Primaveras

Hoje eu me peguei pensando em você e no quanto as coisas ficaram monótonas desde então. Eu tinha 15 e você 30. Para mim, a idade nunca importou.

Me olho no espelho. Há vários tons felizes nas paletas. Porém, escolho somente os escuros. É assim que me sinto, enegrecida. Enquanto passo a máscara de cílios eu só consigo pensar no que você diria se me visse agora. Hoje é meu aniversário e será que você ainda sabe quantos anos estou fazendo?

Eu costumava ir aos seus aniversários, mas você nunca pôde ir aos meus. Isso também nunca me importou. A sua vida sempre foi complicada e, em suas palavras, a idade, a estrada, o curto tempo, a desconfiança...

Hoje é meu aniversário e você não vem outra vez. Me pergunto se ainda guarda a correntinha que lhe dei. Logo farão mais anos que não o vejo do que anos que vivi com você.

Nós tínhamos um amigo em comum, isso fez com que nos conhecêssemos. Nosso amigo era mais novo do que você, a idade aí também não lhe importava.

De riso fácil, sempre tão jovial. Um tanto metódico, confesso. Com ar sério e preocupado quando estava comigo. Uma proteção quase fraternal. Como era bom ter alguém que me cuidava!

Mas, eu disse fraternal. Fraternal que obviamente tem o mesmo significado relativo a irmãos. Irmão é aquele bem mais do que um amigo e, infelizmente, bem menos do que eu esperava. E porque esperei, me decepcionei.

As pessoas tendem a fazer do outro uma imagem que só existe em sua própria cabeça. O comportamento, os desejos e até mesmo a aparência do outro toma a forma que nós bem queremos. Então, quando a verdade libertadora aparece, nos frustramos.

No entanto, você tem parte nisso. Por vezes me mostrou que a ilusão era real. Por vezes me deixou ver quanto de você também me via retorcida em perfeição. E o seu ciúme... era engraçado e nem um pouco fraternal. Mas, faltava algo. E eu sabia o que era. Faltava algo impossível. Jamais contaríamos as mesmas primaveras.

Ah, mas se você se lembrasse... É primavera novamente. Se você se lembrasse quantos anos faço agora. Me pergunto se faria diferença. Completo 30, o mesmo que você naquela época e sim, eu sei que os anos não pararam por você ou por mim. Mas, as coisas são diferentes agora, não são?

Eu mesma não sou mais aquela garota. Tenho as unhas vermelhas num tom que nunca gostei e, na boca, a menta foi substituída pelo gosto amargo do whisky de ontem. Ainda é quarta- feira.

Você também deve ter mudado. Várias coisas mudam com o tempo. Seu endereço, seu telefone... mudaram. E, mesmo assim, eu sei exatamente onde te encontrar e estranhamente, ainda trocaria a minha paz pela sua tormenta. Algumas coisas mudam, outras não.

E, falando em coisas eu não mudam, eu não aprendi a dançar. Sempre tive você pra isso. Seria bom por mim. Espero que você permaneça com aquela felicidade suficiente para dançar até a madrugada, depois da música acabar. Odiaria saber que o mundo perdeu o mais largo sorriso que já vi. E quantas vezes eu não sorri simplesmente pelo reflexo do seu? Quantas coisas não me contou sem dizer uma só palavra? Talvez um dia você me conte algo que eu ainda não sei, pois eu vou te contar.

O que você não sabe, é que esta é a carta que meus trinta anos me ensinaram a não jogar fora. Não a jogue também.

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