Qual é a mensagem da realização da Copa América no Brasil?

Qual é a mensagem da realização da Copa América no Brasil?

Há exatamente uma semana, no dia 31 de maio, a Conmebol anunciou que a Copa América deste ano irá acontecer, em junho, no Brasil. De lá para cá, muito já se disse ou se opinou, mas o assunto continua rendendo.

Toda revolta é mais do que justificável. O Brasil se aproxima de 500 mil mortes por Covid-19, o equivalente ao número de mortes ao longo de 10 anos da guerra civil da Síria. Por aqui também não há um controle de novas cepas que podem surgir, especialmente se recebermos mais viajantes de outros países.

Com esses números, não é necessário se estender na argumentação do quão imprudente é realizar um campeonato internacional no Brasil neste momento. Como não quero repetir tudo que já foi dito, vale a pena pensar o tema por outro caminho: o da Comunicação.

Afinal, por trás da celeuma envolvendo a Copa América, há uma mensagem contundente sobre como o futebol é recorrentemente instrumentalizado no Brasil como tentativa de descrever nosso momento, nossos sentimentos e até mesmo certos projetos (ou falta deles) para o país.

O futebol é política, sim!

De tempos em tempos, como este que vivemos, volta a discussão sobre se futebol e política são coisas que podem ou não se misturar. Alguns dirão que não. Que o futebol é apenas entretenimento e diversão, e por isso não deveria se misturar com as vaidades políticas. Mas essa afirmação é uma incompreensão do que é a política mesma.

Quem usa este argumento pensa a política com forte tom pejorativo. Política, então, seria para eles tudo aquilo que é terrivelmente humano e falho. Já o futebol poderia ser algo puro, técnico e, simplesmente, divertido.

Mas do ponto de vista da Comunicação, política é algo muito simples e muito menos negativo. Trata-se apenas do fluxo de informações entre as esferas pública e privada. É por meio da política que informações privadas se tornam públicas e que informações públicas se tornam privadas.

Esta definição é simples, mas não simplista. Convida-nos a pensar na política muito mais cotidianamente, como as maneiras pelas quais fazemos circular diferentes determinações que dizem respeito tanto a vida coletiva quando a vida individual. Isto envolve, é claro, aquela política que é feita nas instituições e organizações, mas também aquela que fazemos em busca de um bem-estar em nossas comunidades.

Por exemplo, para lidar com um problema público, como é a pandemia de Covid-19, certas determinações públicas precisam se tornar privadas; isto é, precisam fazer parte dos nossos círculos mais pessoais, como é a necessidade de vestir máscaras ou manter o distanciamento. Igualmente, determinações privadas precisam se tornar públicas; isto é, precisam se tornar preocupação de todos, como ocorre quando famílias perdem emprego e renda por conta da pandemia e precisam garantir seu sustento.

Isto é a política. Tudo que tem a ver com as condições onde se dá esse fluxo faz parte da política. Especialmente no Brasil, o futebol é um dos elementos que compõe o ambiente de comunicação política devido a sua visibilidade e exposição. O futebol é um dos caminhos que existe para o fluxo entre público e privado, e vice-versa.

A seleção brasileira é kitsch

A palavra kitch vem de verkitschen, que em alemão significa “sentimentalizar”. O termo é usado no mundo das artes para descrever um estilo exagerado e melodramático, que estereotipa e visa impactar o público.

Quando pensamos qualquer fenômeno, podemos observá-lo por três frentes, ou modelos: o ético, o estético e o epistemológico. O mesmo vale para a realização da Copa América.

O modelo ético é aquele que deveria estar de mãos dadas com a política. É aquele que se preocupa em compreender os princípios que motivam uma ação, as razões pelas certas ações deveriam ser feitas.

Política e ética deveriam andar de mãos dadas não apenas por moralismos, mas porque a política precisa de uma reflexão constante sobre seus princípios. A pergunta ética por trás da política é sempre esta: por que vamos fazer o que estamos prestes a fazer?

Por exemplo, podemos calcular como podemos enviar um foguete para o espaço. Mas se quisermos saber porque devemos mandar um foguete para o espaço em vez de usar esse dinheiro para qualquer outra coisa, não se trata mais de uma questão de cálculo e sim de uma questão ética. Quem produz a resposta para esta pergunta, então, é a política. Se entendemos a política pejorativamente, porém, a compreensão do modelo ético fica comprometida.

Já o modelo estético é aquele preocupado com as formas, com o que é agradável e harmonioso. Se a pergunta da ética é "por que?" a pergunta da estética é "como". Como iremos fazer o que estamos prestes a fazer? Qual é a melhor maneira? Assim também é na nossa vida cotidiana. Para cada atitude de comunicação nossa, deve-se compreender um por quê (ética), mas também um como (estética).

Não há por que realizar a Copa América no Brasil. Resta saber se há um como.

Sem um porquê, a realização da Copa América no Brasil é um sinal de que a política no futebol se divorciou da ética. Mas ao fazê-lo, o esporte também vai se divorciando da sua estética. Isto é, o futebol deixa de ser arte para ser uma expressão exagerada e tola de sentimentos nacionais estereotipados.

Quem quer a realização do torneio tem em sua cabeça uma imagem brega do que é o futebol. Colocam o esporte rendido a uma pieguice sem fim de cantar o hino ou vestir-se de verde e amarelo porque imaginam que o esporte serva apenas para impactar pessoas a se sentirem mais patriotas e, sobretudo, menos críticas. São românticos, no pior sentido da palavra.

A CBF é o progresso

Tratei do modelo ético-político, também tratei um pouco do modelo estético-artístico. Falta explicar do modelo epistemológico, que é aquele ligado aos processos de formação e construção do conhecimento de uma determinada época.

Se em política devemos perguntar "por que?" e na arte devemos perguntar "como?", no modelo epistemológico do conhecimento e da ciência devemos questionar a própria pergunta.

No caso da Copa América, isto seria o mesmo que perguntar: de onde vem essas tentativas de querer usar o futebol? De onde vem o desejo de submetê-lo a uma determinada ideologia?

Os ventos que sopraram da Europa trouxeram para nossas praias brasileiras uma ideia chamada "progresso": a noção de um eterno movimento de avanço e expansão de ganhos ou de bens. Enfim, o desejo inalcançável de crescimento perpétuo.

Desde a modernidade, todo conhecimento desenvolvido no Ocidente visa o progresso como objetivo. Cada descoberta, cada experimento, cada ideia. O esporte, em geral, se acostumou a receber as investidas do progresso também. Até porque, a ideia do progresso se beneficia quando se materializa em corpos de atletas no auge de suas performances.

Foi assim em 1970, quando o Brasil foi tricampeão mundial e a ditadura militar tentou incorporar nos atletas o ideal de progresso e de avanço que defendiam os militares. Mas a tentativa deu errado já naquela época.

Sabe por quê? Porque o progresso chegou aqui como estrangeiro. Não é uma ideia nossa. E por isso nunca aderimos 100% a ela. Quem tenta copiá-la, por aqui, o faz muito porcamente, como em uma imitação de mal gosto. É o que representa a CBF: um progresso de mal gosto, sem ética e, acima de tudo, brega.

O futebol é maior do que a seleção brasileira, e a seleção brasileira é maior do que a CBF. Somos cinco vezes campeões do mundo não porque aderimos às ideologias europeias, mas porque as recusamos. Nosso modelo epistemológico, então, é outro. Não visa o progresso. Ou não deveria. Visa outro tipo de alegria, assim como nem sempre um drible visa o gol.

Se formos capazes de romper com essa breguice, se reconquistar nossos conhecimentos sobre o que é nossa cultura, podemos refazer o caminho: reconquistar o futebol-arte e reconquistar o futebol-política.

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