Privacidade digital, impactos e efeitos colaterais
Marcos Facó - CMO @FGV 16.01.2020

Privacidade digital, impactos e efeitos colaterais

Edward Snowden foi protagonista de um dos maiores escândalos da Era moderna ao denunciar o esquema de vigilância global da Agência de Segurança Nacional americana nos idos de 2013. Três anos depois, Brittany Kaiser foi um dos pivôs do caso da Cambridge Analytica ao relatar a coleta e o uso de dados de usuários do Facebook na campanha que elegeu Donald Trump. Ambos escândalos impulsionaram a polêmica sobre privacidade digital. Ambos os personagens ressurgem agora como gurus da proteção de dados em um debate em escala global – que acontece às vésperas da adoção da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) no Brasil.

Dados já são um dos recursos mais valiosos do planeta. Estratégicos para vencer a próxima guerra, que ao invés de ser travada nas trincheiras em campo aberto tem como cenário o mundo digital. Estes dados alimentam algoritmos, algoritmos esses que tem o potencial para mudar o mundo como o conhecemos hoje.

As principais forças desse embate são conhecidas: China e Estados Unidos. A pergunta que se impõe nesse cenário é se a corrida pela implantação de medidas de proteção de dados pode pender a balança de um lado para o outro.

Neste contexto polarizado, um lado segue na tentativa de regulamentar um mundo aparentemente irrefreável na esperança de proteger a própria democracia, com leis e normas que devem ser observadas por todos e que visam proteger nome, dados sobre renda ou localização, e-mail ou qualquer outra informação que permita identificar uma pessoa.

Em direção contrária, outros países tentam exercer o máximo controle possível pelo governo, impondo o que começa a ser chamado de Soberania Digital. Esse monitoramento envolve dados de reconhecimento facial, informações médicas e acadêmicas e operações financeiras. Por onde a China avança, ganhando um corpo de vantagem.

Então, o que vemos é um claro efeito colateral deste esforço para impedir a erosão da confiança na democracia ao oferecer uma vantagem competitiva a quem opera em uma lógica diferente do ocidente. Este cenário promete não apenas acirrar essa batalha, mas especialmente desequilibrar a balança em favor da Ásia, onde alguns Governos possuem acesso irrestrito a qualquer tipo de dados, sem ter que prestar contas para a sociedade.

Se lembrarmos que inteligência artificial tem em sua base dados que fazem seus algoritmos funcionarem na lógica de quanto mais melhor, podemos ter uma ideia da vantagem que estão pavimentando.

A mais de 10 mil quilômetros de distância do Vale do Silício, gigantes como Alibaba (e-commerce), Tencent (social media) e Baidu (mecanismo de busca online) que dominam o mercado nacional avançam para além da muralha, ocupando o top do ranking da lista de empresas mais valiosas do mundo. Ao lado dos tradicionais gigantes americanos como Amazon, Apple, Google, Microsoft e Facebook.

Do lado de cá do globo, esse movimento tem alavancado todo um novo segmento de mercado, no qual advogados, auditores e toda uma gama de profissionais oferecem consultoria em privacidade, a exemplo de Edward Snowden e Brittany Kaiser.

Um fenômeno que também já se nota no Brasil, onde a LGPD entra em vigor em agosto, nos moldes do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados da Europa (GDPR, do inglês General Data Protection Regulation), aprovado em 2016. A lei europeia se transformou no novo padrão-ouro, em um efeito dominó com um país após o outro adotando legislações semelhantes.

Impossível prever o futuro, mas o presente se parece muito com uma encruzilhada. Afinal, por mais bem-intencionada que seja, um conjunto de normas e regulamentações não funcionará como um GPS para o caminho do bem da Era digital. E, em contrapartida, a gestão da informação online que parece fazer-se necessária para salvaguardar certas práticas predatórias pode implicar em uma nova liderança global da revolução tecnológica.

Marcos Facó é diretor de Comunicação e Marketing da Fundação Getúlio Vargas


Alexandre Rodriguez

Superintendente de Marketing na Fundação Getulio Vargas | Mestre em Administração pela PucSP #marketing #marketingeducacional #marcas #planejamentoestrategico

4 a

A encruzilhada em que nos encontramos pode apontar duas ou mais alternativas. Há alguma mais viável ou menos tortuosa? Penso que há diversos movimentos além da venda de consultoria em proteção de dados. Já se fala em consumidores que desejam vender todos os seus dados, inclusive deixar-se filmar em troca de um “salario”. O futuro está cada vez mais perto...e mais incerto.

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