Porque a Ypióca não pode ser a nova Havaianas
A analogia é uma ferramenta analítica útil em pesquisa qualitativa.
A analogia permite a quem lê ou escuta uma compreensão ampla e imediata de elementos essenciais que o apresentador / autor quer transmitir.
Se bem utilizada.
Se mal utilizada ela é um desastre.
Li no Valor Econômico que a Ypióca da Diageo quer transformar a Ypióca na nova Havaianas ("transformar uma marca brasileira antiga, consolidada em um ícone nacional moderno para exportação", nas palavras de um executivo da Diageo). Parte disso foi entregar a conta para a AlmapBBDO, que fez parte do case Havaianas.
Vamos por partes.
Que dá para a Diageo ganhar muito dinheiro com Ypioca isso dá. Vem elevando a distribuição. Tem um bom controle da distribuição em uma parte dos canais de consumo no local, mas uma parte grande do volume vai via distribuidores. Pro varejo de bebida popular no Brasil. O boteco. Esse universo que quem, como eu, passou por cervejaria, conhece bem. Nada fácil construir marca pra gringo tendo que vender pro bebedor cotidiano (o cachaceiro, se quiserem falar bom português).
E me explica como que se cria uma marca icônica a partir de uma marca que já tem um equity nada icônico? Ypióca é popular. Seu volume (e sua história) tem sido construída no boteco pé sujo, esse que 11 da manhã já tem gente bêbada na porta (cansei de ver a cena). Como manter o volume (e para isso o price point no canal popular pro consumidor "habitual") e transformar uma marca? Desafio grande...
Me explica como que se pega uma categoria que já representa uma bebida brasileira lá fora, que o gringo já conhece, mesmo sem ser entendido, e cria uma "marca icônica"? Ela vai virar A marca de cachaça em pouco tempo? Como? Sagatiba tentou. O universo de bebidas tem um monte de marca em todos os segmentos. Até em cerveja isso vem acontecendo. Qualquer bodega especializada em cachaça te ensina que não existe UMA marca, existem MUITAS marcas boas de cachaça e o bacana é conhecer, provar, desenvolver uma cultura de gosto, acumular experiências. Essa dinâmica da cachaça premium dificulta o nascimento de uma marca ícone. O engajamento é acima de tudo com a categoria e com o "capital cultural" adquirido. Ypióca vai mudar isso? Desafio grande...
Ainda na categoria: Havaianas é uma marca de sandália flip flop. Algo que se veste. Que se incorpora ao guarda roupa. Que se leva como evidência pública de ligação com a cultura local nesse mundo em que ser viajado é um valor elevado. Pro gringo que vem ao Brasil Havaianas é um pedaço de brasilidade que ele leva pra fora. É evidência do seu acúmulo de experiências. Pode levar Ypióca pro seu bar pessoal, pras suas festas? Pode, mas a relação é diferente. A sofisticação do gosto elevou o nível do souvenir em bebidas. Se antes um 12 anos era presente bacana do free shop, hoje é uma marca japonesa que quase ninguém conhece. Ypióca vai entrar nesse baile? Com que roupa? Cuidado pra não passar vergonha...
Marca icônica se faz na cultura. Não se faz nas mesas de planejamento de agências e clientes. Jack Daniel's não foi criada. Ela foi organicamente germinada na história dos EUA e da lei seca. Ypióca tem que história pra contar? Havaianas se fez na cultura brasileira novecentista de despojo visual. Foi o reinado da bermuda com chinelo, da calça com chinelo, do estilo de vida praia-sossego-dá-um-tempo-do-trabalho. Havaianas foi o produto certo se reposicionando na hora certa. Ypióca vem de encontro a uma geração que mescla saudabilidade com toca-o-puteirabilidade. Valores líquidos. Bom, nisso há uma sinergia em termos de grau...
É claro que a Diageo pode usar sua força de distribuição global para colocar a marca em muitos países. Pode melhorar o design e o produto. Pode produzir comunicação de primeira. Pode muitas outras coisinhas mais e elevar a marca do patamar em que se encontra. Pode, enfim, ganhar dinheiro. Mas, diante da mudança que passa o mercado e a cultura de consumo de bebidas, acreditar no nascimento de um ícone de brasilidade do porte de uma Havaianas? Me parece o objetivo errado. Ou o objetivo com a analogia errada.
E aí basta trocar a analogia.
P.S.: vontade de beber uma caipirinha de lima da pérsia com Espírito de Minas... Viu como é difícil?
Fonte:
Pintor abstrato e autor de livros na Criador de Conteúdo Ltda
9 apode não ter o mesmo sucesso estrondoso da Havaianas mas pode ter crescimento expressivo com a melhor investimento na marca.
Francisco Tortorelli, só vi agora seu comentário, sorry. Cara, eu acredito muito em trabalho sério de planejamento e gestão de marcas . Como você faz. Meu ponto aqui nesse post é de que existe (aparentemente) uma expectativa quase inviável - criar uma marca ícone . O cara que cunhou o termo (Holt) fala que marcas ícone , mesmo, são raras e frequentemente não se constroem de cima pra baixo mas num processo orgânico pra kct. Dá pra influenciar? Dá. Mas não se faz milagre. Eu acho que esse caso aqui - upioca - merece objetivos mais factíveis. Mas vamos resolver isso aqui bebendo que é melhor :) Te ligo Abs
Head de data & insights, inovação, planejamento, MKT & Growth
9 aOi Bê, tudo bem? Vou ter que discordar em parte… Seu texto passa a impressão de que as áreas de marketing e as agências pouco ou nada podem fazer para posicionar marcas como mais do que simples veículos de produtos destinados a endereçar algum benefício funcional… Lendo o seu texto fiquei com a impressão de que marcas icônicas como Jack Daniel's surgem apenas de forma expontânea e inercial, à luz da evolução de acontecimentos externos do mercado. Porém, usando um exemplo do próprio texto, talvez se você tivesse escrito o conteúdo alguns anos atrás, quando Havaianas não passava de uma marca brega de chinelos de borracha usados principalmente por pedreiros, defenderia que também não seria possível reposicioná-la para conquistar um território emocional relevante, junto a diferentes targets e públicos. E os exemplos são vários. Para não fugir dos mais óbvios, porém didáticos: cerveja New Castle (belo case, vale olhar!), Nike, Heineken etc. Posso estar enganado, mas no limite, é a velha estória: as necessidades humanas parecem ser as mesmas desde o tempo das cavernas: sensação de pertencer ao grupo, auto afirmação etc. Porém os desejos atrelados a essas necessidades é que mudam com o tempo. A lança mais afiada se transformou num carro esporte, ou no último modelo de mobile phone etc. Ou seja, de fato não é fácil, mas acredito que as marcas podem sim analisar seu contexto, tendências, comportamento de consumidores, trend setters etc de forma a construir uma leitura de quais símbolos e proposta de valor teriam potencial para funcionar nos dias de hoje como formas de atender a essas necessidades. E como resultado dessa leitura, as mais antenadas podem desenhar a partir daí sua jornada de posicionamento, mais uma vez, buscando ser mais do que o simples veículo de venda de um produto físico destinado a satisfazer uma necessidade funcional. Para citar alguns exemplos: Always ('like a girl'), Dove (real beleza), NewCastle (no bollocks!) etc. Concordo com você que não se trata de uma tarefa fácil! E o trabalho depende não apenas de uma leitura coerente do cenário, tendências etc mas certamente de uma tradução correta (correta = relevante, diferenciada E CRÍVEL) do papel potencial da marca nesse contexto. Os casos recentes de storytelling vazios não são poucos e confirmam que raio gourmetizador pode até ter um efeito positivo bombástico de curto prazo. Mas também pode ter o mesmo efeito bombástico, só que negativo, no médio / longo prazo… E vamos marcar um happy hour para tomarmos essa caipirinha, poruqe fiquei com vontade também! rs rs rs Abração gurú!
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9 aConcordo em partes com o Professor, será difícil, mas não acredito que seja impossível. Vivemos um momento político instável, onde todos os brasileiros buscam um líder, uma referência ou algo que os deixem melhor. Talvez aí esteja uma boa oportunidade para a DIAGEO criar essa identidade e esse ícone que busca. Não vai faltar trabalho, mas como o senhor mesmo disse, ela é uma gigante e tem experiência nesse mercado. Vamos aguardar as próximas cenas desse desafio. Sucesso!!!