Procura-se um Herói
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Procura-se um Herói

Eu sou da geração Ayrton Senna.

Das pessoas que tiveram a oportunidade de acompanhar o Senna durante sua curta passagem por essa Terra, nenhuma lembra dele sem saudades. Assim como nenhuma dessas pessoas esquece o que fazia, aonde estava e como recebeu a notícia sobre aquele fatídico Grande Prêmio de San Marino, em 1º de Maio de 1994.

Eu tinha 9 anos em 94, e lembro perfeitamente do esforço da minha mãe em desviar a minha atenção para o que acontecia na televisão logo depois da colisão que matou o meu Herói. Nós éramos sócios de um clube na cidade onde eu morava e, naquele momento, "repentinamente", minha mãe resolveu que deveríamos ir para lá, ao invés de ir para a praia. Ela sabia que eu adorava a piscina do clube e achou que me levar ao clube me distrairia. E ela estava certa.

Depois de algumas horas na piscina, fui chamada para almoçar e, mais uma vez, o esforço da minha mãe em me distrair do que acontecia, se fazia presente: antes mesmo de perguntar o que eu queria comer, a mesa já estava posta com o meu prato predileto, além de uma fichinha para tomar um sorvete de sobremesa mas, ela não conseguiu me tirar da frente da televisão do restaurante. Quando finalmente, parecia que eu estava com a cabeça longe da tragédia que ocorrera pela manhã, entrou a vinheta do Plantão da Globo. Era Leo Batista informando que Roberto Cabrini, que fazia a cobertura in loco de todos as notícias do acidente tinha updates sobre os últimos acontecimentos, e que as notícias seriam passadas por telefone. Cabrini então entrou dizendo que a Dra. responsável pelo atendimento de Senna, havia acabado de dar a notícia para os jornalistas presentes no hospital e, com a voz que transmitia um pouco de confusão e incredulidade, ele disse:

Ayrton Senna da Silva está morto. Morreu Ayrton Senna da Silva, uma notícia que a gente nunca gostaria de dar. Morreu Ayrton Senna da Silva.

Até hoje, quando lembro disso, tenho a impressão de que Cabrini repetiu isso tantas vezes, talvez na tentativa de acreditar no que dizia. Eu estava sentada, de maiô, comendo minha comida predileta, num domingo ensolarado em Niterói e recebi aquela notícia como um soco no estômago. O silêncio tomou o restaurante. Demorei alguns minutos para entender o que aquilo significava, assim como todo mundo que estava ali. O final de semana de todo mundo estava terminado. Dali para frente, eu não via a hora de que tudo o que se seguiu à morte de Senna, terminasse. Ficava agoniada toda vez que via notícias no jornal, que via fotos da família, que mostrava o cortejo em carro de bombeiros, eu só queria que terminasse.

Se eu entendia o que eu assistia ou gostava de Formula 1? Não. Então porque eu assistia? Senna. Depois daquele dia, eu nunca mais assisti sequer um GP.

Enquanto esteve vivo, Senna representou esperança para um país inteiro que, naquele momento, vivia o recomeço. Até 1994, nós tínhamos uma economia fraca, um governo instável e, estávamos muito longe de ser uma potência sul americana. Estávamos lidando com as consequências de anos de um governo militar que destruiu a economia e a dizimou a autoestima da população. O chamado governo da "Nova República", que substituiu os militares, inventou mais planos econômicos de que eu consiga lembrar e, tudo isso, para combater uma inflação que - no ano em que eu nasci, 1985 - chegou a 235% e, passando dos 4.000% ao final do governo Sarney, em 1990. Quem lembra de pegar um biscoito na gôndola do mercado e ter o pacote tomado da mão por um funcionário para remarcar o preço, sabe do que eu estou falando.

Dentro de um cenário desses, Senna desempenhava um papel importantíssimo ao promover o país e não deixar que o povo se deixasse abater. Era um homem justo, que tinha orgulho das suas origens, acreditava no futuro do país e via na educação e no esporte, uma forma de educar as próximas gerações de forma que elas não repetissem os mesmos erros cometidos até então. Era um homem que lutava pelo que acreditava e não baixava a cabeça para ninguém.

Como encontrar um Herói?

Com o início dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro logo ali, mais uma vez, renovo minhas esperanças de, no meio de tanta gente buscando uma medalha, encontrar alguém que possa vir a ser o que Ayrton Senna um dia foi para este país. Sinto que estamos carentes de um representante que se preocupe com a nossa população. Estamos carentes de uma pessoa que sirva de exemplo e que seja inspiração.

Então, atletas brasileiros que estão indo para o Rio de Janeiro, disputar as competições de suas vidas, lembre-se de nós também!

Sabemos que nem sempre damos o valor que deveríamos dar a você, pelo seu esforço e renúncia em nome de um objetivo que, muito provavelmente, só você entenda o porque é tão importante. Sabemos também que, não temos o hábito de reconhecer quantas coisas positivas vocês representam para nós e não sabemos nos orgulhar de vocês quando nossa bandeira é levantada em diversas competições ao redor do mundo. Sabemos que temos um problema muito sério em aceitar que medalha de prata ou bronze deveriam ser tão comemoradas como as de ouro, afinal, ser o segundo ou terceiro melhor atleta na sua modalidade, diante do mundo inteiro, é algo que pouquíssimos irão conquistar. Sabemos que devemos parar de idolatrar somente um esporte e começar a olhar para outros com a mesma paixão mas veja... a última vez que tentamos fazer isso, o destino nos deu um golpe duro e que, para muitos de nós é difícil de aceitar até hoje então, nos dê um desconto. Nós queremos você como nosso Herói mas, não vamos aceitar alguém que não seja, pelo menos, perfeito para este cargo.

Uma coisa, eu posso prometer: se você preencher todos os requisitos e chegar lá, a gratidão do seu povo será eterna, amorosa. Antes de ser lembrado como um atleta multi-campeão e destaque no que faz profissionalmente, você será inspiração de um país inteiro, que irá apoioar, proteger e torcer pelas suas conquistas diante do mundo. Em troca?

Esteja lá quando precisarmos. Assim como Senna esteve. 

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