Quando o verde chegar, você vai estar pronto?

Quando o verde chegar, você vai estar pronto?

Hoje eu vou falar sobre o filme “The Green Knight”, uma reinterpretação do conto medieval arthuriano sobre Sir Gawain e o Cavaleiro Verde.

Eu precisei de um texto especial pra falar desse filme pois não se trata exatamente de uma recomendação e, ao mesmo tempo, eu não conseguiria falar do que senti com essa obra em apenas um parágrafo.

Sendo assim, se você tiver paciência e quiser interpretar essa história absurdamente simbólica ao meu lado, é só vir junto…

Ahhhh, e também vale avisar que teremos spoilers (não sei se é possível termos spoilers em uma história com cerca de 700 anos, mas fica o aviso, de qualquer forma). 

The Green Knight é uma obra de arte. Isso é fato.

Porém, ser uma obra de arte não quer dizer que é legal ou bom.

O filme, na verdade, é bastante incômodo, cansativo e de fritar a cabeça… como as obras de arte costumam ser.

Para quem não conhece o conto original, aqui vai um rápido resumo:

Uma figura misteriosa toda pintada de verde aparece em Camelot, diante do Rei Arthur e de seus cavaleiros, e faz um desafio - ele permitiria que alguém o golpeasse, mas, dali a um ano, o autor do golpe deveria procurar por ele e permitir que o Cavaleiro Verde lhe desse o mesmo golpe.

Sir Gawain (ou Galvão, como é chamado em portugês), sobrinho do Rei e o mais jovem ali presente, se candidata a participar do desafio. Afinal, ele queria se provar diante de todas aquelas lendas.

Gawain golpeia a cabeça do Cavaleiro Verde, que cai de imediato. Porém, para a surpresa de todos, o Cavaleiro segue vivendo. Ele pega sua cabeça do chão e diz que espera Gawain dentro de um ano.

O jovem tem um ano para se preparar para cumprir sua promessa, manter sua honra e enfrentar o seu terrível destino. 

Quando é chegada a hora de procurar pelo Cavaleiro Verde, Gawain recebe uma faixa verde mágica que, desde que se mantivesse ao redor de sua cintura, o protegeria de qualquer dano.

Ou seja, o jovem já parte disposto a trapacear.

Um monte de coisa acontece e vemos o tema da vida x honra aparecer repetidamente.

Quando Gawain finalmente encontra o Cavaleiro Verde e oferece sua cabeça para ser cortada, ele sente medo. Ele recua.

O Cavaleiro Verde diz que ele teve um ano inteiro para achar sua coragem, mas o rapaz ainda assim tem medo (mesmo usando a faixa).

Gawain pede um minuto para se recompor e é atendido pelo Cavaleiro. Porém, quando este vai desferir o golpe, Gawain foge, acovardado.

O jovem retorna a Camelot e segue sua vida, mas sem jamais tirar a faixa da cintura. Ninguém sabe que ele agiu com covardia e que foi incapaz de manter sua palavra - ninguém a não ser ele.

Percebemos, então, como essa percepção sobre si mesmo amaldiçoa Gawain em todos os seus longos anos.

Não interessa se ele se torna cavaleiro, se ele se torna pai, se depois ele até mesmo se torna rei. 

Ele é um miserável sem honra. E ele sabe disso.

Nós, espectadores, também sabemos. Sabemos graças à constante expressão distante e incômoda que Gawain passa a apresentar.

Vemos como ele se torna um pai fraco, um rei fraco e um ser humano fraco.

Então o roteiro traz uma reviravolta…

Já no fim de sua vida, quando seu castelo está sendo tomado por invasores, Gawain retira a faixa verde de sua cintura e sua cabeça desaba.

Voltamos então à cena em que Gawain estava diante do Cavaleiro Verde, pedindo por um minuto para se recompor. 

É como se toda a vida de Gawain que acabaramos de ver estivesse apenas se passando em sua cabeça.

O rapaz, ao ponderar suas escolhas, vislumbrou o tipo de vida que teria caso optasse por fugir.

E agora, o que ele deveria fazer? Viver como um fraco ou morrer e manter a honra intacta?

Gawain arranca a faixa da cintura e diz ao Cavaleiro Verde que está pronto. O Cavaleiro fica satisfeito e termina o filme com a frase:

“Now, off with your head”.

Em uma tradução literal, a frase quer dizer que o rapaz vai perder a cabeça. Porém, a expressão também tem outro significado e diz que o rapaz deveria parar de pensar tanto (parar de viver dentro de sua cabeça).

Essa ambiguidade, que infelizmente é perdida na tradução para o português, encerra o filme. Jamais saberemos se Gawain foi morto pelo Cavaleiro Verde ou não.

Só que isso não importa.

O importante é a mensagem que fica sobre ser alguém de palavra mesmo diante das mais duras circunstâncias. É isso que significa amadurecer.

Ainda mais interessante do que isso, no entanto, é a mensagem sutil que o filme revela em um de seus diálogos aparentemente sem sentido.

Em certo momento, Gawain está conversando com um nobre e sua esposa e eles refletem sobre a cor verde.

É dito que a cor verde é a cor da terra… mas que também é a cor da podridão, da decadência.

As coisas morrem e são tomadas pelo verde.

O que isso significa?

Ao menos para mim, ao terminar de acompanhar a história, isso significou que o verde a tudo tomará, cedo ou tarde.

Não importa quem fomos, o que fizemos, quantas conquistas tivemos, se fomos amados ou odiados. No final, vamos decair e ser tomados pelo verde.

O verde nos vencerá e nos matará, a cada um de nós. Não há esperança de escapar dele.

Podemos, como o imaturo Gawain, até fugir e fingir que ele não existe, mas uma hora ele nos tomará.

Que mensagem horrível, Nano. Isso não é muito mórbido?

Não. Acho que não.

Afinal, uma vez que temos a perfeita noção de que não venceremos o verde, o que nos sobra?

A escolha de como vamos viver até a hora do nosso derradeiro encontro com ele.

Se vamos viver com honra ou se vamos viver como covardes. E não para os olhos dos outros, mas para os nossos próprios olhos, já que esses nós nunca seremos capazes de enganar.

Confesso que esse não foi um filme fácil de assistir. Em muitos momentos eu me vi perdido, entediado, com sono e até com vontade de desistir. Mas, ao final, com todo o quebra-cabeças montado na minha frente, eu fui profundamente impactado pela mensagem.

E até agora estou pensando:

Quando o verde chegar, eu serei capaz de olhar nos olhos dele sem medo e fazer o que precisa ser feito?

Gostaria de pensar que sim. Desafio a mim mesmo todos os dias com esse intuito. Mas só vou mesmo saber quando o machado afiado estiver me encarando.

Já pensou nisso?

And now, off with my head.

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