Power dressing se veste com intenção - e Marla Grayson SABE disso

Power dressing se veste com intenção - e Marla Grayson SABE disso

I'm a fucking lion.

Foi o que Marla Grayson disse com veemência em "I care a lot", filme lançado no Brasil pela Netflix. Provavelmente, foi também o quê da personagem (junto os looks!) ficou na memória de que assistiu o longa. Na sua metáfora de mundo divido entre predadores e presas, não restou dúvidas de que Marla escolheu jogar no primeiro time. Eu sou uma leoa - e bem da entendida de estilo, eu acrescentaria! haha

No hay texto alternativo para esta imagen

Marla Grayson é uma mulher complexa. Foi o que captamos na primeira cena do filme. Isso porque, antes mesmo de pedir a palavra ao juiz, seu bob milimetricamente cortado e repartido ao meio + seu vestido vermelho intenso, já estavam ali nos contando. "Dói mais porque sou mulher? (...) Ter um pênis não o torna mais assustador. Pelo contrário". Apesar do "mixed feelings" que a personagem desperta na gente, uma coisa precisamos admitir: através do estilo, ela comunica lindamente quem é. E, pra mim, nada mais power dressing do que isso: Roupa que veste pra posicionar. Que expõe com uma perspicácia cirúrgica a que viemos no mundo.

Marla Grayson com sua roupa do poder: linhas e golas arrojadas, cores impactantes, acessórios escolhidos a dedo.

Inicialmente, o power dressing surgiu como um movimento do vesturário para acompanhar a entrada das mulheres no mercado de trabalho. Nos anos 80, mulheres poderosas, inspiravam-se em "homens bem-sucedidos": terninhos, modelagens retas e pesadas, cores neutras. O tempo passou, a moda e as pessoas evoluíram um bocado, e chegamos aos anos 2020. Aqui, mulheres revolucionárias se portam como desejam. E, o principal. Se vestem estrategicamente para defender as suas ideias.

E, aí está, monamús. Isso sim é power dressing.

No hay texto alternativo para esta imagen

Voltando à Marla Grayson, é perceptível como os looks são pensados nos detalhes. Blazers em cores primárias e marcantes. Texturas. Formas cheias de linhas e impacto.

Roupa e intenção estão tão conectados que, nas cenas em que a personagem "ataca", ela veste cores intensas - como esse conjunto amarelo. Por outro lado, quando os papeis se invertem e ela se torna "presa" (como quando é sequestrada), aparece o mesmíssimo conjunto amarelo. Mas, dessa vez, em tom claro.

No hay texto alternativo para esta imagen

Outro aspecto que nos salta é a ausência de acessórios. Mais uma vez, uma escolha, que leva atenção praquilo que "realmente importa" no look. Não à toa, a personagem alterna penteados e a forma como reparte os fios. Suas makes super cleans vêm acompanhadas de batons fortes. Os óculos arredondados, outra mega marca de estilo...

No hay texto alternativo para esta imagen

Tudo chamando o olhar pro rosto, para o que a personagem está dizendo e pensando. Seu relógio dourado conectou: mais um acessório originalmente pensando pra homens. Mulher de negócios, "sem tempo, irmão", né non? huhu

Pra já ir me despedindo, gostaria de pontuar dois looks que, pra mim, são o ponto alto dessa construção de power dressing. Primeiro, o "look do renascimento", que a personagem veste pra ir à clínica odontológica, após quase morrer.

No hay texto alternativo para esta imagen

Camisa desabotoada em decote. Sapato fechado sem meia, com um tantim do tornozelo + pele aparecendo. Punhos dobrados deixando o relógio à mostra. E, gravata. Mas... pera! Gravata a-mar-ra-da na cintura, como cinto. Quer melhor forma de subverter a moda do que essa?

E, sim, eu tô falando é de subversão. Pra quem não sabe, a gravata foi pensada pra homens, como forma de enaltecer sua autoridade e poder nos espaços públicos. Agora pensem. Um acessório masculino & símbolo fálico sendo usado por uma mulher. Em laço. Pra evidenciar a sua silhueta. É o gênero performando!

No hay texto alternativo para esta imagen

Por fim, o conjunto que a Marla já milionária veste nas últimas cenas. Ela deu a volta por cima, associou-se ao "inimigo" e... venceu. Por isso a pantalona. Por isso, também, o penteado sexy - nada mais sedutor que o poder. No entanto, para além das peças e acessórios, destaco o cor escolhida. Branco.

Nos EUA, o branco representa o movimento feminista da luta pelo sufrágio. A cor que congressistas norteamericanas (incluindo Alexandria Ocasio-Cortéz) vestiram em 2019 para a posse no Capitólio. A mesmíssima cor que Kamala Harris usou, ano passado, em seu primeiro discurso como vice-presidenta dos EUA.

No hay texto alternativo para esta imagen

No longa, é nítido que existe ambiguidades na relação de Marla com o feminismo. Em vários momentos, ela usa a pauta como forma de justificar seus delitos e perversidade. No entanto, precisamos reconhecer que sabiamente ela se apropriou de uma cor simbólica num momento importante. Para celebrar a sua luta contra o sistema misógino, meritocrático e sexista - sobre o qual, inclusive, inicia o filme discorrendo. A fighter.

No hay texto alternativo para esta imagen

Se historicamente a moda foi usada para demarcar privilégios e manter estereótipos, ela também pode servir ao oposto. À expressão de subjetividades. À interface da gente com o mundo.

Apesar do trabalho minucioso de figurino, Marla Grayson ainda é a personagem de um filme, com as limitações que lhe cabe. Agooora pensem no que nós, mulheres, poderíamos construir se também começássemos a pensar estilo com toda essa estratégia e intenção. Quais espaços e vozes seríamos capazes de alcançar? Roupa não atua sozinha, mas ela soma.

E, óh. Se o power dressing fez o que fez por Marla, certamente ele pode fazer muito mais pela gente. Moda é ferramenta. Nós, somos sujeitas - da nossa própria história <3.



Entre para ver ou adicionar um comentário

Outros artigos de Olívia Paixão

Outras pessoas também visualizaram

Conferir tópicos