Portugueses no Brasil, por Carlos Varela Luc

Portugueses no Brasil, por Carlos Varela Luc

Portugueses no Brasil, por Carlos Varela Luc

 

Os acontecimentos históricos devem ser vistos à "luz" do pensamento e circuntâncias da época em que tiveram lugar e não numa perspectiva contemporânea.

No século XVI, e outros próximos, ninguém falava em direitos humanos, nos direitos dos animais, no direito de independência dos povos, ....... Os usos e costumes da época eram muito diferentes dos de hoje, alguns tinham contornos bárbaros.

Lembremos, por exemplo, As Cruzadas, anunciadas pela primeira vez em 1095 DC impelidas pela escolástica (uma filosofia que pretendia reunir a fé à razão), em tempos medievais (Europa entre os séculos V e XV),. Como era aceitável que povos ditos evoluídos pudessem matar e roubar para impôr o Cristianismo? Ainda hoje podemos ver alguns povos, extremistas, que matam e destroiem para impôr regras absurdas, classificamo-las como "em desuso" porque temos uma óptica de século XXI, seguimos regras contemporâneas, à luz de padrões civilizacionais apurados ao longo dos anos, temos limites éticos e humanos bem definidos, reconhecemos deveres e direitos.

 

Na história de Portugal, tal como na de outros países, há inúmeros casos de abuso de poder, de desrespeito pela vida humana e, pior ainda, de atrocidades cometidas em nome da vontade pessoal discricionária, de grupos de poder, religiosos, políticos, etc., de interesses económicos, ........

Refíramos, por exemplo, o caso da família Távora (familia tradicional da alta nobreza portuguesa), durante o reinado de D. José I que tinha como primeiro-ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, Marquês de Pombal e Conde Oeiras, descendente de uma família fidalga mas provinciana, desprezada pela velha nobreza e pela qual, naturalmente, nutriam forte antipatia. Em Setembro de 1758 (Portugal) quando o rei regressava, incógnito, de uma noite com a sua amante, Teresa Leonor, mulher de Luis Bernardo, herdeiro da casa Távora, a carruagem em que viajava foi assaltada por três homens que dispararam sobre os ocupantes. D. José ficou ferido num braço mas sem gravidade, regressando a casa (um conjunto de tendas na Ajuda, instalações provisórias dado que o terramoto de 1755 havia destruído o palácio real). De imediato, o primeiro-ministro, Sebastião José de Carvalho e Melo, Marquês de Pombal, assumiu o controle da situação e, passados poucos dias foram presos dois homens que, sob tortura, confessaram ter agido a mando da família Távora que, diziam, conspirava para colocar no trono o Duque de Aveiro, D. José Mascarenhas da Silva e Lancastre, também Marquês de Gouveia e Conde de Santa Cruz.

Assim, interpretou-se a acção como uma tentativa de regicídio e, nos dias seguintes a família Távora, encabeçada pela Marquesa Leonor de Távora e o seu marido D. Francisco de Assis de Távora, Conde de Alvor (antigo Vice-Rei da Índia entre 1750 e 1754), também Marquês de Távora e Conde de São João da Pesqueira, uma das famílias mais poderosas do reino, ligadas a outras casas nobres e igualmente poderosas, era perseguida e os seus principais membros presos. Deste modo com base num pressuposto e em provas muito subjectivas a situação termina com uma execução pública, em Belém (Lisboa) onde foram espancados e depois queimados Dom Francisco de Távora e seus dois filhos, José Maria e Luís Bernardo, a Marquesa de Távora, D. Leonor, foi decapitada. Nunca ficou provado que se tratasse de um atentado contra o rei, inclusivamente colocou-se a hipótese de o atentado ser para Pedro Teixeira um homem com o qual o Duque de Aveiro tinha uma divergência, mas não há certezas de nada e a família Távora sempre reclamou inocência. Podem ter morrido inocentes mas, ainda que culpados haveria direito de tanta brutalidade e horror?

 

A conquista de Ceuta (Norte de áfrica) é considerada como o marco de início do Império Colonial Português (oficialmente Portugal nunca foi designado como um império) e durou quase seis séculos. Na sequência da denominada ,

em 25 de Abril de 1974, e com o reconhecimento à autodeterminação dos povos terminaria o império. Macau, na costa chinesa viria a ser entregue em 1999. Hoje, só os arquipélagos da Madeira e dos Açores são os territórios ultramarinos que ainda integram politicamente a República de Portugal, ainda que como Regiões Autónomas, mas deveremos recordar que antes da ocupação portuguesa eram ilhas inabitadas.

O expansionismo português teve, inicialmente, o objectivo militar e evangelizador e, mais tarde, mercê da busca de privilégios da fidalguia e pelos interesses comerciais, buscando riquezas fora do território, sofre um grande incremento motivando, em 1494, a outorga, entre D. João II e os Reis Católicos de Castela e Aragão, do Tratado de Tordesilhas que dividia o mundo em duas partes a partir de um meridiano situado entre o arquipélago de Cabo Verde e as Caraíbas, sendo que seriam portuguesas as terras, já descobertas e por descobrir, que se situassem a leste daquele meridiano e à Espanha caberiam as que ficassem a oeste dessa linha. A partir daí era cada vez era mais intenso o desenvolvimento comercial, principalmente com especiarias na linha asiática e, mais tarde, com escravos da áfrica ocidental, incrementado a partir de 1455. Do Brasil, viriam madeiras e depois açucar e, mais tarde, a partir do séc XVII, metais preciosos que também viriam de outros territórios portugueses de além-mar.

Resumindo: Vivia-se um tempo de colonização (Portugal, Espanha, Bélgica, França, Holanda, etc) procurando trazer para os respectivos países riquezas exploradas nos territórios colonizados. A sede de riqueza era cada vez maior e, porque se considerava que os territórios ocupados eram parte integrante dos países que os dominavam era corrente retirar-lhes as riquezas naturais em proveito próprio, isto é, visto à luz dos princípios e da cultura da época, era corrente comercializar.

Naturalmente que os interesses de uns (os povos nativos) e de outros (colonizadores) não eram totalmente convergentes pelo que o uso da força era habitual provocando mortes de lado-a-lado, com evidente preponderância para os colonizadores que dispunham de meios e técnicas mais mortíferos enquantio que os nativos viviam num estado mais natural e sem qualquer sofisticação bélica.

 

No entretanto, os países colonizadores foram, com o avançar dos tempos, acusados de diversos crimes e por diversas formas, diversos países faziam restrições comerciais e diplomáticas aos que tivessem, de alguma forma, dominando outros países e povos, era o princípio do direito de independência e autonomia a tomar forma. A expressão "potência colonizadora" passou a ser execrável de tal forma que, a partir de 1946, Portugal passou a designar as colónias como províncias de além-mar ou províncias ultramarinas, como forma política de evitar ser considerada potência colonizadora.

 

Tenho ficado surpreendido com algumas conversas com brasileiros, principalmente de cultura e educação superiores, que, ao perceber-me português, referem as riquezas que os portugueses teriam roubado do Brasil na época colonial e a forma como se impuseram aos nativos. Outros, de menor grau cultural, referem as anedotas que os brasileiros contam dos portugueses, bem conhecidas de todos e que aparecem sempre que há um português no meio. Como é evidente, não represento, na acepção da palavra, Portugal nem os portugueses, ainda que seja português nato, menos ainda os desses idos séculos onde imperava a lei do mais poderoso ou o mais forte.

Aos primeiros, com os quais tenho maior proximidade de preparação académica e cultural, respondo com vários argumentos, em tom de humor, alguns que o decoro me impede de, aqui, reproduzir, outros tais como: "pode facilmente constactar que eu nada roubei, só cheguei aqui em 2009 com o Brasil independente há mais de um século" ou "nessa altura nem o meu avô materno, nascido em Manaus, tinha vindo ao mundo quanto mais eu" ou ainda "ainda hoje, em vários locais do mundo, há povos indígenas que continuam a ser explorados, privados de direitos que lhes são endógenos e/ou massacrados .....".

 

Aos segundos, conto o comportamento do meu avô materno, nascido em Manaus e que foi residir para Portugal quando tinha 17 anos. Porque ele abandonara o sotaque do português do Brasil ninguém, que não soubesse antecipadamente a sua origem, percebia que ele não tinha nascido em Portugal. Muitas vezes lhe contavam anedotas de brasileiros cujo objectivo era sempre perjurativo para estes, classificados como burros, ignorantes, .... e, acabada a estória, ele ria como toda a gente e depois dizia, alto e bom som: "Sabe que eu sou brasileiro?", aqui o narrador, ainda mal refeito do cenário hilariante em que tinha contado a trama, ficava "sem graça" e desfazia-se em desculpas, dizndo que não tinha a intenção ...... O meu avô, com a bonomia, que o caracterizava, respondia: "Não se preocupe, as mesmas estórias que vocês contam dos brasileiros nós, lá no Brasil, contamos dos portugueses. O enredo é o mesmo só muda a nacionalidade do personagem". Todos riam e lá bebiam mais um copo de bom vinho português.

 

Por: Carlos Varela Luc

carlosvarelaluc@gmail.com

Entre para ver ou adicionar um comentário

Outras pessoas também visualizaram

Conferir tópicos