Professor pode trapacear?
Há dois meses, decidi atuar como tutor em um curso de formação docente a distância, planejado pela Wise-doc e o estafe da Secretaria Municipal de Educação de uma das cidades do interior de São Paulo.
Na turma 02, sob minha responsabilidade, havia trinta e dois cursistas inscritos. Todos eles graduados, concursados e na ativa. Havia duas doutoras em educação, três mestras e várias pós-graduadas.
O curso versaria sobre as metodologias e práticas da leitura no ensino fundamental, um tema apaixonante. Dediquei várias horas ao estudo da bibliografia, vídeos e atividades para desempenhar com eficiência, equidade e justiça a função de tutor.
O aprendizado foi gigantesco. Tenho muitas percepções para compartilhar com você. Muitas delas aparecerão nos próximos textos que publicarei nesta rede social. Hoje, eu decidi escrever sobre uma experiência frustrante, triste mesmo. Algo que mexeu comigo a ponto de não saber como reagir, tamanha foi a minha decepção.
Havia quatro módulos no curso e, em cada um deles, atividades assíncronas que os cursistas deveriam cumprir segundo o cronograma. No segundo módulo, uma das atividades requeria a elaboração de um texto sobre letramento, a partir de alguns pressupostos, dentre os quais, a leitura de artigos e o assistir de duas entrevistas da Profa. Magda Soares.
Durante o processo de avaliação e correção daquela atividade, obviamente, precisei ler os textos enviados pelos cursistas. Contudo, sem a intenção de formar um juízo, mas com o desejo de conhecê-los, tive o cuidado de ler o perfil de cada um antes de iniciar a leitura da referida atividade. Assim, eu conseguiria estabelecer, individualmente, o nível relativo de erudição, estilo e a coesão textual.
Lá pelas tantas, chegou a vez de ler e avaliar o texto da Profa. Y, pedagoga, graduada em uma universidade pública de renome e com duas pós-graduações concluídas em outras duas excelentes instituições de ensino superior. Que texto espetacular! Era uma escrita leve, solta, envolvente e com alta densidade de qualidade conceitual. Não havia escorregões na concordância verbal, regência e ortografia. Em comparação com os outros textos, era o melhor e merecia uma avaliação à altura, certamente, a nota máxima.
Porém, antes de atribuir a nota da atividade na plataforma de aprendizagem, parei por alguns segundos, olhei aquele texto na tela do laptop e um insight veio à minha mente: submetê-lo ao software de verificação de plágio, não por desconfiar da autora, mas por desejar sacramentar a excelência acadêmica da cursista.
Fiz a transposição de todo o conteúdo para o software de plágio e a ampulheta começou a girar. Alguns segundos depois, surgiu o resultado: 93% do texto era uma fraude autoral. Isto mesmo: 93% das palavras eram provenientes de outros autores cujos nomes não haviam sido referendados nas citações bibliográficas. O "maldito" software ainda me enviara os prováveis links de origem.
Em seguida, veio a raiva. Uma reação natural ao descobrir que alguém tentara lhe passar a perna, ou melhor, me prejulgara por otário. Esse alguém não era qualquer um: era uma pessoa que estava dentro de uma sala de aula com três dezenas de adolescentes, diariamente, desempenhando a sublime, a subida honra de ser-lhes sua professora!
Neste contexto, peço licença para lhe dar um conselho: nunca reaja com raiva, de forma impulsiva, em uma situação assim. Você precisa dar um tempo, meditar, avaliar e tomar uma decisão racional. Eu agi desta maneira e não me arrependi.
No dia seguinte, tomei as seguintes atitudes:
- salvei o arquivo enviado pela cursista e o resultado da análise do plágio;
- guardei uma cópia impressa de ambos;
- na plataforma de aprendizagem, no "comentário" relacionado à nota, escrevi: "Infelizmente não consegui atribuir uma nota para a sua atividade, em virtude dela conter várias referências bibliográficas não citadas no texto. Por favor, insira as devidas citações de acordo com as normas da ABNT ou, se preferir, refaça o texto e o reenvie, via AVA, para ser avaliado por mim".
Esperei a resposta. Um dia, dois dias e nada. No quarto dia, ela fez o upload de um novo arquivo. Contudo, nos comentários não havia nenhum pedido de desculpas, sequer uma vírgula sobre o acontecido. Absolutamente, nada!
Não é certo achar que ela agiu por ingenuidade. Antes, penso que ela tinha noção do ato que praticara ao me enviar um texto naquelas condições. Graduada e pós-graduada duplamente, é certo que ao menos uma monografia e dois TCCs devem ter sido feitos por ela sob condições de rigor e respeito ao direito autoral.
O que dizer das noções de ética e princípios que devem nortear nossa vida em todas as nossas decisões? Por quais motivos uma pessoa é levada a tentar trapacear? O fato de ser uma educadora, deve ser considerado um agravante?
O pior, o mais grave é a consequência das besteiras que fazemos. Neste caso, que permaneceu restrito a nós dois, o maior estrago, além da quebra de confiança, é o fato dela ter perdido completamente a credibilidade de um dia, pelos caminhos da vida, vir a ser a professora dos meus netos.
Por fim, compartilho a excelente entrevista de Marcelo Krokoscz, doutor e mestre em Educação pela Faculdade de Educação (FE) da USP e membro da rede acadêmica mundial para o enfrentamento do plágio, clicando aqui.
Formadora Pedagógica / Assessora Pedagógica
9 aÉ triste e lamentável, mas infelizmente é muito comum, por esse motivo várias universidades pedem para que antes de encaminhar o TCC passe o arquivo copyspider.
Graduanda em Letras, Jornalista, mestre em Educação e especialista em Linguagem, Tecnologias e Ensino. Redatora e social media
9 aLamentavel. O plagio nos cursos EaD tem sido um problema de dificil enfrentamento