorrentes neste processo. A segunda é uma falha grotesca de equipamentos de resposta em uma emergência de conhecimento público, noticiado. Processos que tem questionamentos públicos por melhorias tem obtido mais efeitos do que uma boa vontade real do governo em liderar estes tipos de processos.

O horizonte não é simples nem permite otimismo. Permite apenas muito trabalho e conversa pra explicar o óbvio as empresas.




Andréa Almeida

Biólogo (a) /Analista Ambiental/Gestão de Riscos

3 a

Muito pertinente o seu artigo Arthur Amaral. Há quase quatro anos, quando comecei a trabalhar com planos de emergências, sempre questionei o porquê das empresas de prontidão ambiental não passarem por nenhum tipo de processo de licenciamento para funcionarem, nenhum tipo de comprovação. A questão de qualidade dos equipamentos, então, temos que confiar no revendedor.

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