Qual é a nota?

Qual é a nota?

por MARISA TORRES

A questão do dia e que não quer calar é...E que história é essa de dar nota para o atendimento das pessoas na ponta da linha? Existe coisa mais sem propósito que isso, a não ser criar um temor para os dois lados? Seja uma venda por telefone ou no atendimento bancário, onde muitas vezes o cliente não consegue nem entender o nome da pessoa do outro lado. Tampouco sabe dizer se falou com um atendente físico ou um robô.

Agora, me diga. O que os gestores fazem com essas notas? Creio que é apenas para transferir a responsabilidade para o cliente e consequentemente para o atendente. Veja você como os papéis se invertem. Fica óbvio ainda que é apenas para tirar toda e qualquer reponsabilidade da empresa (como gestora) para culpar o funcionário na ponta. Ou seja, o velho ditado da corda romper sempre do lado mais fraco. Ainda que ele, o funcionário, não tenha treinamento completo, ou um claro script de conduta, ou que esteja trabalhando sem tempo de ir ao banheiro, pois é monitorado dia e noite. Muitas vezes nesses contatos, o sentimento é que a empresa não tenha nenhuma ética no trato com o cliente e prefere se livrar dele no menor tempo possível. Deixa, assim, o cliente ir para o reclame aqui. Ou para uma ouvidoria que não existe sem antes passar por um protocolo dado, por esse mesmo atendente, que você deu a nota. Ou seja, preciso descrever mais para dizer o quanto é improdutivo esse circuito de atendimento que acaba em dar nota de atendimento?

Uma política de controles desse nível só pode ser das mais improdutivas. Você que dá a nota sabe exatamente o que está fazendo? Será que algum dia teve algum retorno das empresas que pediram a nota que deu no teclado para alguém que você falou por 3 minutos? Imagina uma pessoa idosa com dificuldade de digitar. Essa, muitas vezes, dá nota ZERO mesmo querendo dar DEZ, apenas pela dificuldade de lidar com teclados. Talvez por isso, muitos serviços agora pedem nota de 1 a 5. Que maravilha! Quanta evolução, não?! Só rindo muito mesmo. Você acha que isso vai de fato ajudar a melhorar o serviço? Cria-se assim uma desconfiança mutua, com ares de melhorias, para todos. E toca a ligar novamente para resolver o problema de sempre.

Mas eu tenho visto isso em mais e mais tipos de serviço. Não apenas em bancos, ou comércio de vendas online. Recentemente vi numa concessionária de carros, de uma marca que se diz moderninha. Mas na ponta o empregado mais parece um mendigo, suplicando por uma boa nota. Costumam dizer para o cliente que a nota 9 não é suficiente e imploram 10 para manterem seus empregos. É isso que está acontecendo no contato com o cliente! Imagine o constragimento para os dois lados! Que coisa mais triste. Alguém consegue estar nessa situação e não pensar na pobreza de uma marca como essa, que expõe um funcionário a esse papel de desespero, de submissão, de pedinte? Pois é evidente que é uma forma castradora e punitiva de lidar com o atendimento. E eles têm toda a razão de estarem em pânico diante do cliente.

E não acontece só em bancos populares ou marcas de carro de classe média. Estive em companhias de cruzeiro marítimo de turismo de nível AAA em que a cena se repete. Soube pelos funcionários que a nota também determina a porcentagem de salário que vão receber no fim da temporada. Que tipo de gestão de pessoas é essa? O quanto ainda vamos nadar para trás?! Que submete a tripulação que nos serve, aos humores de passageiros, em muitos casos embriagados e pouco comprometidos com o bem-estar de quem está ali apenas para entregar uma refeição, uma bebida, ou um aceno positivo com a cabeça e um sorriso. Só espero que essa pandemia, em que navios internacionais tiveram de suspender cruzeiros de turismo, faça com que a gestão da tripulação de serviços a bordo sirva de lição para refletir sobre esse tipo de gestão escravagista e indigna. Que a gestão atual possa sucumbir com a pandemia e voltar com roupa nova em águas mais límpidas.

Esse Brasil de hoje, em que a dúzia de ovos tem 10 unidades, e o litro de vinho tem 750ml, também copia a embalagem da nota máxima para medir o bom atendimento dado por seu funcionários de linha de frente. Até quando a gente vai se enganar ao dar notas na ponta do atendimento quando, na verdade, a gestão falha em todas as métricas? Mais trabalho de retaguarda e menos constrangimento na fachada poderia salvar muitas empresas de uma imagem extremamente desumana no mercado. Não se engane. O consumidor percebe tudo. Afinal é ele que paga a conta.

Américo Rodrigues De Figueiredo

Mentor Executivo, Professor Educação Executiva em Gestão de Pessoas, Organizações e Governança, Doutorando em Tecnologias da Inteligência e Design Digital - TIDD da PUC-SP.

2 a

Querida Marisa T. excelente o seu artigo. Você aborda temas fundamentais sobre o funcionamento das relações humanas e traz luz sobre o que precisaria ser considerado nas práticas de relacionamento com clientes. Mais um modismo, a meu ver, desprovido do conhecimento sobre a motivação humana.

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