Qual é a atualidade de Paulo Freire?
Um retrato da miopia radical em dias de polarização política
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Qual é a atualidade de Paulo Freire? Um retrato da miopia radical em dias de polarização política

Paulo Freire é tão atual quanto mais lhe atacam seus detratores. O mais ilustre educador brasileiro acreditava que a educação era uma espécie de gatilho de consciência do ser humano. O que isso implica? Liberdade, emancipação, direito, respeito e muitos outras nobres qualidades que colocam todos como sujeitos conscientes de sua própria obra no mundo.

Educador para uma vida plena o mestre pernambucano, embora reconhecido internacionalmente, é alvo de críticas políticas e institucionais que lhe atribuem culpa pelo fracasso da educação básica no Brasil. O principal argumento está naquilo que chamam de “método Paulo Freire de alfabetização”. Daí, qualquer um que ouse refletir ou defender publicamente a contribuição do educador é logo rechaçado com “Título não diz nada” ou “Além do Brasil, qual país utiliza o método Paulo Freire?”.

As provocações são frouxas e refletem apenas o ponto baixo a que chegamos com o clima de polaridade política. O que essas opiniões não conseguem enxergar diz muito sobre nosso estado social atual que flagela sem saber exatamente a questão e generaliza, na maior parte das vezes.

Existem publicações (leia uma delas aqui) que debatem sobre a adoção do chamado método Paulo Freire de alfabetização, inclusive por outros países. Se reconhece nessa mesma perspectiva entre especialistas que nunca ocorreu uma política pública de aplicação desse método em nosso sistema educacional. Além disso, embora se fale amplamente sobre um método, esse entendimento não é unânime. Ou seja, nem na prática se tem ou teve uma aplicação da proposta de Paulo Freire como uma política pública e nem o termo método é aceito de modo uníssono entre educadores especializados, como é o caso da Drª Magda Soares, pesquisadora, escritora e professora emérita da UFMG.

Ademais, ao longo dos anos, ocorreu uma natural diminuição de citações diretas ao pensamento freiriano nos documentos oficiais do país. A Base Nacional Comum Curricular - BNCC para o Ensino Infantil e Fundamental, aprovada no Conselho Nacional de Educação (CNE) já não cita Paulo Freire. A BNCC do Ensino Médio, com discussões ainda mais recentes, também não faz referência direta ao educador.

Contudo, de modo alguma, essas condições refutam o conceito de educação de Paulo Freire ou distancia seus ideários do chão da escola. Seu pensamento não está, exatamente, nos currículos escolares, mas inserido na prática e na reflexão como referência para aqueles que praticam a pedagogia todos os dias. Porque mais do que um método (particularmente prefiro o termo proposta/estratégia didática) o educador nos deixou um legado natural ao ser humano; ou seja, da reflexão e da crítica.

É sempre oportuno compreender que o trabalho que projetou o educador fez mais sentido na realidade que ele estava inserido. E nesse sentido é coerente situar aquele trabalho a um objetivo e limitações específicas. Portanto, a partir dessa ponderação e dos argumentos acima as acusações que são levantadas contra o legado de Paulo Freire são pelo menos imorais, dada sua contribuição maior e reconhecida no campo educacional em todo o mundo.

As acusações, por sua vez, expõem a fragilidade argumentativa daqueles que atacam, pois revelam o nível restrito de tecnicismo em todas as propostas contrárias ao processo de letramento. Nesse caso, a acusação é o mesmo que pedir o retrocesso de toda evolução alcançada até aqui na nossa área.

A partir de um argumento oco, porque não existe na prática, nem mesmo é amplamente aceito, as críticas ao educador Paulo Freire (vejam só!) ameaçam excluir o Brasil, enquanto instituição, das discussões mais pertinentes sobre o desenvolvimento da educação.

Superior ao debate sobre o tal método, o pensamento pedagógico freiriano sempre assumiu dois grandes pilares que, veja você, são muito atuais porque enfrentam sem medo dois dragões de nosso atraso social: uma política provinciana, e hoje radical, e a defasagem de filosofia de nossa educação para a qual se sabe a solução, mas nunca se combateu amplamente e com firmeza (atitudes políticas).

Enquanto prática o legado do mestre pernambucano visa a construção ampliada e crítica da realidade, uma vez que parte do conhecimento de mundo e da cultura das pessoas, de seus espaços, projetando-o à integração ao conhecimento sistematizado e científico. No plano filosófico-social ele nos lembra do grito, do direito, do dever também, e de tudo que enfatize a participação reflexiva na sociedade. Por tudo isso reconhecemos Paulo Freire como vanguarda da nossa educação. Não é, exatamente, um método, mas a luz que nos convoca ao debate; ou seja, ele é democracia.

No fundo, você não precisa ser um marxista para reconhecer a obra fundamental de Paulo Freire porque nenhum torcedor de basquete precisou ser um Lakers para reconhecer Kareem Abdul-Jabbar como ídolo do esporte norte-americano; nenhum cristão pode deixar de reconhecer o grão de judaísmo no cristianismo e você ainda pode ser um criacionista sem que isso impeça de também existir o evolucionista.

As ideais de Paulo Freire estão firmes e já foram tão resistentes e inovadores que no passado eminentes educadores como os norte-americanos Henry Giroux e Michael Apple foram influenciados por suas ideias e defendem uma Pedagogia Crítica que repense o lugar da Educação na emancipação das pessoas. Talvez seja essa a contribuição mais consistente do educador pernambucano em um mundo que quer menos gente pensante.

Não são nossas diferenças que deverão nos cegar para os grandes feitos dos outros ou para a teoria oposta. Paulo Freire pode não estar associado aos seus ideais políticos e tanto faz a qual corrente educacional você queira pertencer, mas em dado momento ele abriu nossos olhos apresentando-nos uma perspectiva de emancipação e prática que ninguém pode hoje colocar debaixo do tapete, especialmente porque o viés por ele apresentado hoje é o mais aceito no mundo.

Insistir que Paulo Freire é o responsável pelo fracasso brasileiro nas avaliações internacionais é imoral, eleger um único culpado por todos os nossos atrasos na educação é oportunismo, não reconhecer os fatores macro e externos a que nossa educação pertence, coaduna e interage é falta de estudo e impor a um estudioso a culpa que em muito pertence também ao interesse da política nacional é vil.


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As críticas à obra de Paulo Freire vem, principalmente, de pessoas que não são ligadas à área de educação e que sequer leram um livro desse grande educador.

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