Publicidade de carro, quando exagerada, atrapalha mais do que ajuda

Adoro publicidade. Sou do tipo que vê, ouve e lê publicidade com atenção. Quando é de carro ou aviação, então, observo com mais atenção ainda. Por isso, embora não seja publicitário (mas tenho um MBA de Marketing e um Mestrado em Comunicação como credenciais), confesso que não entendo o exagero de certas peças publicitárias. Nos últimos tempos, as que mais me chamaram atenção foram as do Chevrolet Equinox e do Renault Kwid.

O Equinox é um carro ótimo. Sem dúvida, um dos melhores lançamentos no mercado de SUVs na última temporada. O carro mereceu elogios de toda a mídia especializada por reunir quase tudo que se espera de um automóvel: ótimo motor, grande espaço interno, conectividade moderna e preço competitivo. Mas o que aparece na publicidade do Equinox? Felipe Massa, um piloto aposentado na Fórmula 1, tirando racha no autódromo de Interlagos com... um Porsche. Um Porsche, gente, um Porsche! Justamente o esportivo que é considerado um mito, o único capaz de competir em fama e glória com a Ferrari.

Nada mais exagerado e incompatível com o ótimo Chevrolet Equinox. Não sei quanto custou a participação de Felipe Massa nesse comercial e tampouco me interessa. O dono do dinheiro faz com ele o que quiser. Mas seria muito mais eficiente simplesmente reproduzir trechos de todas as inúmeras avaliações positivas desse carro, mostrando os elogios dos mais prestigiosos veículos da mídia especializada, para dar o recado principal: o Equinox é um carro rápido, com um comportamento dinâmico exemplar.

Mas, ao optar por um piloto profissional tirando racha com um Porsche em Interlagos, a irrealidade falou muito mais alto. Primeiro porque nunca um Equinox ganhará de um Porsche. Mesmo que seja do principal SUV da Porsche, o Cayenne. Não é essa a praia da Chevrolet. Segundo porque quem compra um SUV como o Equinox quer potência e dirigibilidade, sim, mas para transportar a família e não para tirar racha numa pista. Terceiro porque ninguém entra num autódromo dessa forma, sem mais nem menos, sem autorização e sem habilitação especial, para colocar na pista um carro de rua num duelo particular. Quarto porque Massa nem sequer está em seu melhor momento: perdeu a vaga que tinha na Fórmula 1 e está longe de ter identidade com a marca Chevrolet, como tem um Emerson Fittipaldi, por exemplo. E quinto porque, ao mostrar no final do filme todas as compras espalhadas no porta-malas, a publicidade deixa uma dúvida na cabeça do consumidor do Equinox: então ele não tem uma redinha de proteção para as compras, coisa que muitos SUVs têm?

O caso do Renault Kwid

Outra publicidade que me chamou atenção pelo lado exagerado foi a do Renault Kwid. Antes do lançamento do carro, a propaganda estava perfeita. Uma atriz querida pelo público, Marina Ruy Barbosa, apareceu em várias cenas ao lado do subcompacto produzido no Paraná. Numa das peças publicitárias, a Renault foi muito feliz em colocar um dummy de crash test abraçando o carro. Quer mensagem mais clara de que o carro é seguro? Foi uma resposta inteligente ao fato de o Kwid indiano ter ficado sem estrela no teste de impacto, enquanto o Kwid brasileiro, equipado com quatro airbags, conseguiu três estrelas.

Mas, no lançamento do carro, quem apareceu na propaganda do Kwid roubando a cena? O Incrível Hulk. Derrubando tudo, destruindo tudo na cidade, só conseguia ser perseguido pelo Kwid, “o SUV dos compactos”, segundo a Renault. Mas, por uma dessas ironias do destino, tudo começou a dar errado para o Kwid justamente quando sua imagem foi associada à do herói verde fortão. O Kwid teve quase a totalidade de sua produção chamada para um recall prematuro, as vendas foram quase paralisadas e o carro perdeu muita imagem perante o público. Ele queria ser visto como mais robusto do que realmente é. Prometeram mais do que cumpriram. Deu nisso. A meiga Marina Ruy Barbosa e o apaixonado dummy deram mais sorte para o Kwid.

Dois casos para recordar

Publicidade de carro pode e deve permitir irrealidades, claro. Afinal, estamos falando de publicidade; o rigor dos fatos fica para o jornalismo. Mas, às vezes, “muito” quer dizer nada e “pouco” quer dizer muito. Recentemente, a Volkswagen lançou o Up com quatro pessoas dentro do carro dançando ao som de uma música da Cindy Lauper. A música era deliciosa e as cenas eram engraçadas, mas não tinha nada a ver com o carro, que é bem apertado. O Up era simplesmente um carro superior (em sua categoria) em mecânica, segurança e dirigibilidade. Não dava para dizer isso? Resultado: o Up teve de ser relançado, com o reforço publicitários desses atributos.

Já um exemplo de publicidade de carro inteligente e relativamente barata foi a do Fiat Palio Weekend. Nos anos 1990, a Fiat simplesmente mostrou sua perua indo para a praia e, ao chegar lá, simpáticos peixinhos coloridos pulavam da água e cantavam: “Ulará! Ulará”. Uma publicidade simples, também irreal, mas lúdica, e que tinha todo o espírito que o carro representava: alegria, liberdade, relaxamento.

Peço desculpas aos publicitários responsáveis pelas peças do Chevrolet Equinox e do Renault Kwid por tratar desse assunto publicamente. Estamos todos no mesmo meio – o da comunicação – tentando vender nossa mensagem. Espero que entendam meu artigo como uma crítica positiva. Afinal, o Chevrolet Equinox (um dos melhores SUVs do mercado) e o Renault Kwid (a melhor ideia dos últimos anos) possuem muitos atributos para serem explorados. E eles não têm nada a ver com Felipe Massa tirando racha com um Porsche nem com o Incrível Hulk destruindo a cidade.