Qual o futuro do trabalho remoto em Portugal?
Ao longo dos últimos tempos, esta tem sido uma questão muito debatida não só pelas empresas, como também pelos colaboradores. Muitos estão perante novos contextos laborais, que até aqui poderiam ser considerados impensáveis. Em mais um excelente trabalho, a CNBC realizou este pequeno documentário, no qual aborda precisamente esta questão, mas nos Estados Unidos da América (EUA), como seria de esperar. Contudo, penso que é possível daqui retirar ideias interessantes, pelo recomendo a sua visualização.
Ainda que se possa pensar que esta é uma tendência recente, os números dizem que o trabalho remoto nos EUA, desde 2005, cresceu 173%. Esta dinâmica foi se alterando devido às flutuações da economia mundial, uma vez que as empresas tiveram que se adaptar aos desafios do mundo moderno, em particular, a questão da flexibilidade laboral, cada vez mais procurada pelas novas gerações. Cerca de 43% da força laboral americana trabalha em casa com frequência. A massificação das ferramentas de trabalho – que anteriormente apenas se encontravam acessíveis via dispositivos previamente configurados, e que fizeram a transição para um acesso livre na cloud – influenciou em grande escala esta premissa. Além disto, a liberalização de alguns serviços como o Skype ou o Slack, de forma gratuita, tem contribuído para que as empresas estejam mais conectadas do que nunca.
Dentro desta linha de pensamento, de acordo com a Global Workplace Analytics, cerca de 3,6% dos colaboradores norte-americanos trabalham a partir de casa, metade do seu tempo, ou seja, passam 50% do seu tempo laboral no seu domicílio. A mesma organização revela que trabalhar entre dois a três dias neste contexto tende a aumentar a produtividade.
Paralelamente, há ainda a questão da redução de custos, uma vez que as empresas, não tendo os seus colaboradores agregados num mesmo espaço físico, diminuem as suas despesas. Claro está que esta filosofia não é possível em alguns setores e atividades-chave para o desenvolvimento da economia. Por esta razão, ainda há muitos trabalhadores que são "obrigados" a deslocar-se para o seu local de trabalho, como os provedores de serviços de saúde. Contudo, por outro lado, pode haver um claro problema de liquidez, caso as receitas não estejam a entrar, por conta desta situação.
E em Portugal?
Como seria de esperar, esta dinâmica não é 100% eficaz e acarreta alguns desafios, nomeadamente, na questão da gestão familiar/facilidade de concentração no ambiente doméstico. Há ainda um aspeto que é crucial compreender, a meu ver, e que em Portugal não pode ser ignorado. De acordo com a PORDATA, em 2018, cerca de 3.489.000 pessoas tinham uma assinatura de Internet. Num país de aproximadamente 10 milhões de habitantes, é fácil compreender que esta questão poderá ser encarada como um problema, ainda que pensemos que uma assinatura poderá compreender um agregado familiar entre três a cinco pessoas.
"Telecommuting all comes down to trust. Study after study, academic or pratical, shows that they are more productive. In fact, they give back about 60% of the time they would otherwise spent commuting to working back".
Kate Lister, presidente da Global Workplace Analytics
Não se trata, porém, de uma solução que atinja 100% da força laboral portuguesa/mundial, visto que esta dinâmica pode trazer alguns constrangimentos, nomeadamente, para quem tem filhos ou outros parentes para cuidar. Além disso, o ambiente de casa, se não for devidamente preparado, pode tornar-se precisamente a outra ponta da espada, sendo pouco produtivo e altamente desconcertante. Por estas razões, é fundamental repensar não apenas o espaço físico, como o mindset de que a situação obriga a um esforço elevado, até aqui nunca antes testado.
Em suma, creio que é importante dizer que Portugal e os EUA não são, de todo, o mesmo país. Acredito que esta situação poderá funcionar de algum modo como um teste à capacidade das empresas se adaptarem, ao que me parece ser, cada vez mais, o futuro das dinâmicas laborais a nível mundial. Notemos que estes comportamentos, recentemente, eram vistos como diferenciadores de algumas organizações para a retenção de talento. Por fruto das circunstâncias, acredito que muitas façam esta transição de uma forma muito mais progressiva do que inicialmente tinham previsto, e que, finalmente, compreendam que o mundo está em constante mudança e é necessário adaptar-mo-nos a esse contexto.
Há desafios e oportunidades a retirar desta situação, cabendo a cada um de nós fazer o melhor que a situação o permite.