Quando o silêncio fala
“Silêncio por favor
Enquanto esqueço um pouco a dor no peito
Não diga nada sobre meus defeitos
Eu não me lembro mais quem me deixou assim”
Adoro música! Ouvindo essa bela composição de Paulinho da Viola na voz de Marisa Monte, fiquei pensando a respeito das marcas que as pessoas trazem dentro de si, e o quanto elas reverberam dentro da mente e do coração. Alguns se percebem, buscam compreensão do que acontece, enquanto outros passam uma vida sem reparar que determinada situação os incomoda, trazendo dores emocionais, sintomas físicos, dificuldades no dia a dia.
Dia desses, estava assistindo a um filme chamado Blue Jay, de 2016, direção de Alexandre Lehmann, durante o filme surgiram questões inquietantes como: quanto tempo uma dor é guardada? Como as pessoas lidam com suas dores? Será que percebem que estão com uma dor emocional?
O filme é mais ou menos assim... Um casal se reencontra após vinte anos separados, em um supermercado. Encontro casual, despretensioso... Eles estão de volta à cidade de origem onde viveram sua paixão adolescente. Cumprimentam-se, e no estacionamento iniciam uma conversa, que se desdobra e vai ao encontro do passado. Ele a convida para irem à casa de sua mãe, onde se encontravam. O ambiente e as condições do lugar, evocam lembranças importantes incluindo fitas cassete, gravadas por eles com juras de amor e projetos futuros. Até um determinado momento em que se beijam, mas ela diz que é casada que não pode fazer isso. Sai correndo, pega seu casaco, de onde cai uma carta. Jim vê e fica furioso, pois percebe que Amanda pegou a carta em seu quarto, sem sua permissão. A carta que ele havia escrito para ela há vinte anos, e que nunca entregou. Começam a discutir.
Durante a discussão falam de um bebê que não nasceu, de uma gravidez interrompida em um momento muito precoce de suas vidas, onde os dois se assustaram demais com o acontecimento e o que conseguiram fazer, cada um a sua maneira, foi deixar essa dor lá dentro, incubada, pois não havia condição dela ser cuidada, olhada, elucidada, talvez nem percebida.
O bonito, é que, apesar do encontro e da dor que Amanda comenta que sentiu no momento do aborto, dia em que ele a deixou sozinha no hospital, da maneira como a tratou, faz com que o casal possa falar do que aconteceu há vinte anos. Ela chora, coisa que não fazia há tempos, e ele consegue dizer a ela o quanto a amava, e que se sentiu perdido, atrapalhado e sozinho para lidar com tudo.
O mais interessante foi o diretor ter a sensibilidade em retratar o filme em preto e branco, e no momento da calorosa conversa, ele vai ficando colorido. Demonstrando como uma vivência traumática permanece nas pessoas, e torna uma parte da vida sem cor, sem representação emocional, sem lugar dentro da mente.
Com isso, retrata a importância de se falar a respeito dela, pois não são todas as pessoas que tem a oportunidade de se encontrar com alguém do passado para poder esclarecer assuntos inacabados. Esta é uma das funções analíticas, auxiliar o indivíduo a elaborar uma dor, entrar em contato com sua própria verdade, ou seja, encontrar palavras para traduzir uma angústia, um conflito.
Dor aprisionada, é vida que não gera. Mas dor transformada pode gerar frutos, abrir espaço para novas ideias, sentimentos, experiências. Gera vida!
Dentro de uma análise, independentemente da situação, lidamos com essas dores encobertas, guardadas, muitas vezes não percebida pela pessoa. Mas que começa a dar notícias emocionais, seja por meio de uma tristeza que não acaba, uma dor constante que nunca é descoberta por exames convencionais. Mas o medo, o receio, e a angústia que isso causa, faz com que muitas vezes a pessoa não consiga compreender-se. Sabemos que, de alguma maneira, um dia “aquilo” retorna pedindo pra ser olhado.
Afinal quem se defende da dor, também se defende do amor.