Proximidade na relação médico-paciente

O nível de proximidade entre médicos e pacientes durante a consulta é um tema clássico de debate na medicina, e apesar de antigo é extremamente atual.

Existe uma ideia por vezes ensinada de que o médico precisa manter uma distância segura em relação a seus pacientes, com o objetivo principal de permanecer emocionalmente neutro e estar apto a tomar as melhores decisões.

No entanto, não acredito que essa neutralidade ou isenção emocional melhoram nossa capacidade decisória em relação à pessoa que está sob nossos cuidados. Já que não há uma decisão que funciona para todos, sinto-me praticamente obrigado a me aproximar, na tentativa de encontrar a melhor escolha para aquela pessoa.

A proximidade pode trazer uma série de outros benefícios, como a aderência ao tratamento, o retorno às próximas consultas, a satisfação com o seguimento médico e outros. Existe evidência de que a empatia do médico está associada a desfechos relacionados à doença, como melhor controle da glicemia em pacientes diabéticos! Nesse artigo, vou me focar no processo decisório relativo ao tratamento.

Houve um momento na história em que a decisão do médico era mais unilateral e deveria simplesmente ser seguida por seus pacientes. Estes, com frequência, aceitavam tal realidade com a resignação de quem não tinha conhecimento para debater com seu médico o que era melhor para si. Imagino que alguns pacientes insistiam em participar do processo, e suponho que alguns médicos se adaptavam enquanto outros se mantinham irredutíveis.

A evolução histórica da autonomia individual – inclusive dos pacientes – e a judicialização da medicina fizeram essa balança pender para o outro lado, entregando na mão de pacientes e seus familiares toda a responsabilidade da decisão. Aqui, o médico apresentava as opções e o paciente decidia, assumindo o ônus e o bônus da escolha.

Após ter acompanhado muitas pessoas doentes em situações delicadas, acredito na diversidade. Vi pessoas diferentes tomando decisões diferentes em situações parecidas, e percebo que até na intensidade da autonomia a variabilidade é a regra. 

Alguns pacientes preferem que sejamos um pouco mais paternalistas e abdicam de boa parte da decisão em um gesto que inclui confiança e insegurança. Outros assumem para si as decisões quase que em sua totalidade, buscando no médico as explicações e informações necessárias para que decidam por conta própria.

Há uma terceira possibilidade, quando o centro da decisão não está em nenhum dos lados (até porque não deve haver lados!). Nesse caso, a decisão ocorre na conversa, na relação. Um grande amigo, o professor Marco Antonio de Carvalho Filho, diz que essa decisão se dá na parceria entre médico e paciente.

Pessoalmente, a última opção é a que mais me agrada, filosoficamente e na prática. Mesmo assim, não me vejo em condição de exigir que o paciente aceite tomar as decisões “na parceria”. Tento construí-la inclusive para perceber quanto de autonomia cada pessoa quer e precisa, e me esforço para entender qual será o meu papel em cada caso. Em alguns, participo mais da decisão, enquanto em outros informo e explico para que o paciente possa decidir. Sempre que possível, decidimos na parceria.

Percebo que essa variabilidade não é apenas entre indivíduos, mas também uma questão de momento de vida. O mesmo paciente pode exigir mais autonomia em uma situação e renunciar ao protagonismo decisório em outra oportunidade.

A proximidade é benéfica em todas essas situações. Quando preciso decidir, estar próximo me permite buscar alternativas que façam sentido para aquela pessoa, do ponto de vista daquela pessoa. Isso parece redundante, e é mesmo, para reforçar a importância da ideia. Não há como, de longe, tomar uma boa decisão para a vida de alguém.

Quando o foco está na parceria, a proximidade é óbvia e a decisão acontece de forma natural, quase espontânea. Nos casos de pacientes com autonomia à flor da pele, a proximidade, ou pelo menos a empatia, ajudam o médico a perceber essa característica e deixar espaço para uma entrega mais extensa de informações relevantes para a decisão.

Afinal, quanto de proximidade podemos ter com nossos pacientes? Hoje acredito que quem define é o paciente. Quando atendemos as poucas pessoas que nos buscam simplesmente como uma fonte de informação sobre saúde, como consultores, podemos exercer esse nobre papel e entregar o que esperam, sem forçar uma proximidade que não é desejada naquele momento. Quando os pacientes buscam e aceitam proximidade, quero estar pronto para perceber e oferecê-la na medida adequada, o que é possível com observação atenta e regulação fina.

Por fim, há situações em que a relação com nossos pacientes vai se transformando em algo próximo ou parecido com uma amizade, de forma natural. Não se trata de marcar um almoço ou convidar todos os pacientes para uma visita à sua casa, mas de não limitar à força o surgimento de um relacionamento de preocupação e carinho mútuos.

Talvez o grande ponto aqui seja o objetivo final. Mesmo quando surge amizade, o objetivo ainda é o paciente. Não falo sobre questões minhas durante a consulta para desabafar ou pedir conselhos, mas isso acontece quando sinto que será benéfico para o paciente e para a parceria. Eu ganho com isso? Claro! Já recebi centenas de lições de vida e até mesmo conselhos de pacientes, e experimentei momentos sublimes durante a consulta ao compartilhar questões pessoais minhas.

O formato da relação médico-paciente precisa ser bom para os dois, mas principalmente para o paciente. Sem dúvida, médicas e médicos têm pleno direito de definir onde estão seus limites individuais, e não há nada de errado em adotar uma postura mais ou menos calorosa a depender de ideias e estilo próprios. Ao respeitar nossas características seremos mais autênticos.

O problema é quando nos forçamos contra nossa natureza simplesmente porque alguém disse ou escreveu que o certo é ficar longe.  

Mário de Figueiredo Neto

Médico Especialista em Medicina Interna e Clínica Médica

3 a

Sensacional, professor! Eu me lembro como se fosse hoje: há exatos 10 anos nós estávamos apoiados no balcão da enfermaria de retaguarda e você perguntava para cada um de nós, Internista do sexto ano, qual a deveria ser o limite entre a relação médico / paciente. Muito obrigado por todo ensinamento e postura.

Daniel Minutti de Oliveira

Médico Assistente na Universidade Estadual de Campinas. MD. MSc. PhD.

3 a

Perfeito Schweller! Essa capacidade de nos relacionarmos de forma mais profunda com os pacientes é algo que temos que ativamente desenvolver e aperfeiçoar ao longo da nossa jornada. Ainda mais na era das doenças crônicas, uma boa e saudável ligação entre o profissional de saúde e o paciente é fundamental para desfechos favoráveis no tratamento e para nos motivarmos a continuar a ajudar aqueles que precisam de cuidados

Professor, desde que comecei a prática fora da universidade, do período de formação, penso constantemente sobre esse tema. Confesso que com um pouco de desânimo e desapontamento muitas vezes, vendo os caminhos que a Medicina tem tomado, de uma simples prestação de serviço ... muito pouco tempo com paciente ... muita limitação em volta... Mas aí que percebemos que podemos fazer a diferença. Possibilitar que o paciente tenha autonomia é sempre um dos meus objetivos. Acompanho pessoas com doenças graves, crônicas, e permitir que tenham autonomia para tomarem decisões ao longo do processo, faz toda a diferença. Quanto a proximidade, sinto que é meu natural querer doar ... mas ainda em processo de aprendizado quando vemos um sofrimento que não queremos ver ou quando não conseguimos realizar o que queremos. Mas seguimos aprendendo! De acordo com a parceria e com a individualidade que cada situação pede, como você citou! Excelente reflexão ! Obrigada

Marco Antonio Carvalho Filho

Professor of Health Profession Education Research

3 a

Artigo maduro, autêntico e fruto de muitas experiências enriquecidas com reflexão corajosa e sincera. Meu amigo, você sabe, compartilho cada uma das suas palavras e pensamentos. Bateu um grande saudade aqui, agora. Um abraço fraterno!

Entre para ver ou adicionar um comentário

Outras pessoas também visualizaram

Conferir tópicos