Quais os próximos passos do setor elétrico em 2022?

Quais os próximos passos do setor elétrico em 2022?

*este texto reflete apenas as opiniões do seu autor, e não das empresas e instituições às quais ele está vinculado.

Nesse breve artigo de opinião pretende-se jogar luz sobre os principais temas do setor elétrico que precisarão de endereçamento ao longo dos próximos anos. Ainda em agosto de 2018 escrevi sobre o mesmo tema*, indicando, de forma mais ampla, que "a crescente tensão entre energia e meio ambiente precisará ser dissolvida pelo próximo presidente da República". Já especificamente sobre o setor elétrico, foi sugerido "resolver a 'questão Eletrobras', (...) abrir as tratativas para revisão do Tratado de Itaipu, que vence em 2023; impulsionar a eficiência energética (...); superar o primeiro boom da geração residencial de energia fotovoltaica, aumentando a escala de expansão; prosseguir à abertura do mercado de energia; planejar a expansão do sistema, que já não conta com a implementação das usinas hidrelétricas estruturantes; e promover a inserção de outras fontes de energia, tais como baterias, usinas hidrelétricas reversíveis, usinas eólicas offshore e expansão da biomassa". 

Agora, em 2022, vê-se endereçada – contudo ainda pendentes algumas etapas, incluindo manifestação favorável do TCU quanto à modelagem da operação – a privatização da Eletrobras. Ainda, merece destaque a Lei n. 14.300/21, que instituiu o marco legal da geração distribuída, cujo conteúdo coroa razoável texto de consenso entre distribuidoras e indústria solar, carecendo, todavia, de regulamentações por parte de CNPE e ANEEL no tocante aos benefícios sistêmicos e ambientais. Quanto ao aproveitamento do potencial eólico offshore, o Decreto n. 10.946/22 se antecipou ao PL 576/21 e sinalizou ao mercado o interesse brasileiro pela exploração dessa fonte. Na mesma toada, a recém-aprovada Resolução Normativa ANEEL n. 954/21 regulamentou a exploração de usinas híbridas e associadas, adicionando versatilidade ao segmento da geração de eletricidade. 

Por outro lado, merece nota o fato de que a revisão do Anexo C do Tratado de Itaipu ainda não ganhou tração, de forma que permanece indefinida a alocação da energia produzida pela usina para a partir de 2023. Quanto à abertura de mercado, tanto o PL 414/21 como o PL 1917/15 receberam atenção do Legislativo, porém apenas no fim de 2021. No início de 2022, o PL 414/21 foi inserido na Agenda Legislativa Prioritária do Governo Federal. O setor elétrico espera sua aprovação ainda esse ano, na esteira da minuta de texto substitutivo do Relator circulada na semana passada. No que diz respeito à expansão do sistema, a crise hídrica atravessada em 2021 demonstrou que ainda há muito a se fazer, em especial no aumento da capacidade de escoamento de energia do Subsistema Nordeste para os Subsistemas Centro-Oeste e Sudeste/Sul e na descarbonização da matriz elétrica. 

Para os próximos quatro anos, se manterá para o(a) ocupante da cadeira presidencial o desafio de equalizar a tensão entre meio ambiente e energia, sem descurar do crescimento econômico. O respeito aos pilares ESG cada vez mais significará atração de investimentos. 

A pior crise hídrica dos últimos 91 anos escancarou a urgência quanto ao estabelecimento de uma melhor gestão do uso compartido da água; a dependência do Brasil dos combustíveis fósseis para produção de eletricidade e manutenção de sua economia em movimento; o gargalo no sistema de transmissão (algo já presenciado no racionamento de 2001); a insuficiência dos modelos computacionais para sinalização de preço, sinalização de risco de desabastecimento e sinalização para expansão do sistema. 

O impacto dessa conjuntura sobre os preços da eletricidade impõe um desafio extra, qual seja, o de lançar medidas de mitigação da pressão tarifária que se descortina já em 2022. O fantasma da pobreza energética - mesmo em um País com o acesso universalizado à eletricidade – já habita a casa de famílias de baixa renda, que frequentemente realizam "escolhas de Sofia" entre ter luz ou comprar alimentos, ter gás para cozinhá-los ou eletricidade para refrigerá-los. Por outro lado, classes mais abastadas deram início a uma "corrida do ouro" para se enquadrarem no regime atual de geração distribuída (mais benéfico quanto ao pagamento das componentes tarifárias), fato que tenderá a agravar a pressão sobre o preço do fio para os consumidores que não podem contar com os paineis fotovoltaicos em suas residências. 

Tomando em perspectiva o contexto global, o aumento do preço do petróleo, a crise de suprimento de carvão na China (com impacto no preço dos paineis solares) e a invasão russa sobre a Ucrânia (com possível impacto no suprimento de gás) podem contribuir para o aumento dos preços da energia no Brasil. 

Por aqui, é notório que o sistema elétrico brasileiro vem se tornando cada vez mais sensível às mudanças climáticas. Esse é um processo sem volta e que precisa ser endereçado de peito aberto, não apenas com mitigação, mas com adaptação e transformação. 

No tocante à geração de eletricidade, faz-se imperiosa uma revisão da garantia física das UHEs – preferencialmente associada à prorrogação das concessões, de forma a passar ao mercado o sinal da estabilidade regulatória – de forma a (i) diminuir o risco hidrológico, (ii) sinalizar corretamente a necessidade de expansão do sistema e (iii) maior fidedignidade quanto à capacidade das UHEs em entregar energia ao sistema. 

Além disso, um aumento do despacho térmico – como vimos com usinas merchant com CVUs exorbitantes – colocará pressão na agenda ambiental e no bolso do consumidor, sendo necessário, portanto, a inserção de mais fontes renováveis ao sistema. Por outro lado, sendo verdade que a geração térmica ainda seguirá compondo a matriz elétrica, pode-se acoplar incentivos e compensações ambientais para garantir sua permanência nas ordens de despacho, sendo o hidrogênio uma das soluções já propostas por alguns players, e que deveria receber no curto prazo uma clara sinalização normativa e regulamentação legal. 

A uma maior injeção de fontes intermitentes no sistema deve-se necessariamente seguir um avanço na flexibilização da demanda, o que é possível com soluções – ainda incipientes no Brasil – voltadas para o lado do consumo – roll out maciço de medidores inteligentes, com o devido sinal regulatório de investimento às distribuidoras; implementação de uma política pública robusta para aumento da geração descentralizada e local; regulamentação dos recursos energéticos distribuídos, em especial baterias, microrredes e soluções vehicle-to-grid e behind-the-meter

Por fim, a chamada modernização do setor – expressão para resumir o avanço regulatório a ser implementado sobre segurança de mercado, abertura de mercado e modernização tarifária (tarifa binômia e separação entre distribuidora e comercializador regulado) – completa o tripé de soluções que poderão aliviar a pressão. 

Quanto ao segmento de transmissão, acima já foi dito sobre a necessidade de aumentar a capacidade de escoamento da eletricidade produzida no Subsistema Nordeste, evitando restrições ao despacho térmico em função de gargalos. Nesse sentido, andou bem a EPE ao publicar o primeiro relatório dos estudos de escoamento da geração da região Nordeste. Adicionalmente, a expansão da fonte solar centralizada e as usinas eólicas vêm impondo desafios de conexões a subestações (o chamado "ilhamento de subestações"), tema que, portanto, merece endereçamento.  

No segmento da distribuição, além da já citada pressão tarifária e das medidas de modernização do setor, 20 das 53 distribuidoras terão seus contratos vencidos até o fim da década – começando em 2025 – o que demanda uma solução normativa no tocante à prorrogação (com ou sem onerosidade) ou relicitação de suas concessões. O tema já se encontra na mesa de MME e ANEEL e pode ser resolvido de forma menos açodada que em 2015. 

A "pauta elétrica" merece desde já um olhar mais (cri)ativo que reativo por parte dos presidenciáveis. Seja pela ótica do clima e da sustentabilidade, seja pela ótica da economia, o setor elétrico, mais que antes, se apresenta como o fiel da balança na busca pelo equilíbrio entre aquelas duas dimensões, de forma que se faz urgente que as propostas sejam conhecidas e postas em discussão.

* Ver "O próximo presidente e o setor de energia". Valor Econômico, 17 de agosto de 2018. 


Alexei Vivan

Sócio de CGM Advogados, Diretor Presidente da Assoc. Bras. de Companhias de Energia Elétrica - ABCE, Presidente do SindiEnergia/SP e Vice-Presidente do FASE - Fórum das Associações do Setor Elétrico

2 a

Texto muito bem escrito e abrangente, mostrando visão ampla do setor elétrico! Parabéns!

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