Prazer, Alguém
Uma série de contos sobre pessoas do nosso cotidiano.
Prazer, Rita
Meus olhos divagam presos aos calos das mãos de Rita, imaginando há quantas vidas ela tem cozinhado ensopados. Por quantas mais ela colocará a colher de madeira a fim de experimentar se o tempero é o suficiente?
Ouço calado seus resmungos, eles dizem muito mais que só a queixa do cansaço. Há dor que desconheço em seu discurso silencioso, mas Rita traz uma entrega inerente às mães, algo que elas carregam em si que desdobra as leis da natureza humana.
Rita é dessas que acorda com os primeiros raios de luz e o som da vida acontecendo lá fora e só dorme depois que todos já estão na metade da próxima noite. Novamente estou preso com os olhos em suas rugas, ciente que guardam segredos que minha jovialidade jamais me permitirá conhecer, indagando a mim mesmo: a quem essa senhora me recorda?
Logo meu pensamento é roubado pelo cheiro do café marcante que Rita prepara. Já são dez horas da manhã e Rita reclamando do dia já ter andado tanto e ainda estar na terceira tarefa. Eu mal levantei e essa mulher já se diz atrasada. Aos gritos ela toca os cachorros, cumprimenta o vizinho que faz sua caminhada matinal e eu aqui perplexo com tamanha energia.
Rita é uma senhora, não muito mais avançada em idade que tantas outras senhoras, mas com certeza ela tem algo inexplicável. O pouco que Rita me permitiu saber envolve um marido expulso à vassouradas de casa. Tal expulsão aconteceu porque o bendito largou o filho menor trancado em casa enquanto ele ia ao bar, ao mesmo passo em que Rita trabalhava longas horas para ajudar nas finanças.
Logo é almoço e insisto para que Rita tente encontrar um meio de parar por alguns minutos, mas ela insiste:
- Se eu parar agora, não pego no ritmo de novo.
Rita tem razão, suas tarefas são homéricas. Ou poderia dizer “ritéricas” tendo em vista os esforços que ela realiza diariamente. Sendo assim concluo que apenas um homem criado na mitologia seria capaz de fazer o que Rita faz.
Prazer, Rita.