Pré-Aquecimento na Soldagem dos Aços
Créditos: LINDE - Mechanical burners for acetylene/compressed air.

Pré-Aquecimento na Soldagem dos Aços

Quando o pré-aquecimento é necessário na soldagem? Qual é a sua importância? Como determinar a temperatura mais adequada? Como deve ser aplicado corretamente?

Neste artigo eu vou falar um pouco sobre esta etapa, muitas vezes crucial,  para se alcançar o sucesso na soldagem de uma junta de aço.

Qual é a finalidade do pré-aquecimento na soldagem dos aços?

A maioria dos metais e suas ligas são bons condutores de calor. Consequentemente o calor na região de soldagem é rapidamente escoado por toda a massa envolvida no processo, acarretando um resfriamento relativamente rápido. Em alguns metais esse resfriamento rápido pode contribuir para a formação de microestruturas prejudiciais na junta soldada: é o caso dos aços estruturais e de baixa-liga. O pré-aquecimento da junta a ser soldada é uma maneira de reduzir a taxa de resfriamento do metal. O pré-aquecimento aumenta a temperatura do metal adjacente à solda, de tal modo que o gradiente de temperatura (isto é, a diferença de temperatura) entre a solda e sua vizinhança seja reduzido. O resultado é que a junta soldada se resfria mais lentamente, visto que a taxa de resfriamento é diretamente proporcional ao gradiente de temperatura entre as massas quente e fria

O efeito da aplicação do pré-aquecimento na redução da taxa de resfriamento a partir de 300°C pode ser evidenciado pela aplicação da Equação de Rosenthal para a condição de escoamento do calor tridimensional. 

Considerando-se os dados abaixo tem-se que:

k = 35 J/m.s.°C, condutibilidade térmica do aço; I = 127 A, corrente; U = 27 V, tensão v = 32 cm/min = 5,3.10-3 m/s, velocidade de soldagem; Ɛ = 0,85, eficiência do arco (FCAW); T = 300° C

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Observando-se os resultados obtidos, fica claro o efeito da temperatura de pré-aquecimento no sentido de se reduzir a taxa de resfriamento.

Durante a soldagem de aços-carbono e de baixa-liga há a possibilidade de que o metal de solda e a zona afetada pelo calor (ZAC) contenham altos percentuais de martensita, um microconstituinte de elevada dureza e baixa ductilidade, indesejável nos aços para fins estruturais, pois aumenta de forma significativa o risco de ocorrência de trincas.

A martensita forma-se durante o resfriamento da solda e da zona afetada pelo calor (ZAC). A quantidade de martensita formada pode ser limitada reduzindo-se a taxa de resfriamento da junta soldada.

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É possível, por meio de diagramas (CCT) , determinar a porcentagem das fases formadas durante a soldagem e, deste modo, determinar a taxa de resfriamento desejada e a temperatura de pré-aquecimento. Entretanto, para fins práticos, é usual empregar tabelas com as recomendações dos Códigos.

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Outro problema é que uma possível ZAC endurecida torna-se mais susceptível a trincas induzidas por hidrogênio. (TIH) – ver o artigo que eu escrevi a esse respeito deste assunto no Linkedin. Neste sentido, o pré-aquecimento também auxilia no sentido de favorecer a expulsão do hidrogênio difusível da solda para a atmosfera.

Assim, podemos citar as razões primárias do pré-aquecimento:

1.°) reduzir a taxa de resfriamento no metal de base e de solda favorecendo a formação de estruturas metalúrgicas mais dúcteis e resistentes a trincas – quanto menor a dureza da ZAC menor a probabilidade de ocorrerem trincas a frio (TIH);

2.°) temperaturas mais elevadas favorecem a expulsão do hidrogênio difusível para a atmosfera reduzindo assim a tendência de trincas a frio (Trinca Induzida pelo Hidrogênio - TIH)

Além disto, pode-se citar também como um efeito benéfico a redução das tensões de contração no metal de solda e metal de base adjacente, o que é especialmente interessante para juntas com elevados graus de restrição.

Como determinar a temperatura de pré-aquecimento?

O primeiro passo para tal é conhecer a composição química do metal de base.

Basicamente quanto maior for o teor de carbono do material de base, maior será a temperatura de pré-aquecimento requerida. Esse raciocínio também se aplica ao teor elementos de liga.

Um método simples para determinar a necessidade de pré-aquecimento de uma junta soldada é o do carbono equivalente (CE). A temperabilidade de um aço está relacionada ao seu teor de carbono acrescido dos teores de certos elementos de liga. Quanto maior for o carbono equivalente maior será a temperatura de pré-aquecimento requerida.

Uma equação para o carbono equivalente, largamente utilizada, é dada pelo International Institute of Welding - IIW.

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Outro fator importante para se determinar a temperatura de pré-auecimento é a espessura do componente. De um modo geral, quanto maior a espessura, maior é a temperatura de pré-aquecimento, até um certo limite. De fato, esta função pode ser representada por uma tangente hiperbólica e assim a partir de uma determinada espessura o acréscimo na temperatura é desprezível.

A título de exemplo (digo isto pois existem outras abordagens) é mostrado aqui uma tabela de temperatura de pré-aquecimento mínimas recomendadas para a soldagem de aços-carbono e carbono-manganês extraída da norma N-133 da PETROBRAS. Pela análise desta tabela nota-se a influência das variáveis carbono equivalente e espessura. É interessante observar que nesta tabela é utilizado o termo “espessura calculada”, o que é bastante apropriado, visto que uma junta em T é muito mais eficiente em escoar o calor do que uma junta de topo. Nos desenhos são mostradas as fórmulas para a “espessura calculada” de acordo com a configuração da junta.

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Apesar de muitas vezes as tabelas dos Códigos mostrarem baixas temperaturas de pré-aquecimento (por exemplo 10°C) para espessuras mais finas de certos materiais, a boa prática diz que mesmo assim deve ser realizado o pré-aquecimento, neste caso apenas com a finalidade de remover a umidade da chapa ou tubo antes da soldagem. Outro detalhe interessante que deve ser observado é que para uma soldagem realizada em condições climáticas inclementes (ex.: inverno na Rússia – temperaturas abaixo de - 50°C), uma temperatura de +10°C representa um pré-aquecimento considerável.

E o que deve ser feito quando a temperatura de pré-aquecimento mínima recomendada pelos Códigos se mostrar inadequada?

Como foi comentado aqui, as tabelas de temperaturas mínimas de pré-aquecimento exigidas por alguns Códigos (ex.: AWS D.1) levam em consideração apenas a composição química do metal de base e a faixa de espessura. Entretanto, isto não quer dizer que tais temperaturas serão sempre suficientes e adequadas para uma dada aplicação. Existem outros fatores que as vezes também precisam ser considerados, tais como: grau de restrição da junta e teor de hidrogênio difusível do consumível. O próprio Código AWS D1.1 prevê este tipo de situação, e no Anexo G intitulado Guideline on alternative Methods for Determining Preheat, são dadas as diretrizes para um cálculo mais completo e apurado da temperatura de pré-aquecimento, levando em consideração estes fatores.

Mesmo se, após a aplicação deste métodos alternativos a temperatura de pré-aquecimento se mostrar inadequada, pode se fazer uso dos testes de soldabilidade para se determinar a temperatura mais adequada.

Os testes de soldabilidade, com destaque ao CTS (Controlled Thermal Severity), Tekken (Y-Groove Restraint Test), o de restrição LEHIGH e o G-BOP, foram desenvolvidos para avaliar a sensibilidade ao trincamento a frio de juntas soldadas. Tais testes são padronizados pela norma ISO 17642-2.

O ideal, quando se trata de uma soldagem manual ou semi-automática, é sempre empregar a temperatura mais baixa possível de pré-aquecimento, para o conforto do soldador. Isto pode ser obtido por meio do uso de consumíveis de baixíssimo teor de hidrogênio difusível ( classe H4 : inferior a 4 ml/100 g de metal de depositado ) e também aplicando-se altos aportes de calor durante a soldagem. Claro que este balanço não é algo simples, e deve ser analisado com extremo cuidado pelo Engenheiro de Soldagem, mas o que eu gostaria de deixar claro aqui é que sempre existem saídas para se mitigar um problema. 

Considerações Finais

Uma pergunta interessante que poderia ser feita é a seguinte: o pré-aquecimento na soldagem dos aços poderia ser dispensado? Em tese, a resposta seria SIM, até porque segundo a norma EN DIN 1011-2, a medida mais efetiva para se evitar a trinca a frio é reduzindo o teor de hidrogênio difusível dos consumíveis, o que combinado a altos aportes de calor durante a soldagem, poderiam isentar a junta de ser pré-aquecida. Entretanto, na maior parte dos projetos os Códigos exigem que uma determinada temperatura mínima de pré-aquecimento deve ser aplicada. Isto deve ser cumprido e ponto final.

Outro questionamento recorrente é por que alguns aços inoxidáveis, especificamente os austeníticos, não devem ser pré-aquecidos antes da soldagem. A resposta é que a fase predominante nestes aços é a gama (austenita) e não há transformação de fase no estado sólido. Como o hidrogênio apresentar grande solubilidade nesta fase, tais aços não são susceptíveis a TIH. Deste modo o pré-aquecimento não é requerido.

Por fim, eu gostaria de reforçar aqui a importância da técnica de se pré-aquecer corretamente uma chapa ou tubo. O calor deve ser distribuído de forma que seja evitado a formação de altos gradientes de temperatura. Em outras palavras, o calor deve ser distribuído de forma homogênea na superfície (e no volume) da peça de modo que não ocorra a formação de regiões muito quentes e outras muito frias o que colabora para a formação de tensões residuais. Assim, não basta aplicar rapidamente o calor na superfície da chapa por alguns minutos e depois de verificar que o lápis está fundindo, interromper o pré-aquecimento. TODA a seção da chapa deverá ser pré-aquecida! Tenha paciência e faça a coisa certa!

Outra coisa importante é saber monitorar a temperatura. Muito cuidado deve ser tomado com o uso de pistola de raios infravermelhos. Lembre-se que a emissividade de superfícies brilhantes (por exemplo superfícies usinadas) é muito maior e assim certamente ocorrerá erros de leitura. Neste sentido, o uso de lápis térmicos é muito mais confiável e aconselhado.

Bom, acho que por hoje é só. Até a próxima!

Marcello Ferrari, Eng.°, MSc.

Engenheiro de Soldagem Sênior - Inspetor de Soldagem Nível 2

Referências

Structural Welding Code – Steel: AWS D1.1/D1.1M. American Welding Society, 2010.

NORMA Soldagem: N- 133, Revisão K. PETROBRAS. 2012

KOU, S. Welding Metalurgy. Second Edition. New Jersey: John Wiley & Sons, 2003. 461p.

GRANJON, H. Les bases métallurgiques du soudage. Institut de Soudure: editeur PSA, 2000. 233p

LANCASTER, J.F. Metallurgy of Welding. Sixth Edition. Cambridge: Abington Publishing, 1999. 468p

STANDARD. Recommendations for welding of metallic materials. Part 2: Arc welding of ferritic steels. English Version of DIN EN 1011-2. Deutsche Norm, 2001.

STANDARD Destructive tests on welds in metallic materials – Cold cracking test for weldments – Arc Welding Process – Parte 2: Self-restraint tests: ISO 17642-2. International Organization for Standardization, 2005

PEREZ,R.C. A influência da temperatura de pré-aquecimento e tecimento na microestrutura e propriedades mecânicas na soldagem MIG/MAG robotizada de aços SAE 8620 com ABNT LN28. Dissertação Mestrado - Faculdade de Engenharia, Universidade Estadual Paulista. Bauru. 2007.

Anderson Leite

Tender Quality Manager, GE Vernova

2 a

Excelente Artigo, Parabéns Marcelo.

Ronaldo Costa

Gerente Industrial na Usirolos

2 a

Parabéns Marcelo 👍

Adilson Cardoso Junior

Supplier Quality Engineer at Alstom

2 a

Ótimo! Parabéns pelo conteúdo! Obrigado por compartilhar, Marcello!

Marcela Figueiredo Ferrari

Graduada em Direito pela Universidade Presbiteriana MACKENZIE (2014), aprovada na OAB/SP (2016) e bacharel em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública pela Academia de Polícia Militar do BARRO BRANCO (2014).

2 a

👏🏻👏🏻👏🏻❤️

Grande Ferrari, sempre compartilhando conhecimento, parabéns 

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