Profissão: Perigo!
Como manifestação cultural, sem entrar no mérito, alguns personagens da teledramaturgia brasileira marcaram época. Odorico Paraguaçu, personagem de Paulo Gracindo, eternizou “A ignorância atravanca o progresso”, quando escutava uma grande bobagem, segundo sua visão de mundo.
Há poucos dias, enquanto meu carro era reabastecido de combustível, outro veículo estacionou atrás, aguardando a vez. O motorista fumava, apesar das placas de advertência. Educadamente, o frentista lhe pediu que apagasse o cigarro. Não foi atendido. “Tem problema não!”, argumentava o dito cujo. Resumindo, ele desistiu e foi embora. Ao retornar, o frentista pronunciou a máxima de Odorico Paraguaçu, com muita razão.
Você tem noção de quantas vezes foi exposto a situação de perigo devido à imprudência de terceiros?
Certamente, algumas dezenas de vezes. Talvez, em muitas delas, você sequer tenha percebido.
Dessa experiência do posto de combustível, resolvi compartilhar algumas informações importantes sobre a periculosidade, nos termos da legislação trabalhista e de segurança ocupacional do nosso país.
No âmbito do trabalho, o que é periculosidade?
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em seu art. 193, alterado pela Lei n. 12.740/2012, define:
“São consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), aquelas, que por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a:
I - inflamáveis, explosivos ou energia elétrica;
II - roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial"
Dois anos depois, a Lei 12.997/2014, acrescentou o § 4º ao art. 193 da CLT, dispondo: “São também consideradas perigosas as atividades de trabalhador em motocicleta”. No caso desses profissionais, em 14/10/2014, a Portaria 1.565 (MTE) regulamentou o Anexo 05 da Norma Regulamentadora (NR) 16, assegurando-lhes o adicional de periculosidade por meio de laudo técnico elaborado por Engenheiro de Segurança do Trabalho ou Médico do Trabalho, a partir de outubro/2014. Porém, na Lei 12.997/14, o legislador, de forma inexplicável, não incluiu a periculosidade por radiação ionizante, já prevista desde 2003 na Portaria n. 518 (MTE).
Em 02/12/2013, o MTE regulamentou a matéria relacionada às atividades expostas a roubos e outras espécies de violência, através do anexo 03 da NR-16, via Portaria 3.214.
Em julho de 2014, a Portaria n. 1076 (MTE) aprovou o anexo 04 da NR-16, regulamentando as operações perigosas com energia elétrica. Os bombeiros civis, através da Lei 11.901/2009, tem direito ao adicional de periculosidade.
Existem outras dezenas de atividades ou situações tão ou mais perigosas do que as regulamentadas e citadas acima. Contudo, elas não são amparadas pela legislação para fins de direito ao adicional de periculosidade.
Em que se distingue a insalubridade da periculosidade?
A insalubridade afeta, de forma contínua, a saúde do trabalhador, enquanto não houver sido neutralizada ou eliminada. A periculosidade está relacionada ao risco, em critério de eventualidade, quando um sinistro o atingir de forma violenta.
Como caracterizar a periculosidade envolvendo explosivos?
O anexo 01 da NR-16 (MTE) é quem regulamenta as situações que envolvem periculosidade relacionada a explosivos, a saber:
a) adicional de periculosidade de trinta por cento (30%), para todos os trabalhadores que exercem atividade relacionada a(o):
- armazenamento de explosivos, dentro da área de risco, de acordo com os quadros 02, 03 e 04 do Anexo 01 da NR 16;
- transporte de explosivos;
- escorva de cartuchos de explosivos;
- carregamento de explosivos;
- detonação;
- verificação de detonação que tenha falhado;
- queima e destruição de explosivos deteriorados;
manuseio de explosivos;
Como caracterizar a periculosidade envolvendo inflamáveis?
O embasamento legal ocorre através do Anexo 02 da NR-16. Este documento confere aos trabalhadores que se dedicam a essa atividade ou operações, inclusive os que operam na área de risco, o adicional de trinta por cento (30%), a saber:
- gás liquefeito (produção, transporte, processamento e armazenamento);
- transporte e armazenagem de inflamáveis líquidos e gasosos liquefeitos;nos postos de reabastecimento de aeronaves;
- nos locais de carregamento de navios-tanques, vagões-tanques e caminhões-tanques;
- na operação e manutenção de navios-tanques, vagões-tanques e caminhões-tanques;
- na desgaseificação, decantação e reparos de vasilhames;
- nos testes de aparelhos de consumo de gás e seus equipamentos;
- no transporte de inflamáveis líquidos e gasosos liquefeitos em caminhão-tanque;
- no transporte de vasilhames em caminhões de carga, contendo inflamável líquido;
- no transporte de vasilhames em carreta ou caminhão com um total de 136 quilos ou mais;
- nos postos de serviço e bombas de abastecimento de inflamáveis líquidos;
Qual é a conceituação técnica de um líquido inflamável?
Você não encontrará essa definição na NR-16. É importante ressaltar que, tecnicamente, líquido combustível difere de líquido inflamável. Os líquidos combustíveis são excluídos para efeito de adicional de periculosidade.
Porém, a NR-20, dada pela Portaria SIT n. 308/2012, dispõe o seguinte:
- Líquidos inflamáveis: são líquidos que possuem ponto de fulgor ≤ 60 ºC;
- Gases inflamáveis: gases que inflamam com o ar a 20 ºC e a uma pressão padrão de 101,3 kPa;
- Líquidos combustíveis: são líquidos com ponto de fulgor > 60 ºC e ≤ 93 ºC;
Portanto, o primeiro pressuposto para haver a configuração de periculosidade é conhecer o ponto de fulgor (ou de inflamabilidade) da substância. Na prática, em um pedido de adicional de insalubridade em depósito de óleo lubrificante, cujo ponto de fulgor é bem maior que 60 ºC, o enquadramento não é possível de ser feito, conforme a NR-16.
Quais às exceções à NR-16 que vedam a concessão da periculosidade?
1) o transporte de inflamáveis em pequenas quantidades, até o limite de 200 litros para líquidos inflamáveis e 135 litros para inflamáveis gasosos liquefeitos;
2) o tanque de consumo próprio dos veículos, cujas interpretações são controvertidas;
3) o manuseio, armazenagem e transporte de líquidos inflamáveis em embalagens certificadas, simples, compostas ou combinadas desde que obedecidos os limites consignados do quadro 1 do item 04, independentemente do total de embalagens manuseadas, armazenadas ou transportadas;
Como caracterizar a periculosidade no trabalho de segurança pessoal e patrimonial?
Apesar da Lei 12.740/2012 ter determinado como perigosa a exposição permanente do trabalhador a roubos ou outras espécies de violência física nas atividades de segurança patrimonial ou pessoal, foi a Portaria 3.214/2013 (MTE) que regulamentou o anexo 03 da NR-16 sobre essa questão.
É importante salientar que o anexo 03 da NR-16 limitou o enquadramento da periculosidade a algumas atividades (empregados das empresas de segurança pessoal ou patrimonial em estações metroviárias, rodoviárias, ferroviárias, portuárias, aeroportuárias e de bens públicos), em desacordo com o art. 193 da CLT que não faz menção a nenhum ramo de atividade.
Da mesma forma, o anexo 03 não considera certa subjetividade na diferenciação da exposição ao risco. Por exemplo, o segurança patrimonial de um supermercado está ou não sujeito à periculosidade da mesma forma que um segurança patrimonial que trabalha em uma estação rodoviária? Mas, o primeiro profissional não está no corpo de atividades abrangidas pelo anexo 03 da NR-16. Por quê?
Outro fator que merece ser comentado, diz respeito ao fato da caracterização da periculosidade ser feita por meio de perícias, conforme o art. 195 da CLT. O comentário que faço se restringe à insegurança gerada pelo legislador e à necessidade de recorrer à justiça, além do custo decorrente da prova pericial.
Por outro lado, o anexo 03 da NR-16 contempla como perigosa a atividade de telemonitoramento e telecontrole, apesar de ser feita dentro de salas, sem uma aparente exposição a roubos e outras espécies de violência.
Em breve, compartilharei informações sobre a periculosidade por energia elétrica, para motociclistas e por radiação ionizante. Se você tiver dúvidas, escreva nos comentários. Fique à vontade!
É isso.
REFERÊNCIAS:
NORMA REGULAMENTADORA, Nº. do Ministério do Trabalho e Emprego, Brasil. 16.
SALIBA, Tuffi Messias; CORRÊA, Marcia Angelim Chaves. Insalubridade e periculosidade: aspectos técnicos e práticos. In: Insalubridade e periculosidade: aspectos técnicos e práticos. LTr, 2015.