Projecto: Maria Parda (2010)
“Por que vio as ruas de Lisboa com tão poucos ramos nas tavernas e o vinho tão caro, e ella não podia viver sem ele.”
Gil Vicente, in Obras de Gil Vicente, Correctas e Emendadas por J.V. Barreto Feio, J.G. Monteiro
Encenação
“Se Deus é amor e o vinho amante, o que nos diz Maria Parda?
A obra vicentina espelha uma época de transição. Um tempo onde a soberania daquilo que estava instituído e as instituições são gradualmente subvertidas e a sua pertinência questionada. Este momento singular não foi único, nem isolado na história. A ordem político-social fortalece-se em resposta às interrogações que a comprometem, criando novas questões às quais terá de se reestruturar na busca da resposta.
Por conseguinte, se observarmos o passado, podemos realmente encontrar a marca deste círculo perpétuo, mais ou menos acentuado mas sempre presente.
Entretecida de interrogações sobre a ordem e costumes estabelecidos, a obra de Gil vicente, encontra a intemporalidade e um eterno retorno à nossa condição de seres interrogantes.
Assim, transpõe-se Maria Parda para o século XXI e eis que deixa de ser uma identidade quebrada pelos vícios da vida, transmutando-se numa mulher obcecada pela sua necessidade de preencher e justificar as suas “faltas” através do consumo desmedido.
Desta forma, Maria Parda renasce como qualquer um de nós, vítima da sede de ter e querer em detrimento de quem é, e da consciência daquilo que é realmente indispensável.
A sede do vinho não é mais do que a sede do espírito. Aquela sede imaterial de, com o palpável, saciar os vazios de uma alma que sente e se ressente da solidão entre os pares.
Maria parda pertence a uma sociedade de consumo bem actual, onde a solidão se encontra vincada pelas suas palavras e, onde o possuir é vendido como terapia. No entanto, tal como hoje encontramos em toda a parte, o seu espírito encontra-se vazio quando confrontada com vinho que escasseia.
Por forma a potenciar o carácter intemporal do espectáculo o texto mantém-se fiel ao original, mas usando a linguagem cénica e do actor como elementos vivos desta pulsante actualidade. Com este trabalho procura exaltar-se a eterna, não inata, e crescente insatisfação. Não na forma de ambição doentia, mas por desfasamento, por irreconhecimento do eu ou até mesmo por dormência.”
Eduardo Dias
Ficha Artística e Técnica
Texto Gil Vicente | Encenação Eduardo Dias | Interpretação Carla Garcia | Banda Sonora Original Bruno Moraes | Cenografia, Design Gráfico e Dramaturgia Mónica Santos | Direcção de Actores, assistência de Encenação e desenho de Luzes José Maria Dias | Direcção de produção Graziela Dias | Montagem Júlio Mendão | Frente Casa Bruno Moreira, Manuel Ernesto
Produção Teatro Estúdio Fontenova