Principais riscos nas operações aduaneiras e a importância do planejamento

Principais riscos nas operações aduaneiras e a importância do planejamento

Com o objetivo de explorar alguns dos riscos inerentes às operações de comércio exterior e comentar sobre suas consequências, as penalidades deles decorrentes e os impactos, este artigo trará uma visão geral a respeito do que pode ser considerado como tema de grande impacto e relevância para alcançar o sucesso das transações internacionais.

É sabido que a dinâmica empresarial tem se transformado no Brasil de modo que o gerenciamento de riscos passou a ser primordial nas definições e projetos dos objetivos institucionais. Trazendo esse tema às operações de comércio exterior, é evidente que o planejamento deve ganhar espaço não só para mitigar os riscos de autuação pelo descumprimento de requisitos legais, mas também para que o operador visualize oportunidades e aproveite eventuais benefícios dos quais faça jus.

A burocracia e complexidade das operações de comércio exterior é de conhecimento de todos os intervenientes da área, portanto um planejamento eficaz gera efeitos positivos e contribui para o sucesso da operação, além de refletir em economia, redução de prazos e garantir a previsibilidade das transações.

Veremos a seguir o que consideramos os 04 (quatro) assuntos essenciais que devem ser abordados na avaliação de riscos, busca de oportunidades e benefícios. Nesse sentido, destacamos os aspectos de cada um deles que merecem especial atenção quando do estudo prévio da operação de comércio exterior, abordando os riscos inerentes e como trabalha-los.

1. Classificação Fiscal e Descrição de Mercadorias

Com alta relevância para o comércio exterior e sendo o ponto de partida para o planejamento das transações, este assunto merece destaque para atribuição e mensuração dos riscos na operação aduaneira.

É sabido que a Nomenclatura Comum do Mercosul – NCM trata-se de código que visa a adequada identificação das mercadorias; possibilita a aplicação do devido tratamento administrativo (como por exemplo, a necessidade de Licença de Importação, Nomenclatura de Valor Aduaneiro e Estatística (NVE), etc.); é utilizado nas negociações internacionais; determina a incidência de direitos antidumping e outras medidas de defesa comercial; define as alíquotas dos tributos incidentes nas operações, dentre diversos outros aspectos.

No Brasil, a classificação fiscal mostra-se ainda mais sensível por conta do rígido controle fiscalizatório exercido para aferição da correta NCM utilizada nas operações de importação e exportação, além do subjetivismo que existe quanto à descrição das mercadorias transacionadas – o que pode ser encontrado no conceito do artigo 711, §1º, III do Decreto nº 6.769/2009 que define “descrição completa da mercadoria” como “todas as características necessárias à classificação fiscal, espécie, marca comercial, modelo, nome comercial ou científico e outros atributos estabelecidos pela Secretaria da Receita Federal do Brasil que confiram sua identidade comercial”.

Nesse contexto, as empresas que atuam no comércio exterior devem tratar de forma especial a classificação fiscal e descrição das mercadorias que transacionam para assegurar que haja o cumprimento da legislação de modo efetivo e, assim, evitar penalidades, recolher corretamente os tributos e gozar de benefícios (por exemplo, redução da alíquota do Imposto de Importação pelo benefício do Ex-Tarifário).

Um dos equívocos comumente verificado nas operações é que empresas importadoras no Brasil definam a classificação fiscal conforme aquela utilizada (ou sugerida) pelo fornecedor no exterior – isso ocorre, inclusive, com empresas do mesmo grupo econômico, onde a filial no Brasil segue a determinação da matriz no exterior. Eis o risco: importação de mercadoria classificada sem o estudo prévio acerca das Regras de Interpretação do Sistema Harmonizado ou sem aprofundamento sobre o entendimento da fiscalização brasileira quanto a correta classificação daquele produto. É importante ter como referência – e método para gerenciar esse risco – que a NCM é responsabilidade do declarante no Brasil (importador ou exportador), deve representar corretamente o produto e pode divergir do entendimento do país exportador ou do país onde se localiza o fornecedor.

Cumpre destacar que a classificação fiscal e descrição das mercadorias deve ser aplicada de modo a trazer segurança às operações.

Tal prática se mostra ainda mais relevante por conta das multas relacionadas ao erro de classificação fiscal ou descrição – multas essas que muitas vezes inexistem em outros países – e merecem destaque: de acordo com o artigo 711 do Regulamento Aduaneiro (Decreto 6.759/2009), aplica-se multa de 1% (um por cento) sobre o valor aduaneiro da mercadoria classificada incorretamente na NCM, sendo que referida multa pode chegar a 10% (dez por cento) do valor aduaneiro. A mesma penalidade aplica-se caso haja irregularidade na descrição completa da mercadoria.

Além disso, há diversos outros impactos, como por exemplo se a NCM retificada implicar na exigência de Licença de Importação ou direitos relacionados a defesa comercial. Caso haja diferença de tributos, há ainda multas específicas, como por exemplo a multa de 75% pelo lançamento de ofício calculada pela diferença dos tributos. Cumpre destacar ainda que eventual descrição incorreta pode resultar também na reclassificação da mercadoria com permissão legal para revisão aduaneira e exigência de tributos e multas de operações dos últimos 05 (cinco) anos.

Ademais, há impactos operacionais, comerciais e financeiros decorrentes de eventual questionamento da fiscalização acerca da NCM ou descrição das mercadorias, como por exemplo o atraso na entrega da mercadoria importada, como o descumprimento de contratos, custos com armazenagem e sobreestadia de containers, dentre outros.

Compartilhamos ainda que a incorreta descrição da mercadoria pode resultar na desqualificação de eventual benefício ao qual a empresa importadora faça jus.

Por tais motivos, a classificação fiscal revela-se de extrema importância nas operações e para este tema deve ser investida a devida atenção com a designação de pessoas tecnicamente qualificadas para a classificação dos produtos, garantia da manutenção de base de dados confiável e atualizada, verificação constante de Soluções de Consulta emitidas pela fiscalização e, se for o caso, apresentação de consulta referente ao produto específico, dentre outros cuidados que, se adotados, garantem a segurança da operação no que se refere a classificação fiscal e evitam riscos e custos na operação.

2. Valoração Aduaneira

Outro tema que merece destaque quando do planejamento das operações de comércio exterior é a apuração do valor aduaneiro nas importações. Apesar de muito utilizado nos contratos de compra e venda internacional, informação essencial nas importações e de extrema relevância para definição das operações, pouco se discute sobre qual é o correto valor aduaneiro das operações de comércio exterior e como computa-lo.

Em apertada síntese, trata-se de valor apurado na forma prevista pelo Acordo sobre a Implementação do Artigo VII do GATT (Acordo de Valoração Aduaneira ou, simplesmente, AVA-GATT), aprovado pelo Decreto Legislativo n° 30/94 e promulgado pelo Decreto Executivo nº 1.355/94, o qual possui status de lei e suas regras foram implementadas no Regulamento Aduaneiro (Decreto nº 6.759/2009). Utilizando-se das prerrogativas do acordo, no Brasil, foi estabelecido que o valor aduaneiro é o “valor da transação” e deve compreender o preço efetivamente pago pela mercadoria, além do custo do frete e seguro internacionais.

Como regra tributária, o valor aduaneiro é a base de cálculo do imposto de importação, das contribuições PIS-Importação e COFINS-Importação além de compor as bases para o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e o Imposto sobre a circulação de mercadorias (ICMS). E para auferir o correto valor, o AVA-GATT estabelece seis diferentes métodos substitutivos para sua determinação, sendo que tais métodos devem ser observados sucessiva e ordenadamente até que se chegue àquele que permita determinar o valor aduaneiro da mercadoria importada.

Eis a lista dos métodos:

• 1º método – Valor da Transação ou valor real, que corresponde ao valor pago ou a se pagar pelas mercadorias, acrescido do custo de carga, manuseio, descarga, transporte e seguro até o desembarque. Caso não consiga se provar a legitimidade por esse método, passa-se sequencialmente aos demais.

• 2º método – Valor da transação de mercadorias idênticas realizadas entre os mesmos países e na mesma época.

• 3º método – Valor da transação de mercadorias similares realizadas entre os mesmos países e na mesma época.

• 4º método – Valor da revenda, no mercado interno do país importador, de mercadorias idênticas ou similares, na mesma época.

• 5º método – Valor computado levando-se em conta o custo aproximado de produção, acrescido de uma parcela referente ao lucro e às despesas de caráter geral.

• 6º método – Valor computado por qualquer outro meio razoável, com estrita obediência aos princípios e condições gerais do GATT.

Além dos investimentos técnicos necessários para a correta determinação do valor aduaneiro das importações utilizando os métodos e aplicando as regras do AVA-GATT, é possível que tais aplicações sejam questionadas pela fiscalização.

O que se verifica na prática, no entanto, é que comumente nas operações cujo valor aduaneiro é questionado pela fiscalização, esta não observa a ordem sequencial dos métodos de valoração aduaneira determinada pelo Acordo Internacional e lança mão do último método de valoração, que é o arbitramento do valor aduaneiro. Inclusive quando a fiscalização atribui “suspeita de fraude” à operação como no caso de subfaturamento. Tal prática se mostra discricionária e em desacordo com as determinações legais, além de muitas vezes estar revestida de certo protecionismo ao mercado doméstico de determinados setores ou produtos.

Tamanho o risco deste tema, é imperioso que a empresa possua respaldo técnico suficiente para assegurar a correta definição do valor aduaneiro.

Vale ressaltar que de acordo com o artigo 703 do Regulamento Aduaneiro, caso o preço declarado seja diferente daquele arbitrado pela fiscalização, aplica-se multa de 100% (cem por cento) sobre a diferença, sem prejuízo da exigência de tributos, multa de ofício e demais acréscimos legais. Além disso, na hipótese em que seja verificada a falsificação de documento, como por exemplo da fatura comercial, além da penalidade de perdimento da mercadoria, é encaminhada ao Ministério Público representação fiscal para fins penais para apuração de eventual crime.

Em que pese haja posicionamento contrário, entendemos que outro ponto de atenção no que se refere ao valor aduaneiro é seu impacto no acompanhamento de preço previsto na legislação brasileira (1), feito pelo Departamento de Comércio Exterior (DECEX) – a chamada “lista de preços mínimos para as importações brasileiras”. Explicamos: É sabido que via de regra, as importações brasileiras estão dispensadas de licenciamento. No entanto, para determinadas mercadorias ou operações, é imprescindível o licenciamento, que pode ser automático ou não automático, sendo que este deve ocorrer previamente ao embarque da mercadoria no exterior.

Embora a Licença de Importação – LI seja um documento que contenha informações sobre a mercadoria e a operação de importação, sujeitando-se ao deferimento pelo órgão anuente, e ainda que referido órgão possa exigir determinadas informações e documentos quando da análise da LI, conforme disposto no artigo 30 da Portaria SECEX nº 23/2011, verifica-se que atualmente o instrumento é indevidamente utilizado como verdadeira barreira à importação de determinadas mercadorias em razão do preço da mercadoria importada, o que se mostra totalmente descabido e em desacordo com a legislação atinente ao tema.

Isto porque comumente são exigidos do importador documentos que comprovem o preço praticado na operação e, ainda que sejam apresentados todos os documentos que efetivamente comprovem e demonstrem o “valor da transação” – preço efetivamente pago ou a pagar pela mercadoria –, a LI é indeferida sob o argumento que não fora comprovado o preço praticado na operação. Ressalta-se que tais exigências não têm relação alguma com a aplicação de medidas antidumping ou com o procedimento de valoração aduaneira, como é comumente confundindo quando da análise superficial da matéria.

Trata-se de abusiva utilização do instrumento como barreira às importações brasileiras, afastando seu propósito em ato discricionário que não encontra qualquer respaldo legal e tem inviabilizado as atividades econômicas daqueles que dependem da importação e revenda de determinados produtos. Em que pese haja entendimento assegurando tais procedimentos, entendemos que caracteriza-se como verdadeira prática predatória em desfavor dos importadores brasileiros e o próprio AVA-GATT veda, em seu artigo 2º, a utilização de LI como meio restritivo ou distorcivo sobre as importações, além daquele já imposto pela restrição.

Além do todo exposto até aqui sobre o tema, há discussões sobre royalties, desconto no valor e diversos outros pontos sensíveis no que se refere ao valor aduaneiro das importações e, por tais motivos, mostra-se de extrema necessidade o estudo cauteloso do tema previamente às operações.

3. Operações Indiretas: importação por conta e ordem e importação por encomenda

O planejamento estratégico das operações de comércio exterior muitas vezes envolve a realização de operações indiretas, pelas quais terceiro realiza o processo de importação de mercadorias com destinatário predeterminado, permitindo assim que a empresa foque em seu core business. Seja na modalidade por conta e ordem ou por encomenda, às operações indiretas deve ser investida especial atenção para que seja garantida a segurança da operação e mitigados os riscos inerentes ao formato pretendido. Inclusive, pois esse tema possui entendimentos diversos quando se compara os posicionamentos dos contribuintes e da Receita Federal do Brasil quando à conceituação.

Deve ser observada, por exemplo, a devida identificação do real adquirente nos documentos da operação, visto que se não comprovada a origem, disponibilidade e efetiva entrega dos recursos utilizados na operação, presume-se a interposição fraudulenta, independente da identificação do benefício auferido ou do dano causado, de acordo com o artigo 23 do Decreto Lei 1.455/76.

Além disso, com a fiscalização das operações indiretas, as autoridades buscam evitar a prática de sonegação fiscal, quebra da cadeira do IPI, burla das determinações previstas nas legislações que tratam do valor aduaneiro e preço de transferência, dentre diversos outros controles que eventualmente podem ser fraudados, como por exemplo o aproveitamento indevido de benefícios fiscais: muitas empresas realizam as importações por intermédio de trading companies localizadas em Estados cuja alíquota do ICMS incidente nas importações é reduzida.

No entanto, é imprescindível que seja feito estudo detalhado sobre o tema previamente às operações. Isto porque o entendimento do fisco varia conforme o estado e por meio de tais operações o real adquirente das mercadorias se expõe ao risco de ser exigido o ICMS-Importação também pelo estado do destinatário da mercadoria, além daquele que já fora pago quando do desembaraço aduaneiro.

Destaca-se, ainda, um cenário importante: ainda que a empresa decida por estabelecer filial no estado que melhor lhe convir para realizar as operações, evitando assim o risco mencionado acima, é necessário que tal filial de fato exerça atividades comerciais e/ou de distribuição das mercadorias, caso contrário a operação pode se caracterizar como simulação de transferência de estoque para a matriz situada em outro estado, pelo qual restará comprovada a prática de elisão fiscal passível de autuação pelo fisco e investigação de crime contra a ordem tributária.

4. Regras de Origem e Acordos Internacionais

Atualmente, as economias mundiais têm interdependência e, neste sentido, os países estão constantemente trabalhando suas relações multilaterais e negociando acordos que garantem benefícios mútuos em diversos aspectos.

Apesar de muito procurado por outros países ou blocos econômicos, o Brasil não explora na sua integralidade as vantagens decorrentes dos acordos comerciais, a saber pelo acordo Mercosul-União Europeia, que está em negociação há mais de 20 (vinte) anos.

É sabido que negociações comerciais internacionais não são processos com ritmo cadenciado e envolvem relações políticas e diplomáticas, no entanto acordos estratégicos historicamente impulsionam a economia e o avanço da indústria local diante da competição internacional, o que deve ser considerado.

Os acordos internacionais envolvem compras governamentais, propriedade intelectual, investimento, combate à corrupção e acesso a mercados, sendo este o ponto relevante para o comércio exterior.

Referidos acordos envolvem regras de origem, pelas quais se tornam públicos os critérios estabelecidos pelos países ou blocos para caracterizar a origem das mercadorias comercializadas. As Regras de Origem podem ser Preferenciais, quando determinada mercadoria possui tratamento distinto em decorrência da sua origem (como por exemplo redução do Imposto de Importação), ou Não Preferenciais, que definem a origem do produto que terá tratamento diferenciado com relação a aspectos comerciais, administrativos e regulamentações internas do país, como por exemplo a aplicação de medidas antidumping, salvaguardas e direitos compensatórios ou a sujeição a controles de normas técnicas, sanitárias e fitossanitárias, cotas, dentre outros.

Historicamente, as regras de origem se relacionavam a processos específicos, determinação de conteúdo regional, salto tarifário e a combinação de regras entre sim, para determinar a origem do produto.

No entanto, tais critérios têm se modernizado e a tendência é que as regras de origem se relacionem por exemplo a valor mínimo pago por hora para o trabalhador envolvido na produção de determinado produto; à utilização de tecnologia avançada e à procedimentos que simplifiquem a certificação e verificação de regras de origem e novas disposições de cooperação e aplicação para evitar a evasão fiscal.

A adoção de postura agressiva nas negociações internacionais tende a impulsionar o comércio internacional e, para tanto, se mostra necessário que as empresas brasileiras acompanhem tal movimento e atendam aos critérios estabelecidos para que possam se beneficiar da referida abertura comercial.

5. Comentários finais

Por todos os motivos elencados e considerando as constantes mudanças tanto no cenário internacional quando na legislação brasileira, o devido planejamento das operações aduaneiras se mostra uma ferramenta para aumento da eficiência das transações, além de implicar na redução de custos e de riscos, o que consequentemente possibilita que as empresas aumentem sua competitividade no mercado internacional.

1. Portaria SECEX nº 36 de 22/11/2007

Art. 25. O Decex efetuará o acompanhamento dos preços praticados nas importações, utilizando-se, para tal, de diferentes meios para fins de aferição do nível praticado, entre eles, cotações de bolsas internacionais de mercadorias; publicações especializadas; listas de preços de fabricante estrangeiros consularizadas no país de origem da mercadoria; contratos de bens de capital fabricados sob encomenda; estatísticas oficiais nacionais e estrangeiras e quaisquer outras informações porventura necessárias, com tradução juramentada e devidamente consularizadas. (Redação dada ao artigo pela Portaria SECEX nº 18, de 01.09.2008, DOU 03.09.2008 )

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