Quanto cobrar por uma tradução?
Desculpem-me pelo textão, mas a conversa será longa. :-)
Quando alguém pergunta (em geral, iniciantes) nos grupos de tradução do Facebook quanto cobrar por uma tradução, quase sempre aparece quem sugira cobrar pela tabela de preços orientativos do SINTRA (Sindicato Nacional dos Tradutores), que está aqui:
Só que essa resposta, na prática, é a melhor maneira de não responder o que de fato interessa, de se omitir ou tirar o corpo fora. Pior: pode atrapalhar quem está começando, em vez de ajudar.
Vou tratar aqui das traduções e revisões técnicas ou comerciais não juramentadas, que são as que conheço melhor. Tradução literária é outro mundo, outra forma de trabalhar, outro sistema de mensurar e cobrar pelo nosso trabalho. Então não vou me meter nisso.
Os valores sugeridos na tabela do SINTRA são R$ 0,45 por palavra de texto original para traduções (idioma estrangeiro-português) e R$ 0,57 para versões (português-idioma estrangeiro). Para traduções de um idioma estrangeiro a outro idioma estrangeiro (dupla versão) o preço sugerido é R$ 0,59 por palavra de texto original.
Mas, porém, contudo, todavia, no entanto...
Esses valores são o máximo que o mercado comporta e incluem todo o processo tradutório (pesquisa terminológica, tradução, revisão e leitura de prova) e, no mundo real, praticamente só agências conseguem cobrá-los de clientes finais, pelo menos no Brasil.
Pouquíssimos tradutores conseguem trabalhar nesse nível de preços no mercado interno, e mesmo assim somente após anos de prática, especialização e prospecção e filtragem de clientes, e apenas com clientes diretos.
No mercado brasileiro, no caso de tradutores que trabalham para agências de tradução, a realidade é outra. Bem outra.
Os valores praticados na prática (sic) variam de R$ 0,03 a R$ 0,15 por palavra, tanto para tradução quanto para versão.
Minha opinião: acho qualquer valor abaixo de R$ 0,06 por palavra indecente demais até para pensar em aceitar. Iniciantes talentosos e bem formados podem conseguir de R$ 0,06 a 0,08. Tradutores mais experientes, de R$ 0,09 a R$ 0,15 por palavra.
Existem pouquíssimas agências no Brasil que pagam mais de R$ 0,15 por palavra, verdadeiras raridades, nível unicórnio. Obviamente quem trabalha com elas não divulga os nomes nem sob tortura, para não pôr o próprio ganha-pão em risco.
Essa é a realidade brasileira.
Mas, porém, contudo, todavia, no entanto...
No mercado internacional as coisas são BEM diferentes e as perspectivas são MUITO melhores.
As agências de tradução “bottomfeeders” (sanguessugas), que são basicamente as agências norte-americanas, europeias e asiáticas de baixo custo, pagam cerca de US$ 0,05 por palavra.
Ora, pelo câmbio de hoje (28/04/2019: US$ 1,00 = R$ 3,932) é fácil perceber que as piores agências internacionais para se trabalhar pagam bem mais do que as melhores agências brasileiras. E esses valores são o mínimo do mínimo do mínimo que dá para conseguir lá fora.
Mas pode-se ganhar bem mais.
Tradutores iniciantes (até dois anos de experiência) e juniores (de três a cinco anos de experiência) conseguem ganhar em torno de US$ 0,06 a US$ 0,08 por palavra.
Tradutores plenos (de seis a oito anos de experiência) chegam à faixa de US$ 0,09 a US$ 0,12 por palavra.
Tradutores seniores (acima de nove anos de experiência) e especialistas podem conseguir chegar a US$ 0,15 ou até US$ 0,20 por palavra em certos nichos prime (tradução de marketing e transcriação, por exemplo).
Logo, quem quiser ganhar dinheiro de verdade com tradução deve visar ao mercado externo. O mercado brasileiro, para traduções não juramentadas, já deu o que tinha que dar.
Falando em traduções juramentadas, uma observação: a crença de que só os tradutores juramentados conseguem viver de tradução no Brasil é falsa. Vivo de tradução (e relativamente bem, até) desde 1992 e só passei no concurso público para tradutor juramentado em 2013.
Quanto a revisão (“editing”) e leitura de provas (“proofreading”), os valores pagos em geral ficam em torno de 50% do valor da tradução para a primeira e de 30% a 35% do valor da tradução para a segunda. Um ponto a levar em conta é a noção da diferença entre revisão (que envolve cotejo do texto traduzido com o texto original) e leitura de provas (que é a leitura final do texto traduzido), já que muitas agências de tradução não sabem a diferença, ou fingem que não sabem.
Finalmente, temos a MTPE (“machine translation post-editing”), ou pós-edição de tradução de máquina, que nada mais é do que a revisão de traduções feitas com softwares de tradução de máquina ou automática. A MTPE pode ser de três níveis:
1) Pós-edição básica (“light post-editing”), visando a tornar o texto traduzido apenas legível, só “tirando a casca”. Remuneração: em torno de 50% a 60% do valor por palavra da tradução humana;
2) Pós-edição média (“medium post-editing”), um degrau acima da pós-edição básica, visando a atingir uma tradução de qualidade média, mas ainda não equivalente à tradução humana. Remuneração: em torno de 60% a 70% do valor por palavra da tradução humana; e
3) Pós-edição completa (“full post-editing”), visando a atingir uma tradução de qualidade equivalente à tradução humana. Remuneração: de 70% a 80% do valor por palavra da tradução humana.
Espero que esses comentários os ajudem a enfrentar o mundo real tradutório com mais segurança, confiança e com uma visão clara de como as coisas funcionam no mundo tradutório, revisório e pós-editório real.
Boa sorte a todos!
[Texto atualizado aos 28 dias do mês de abril do ano da graça de São Jerônimo de 2019.]
Tradutor e revisor | Inglês ⇋ Português
6 mSei que a postagem é um pouco antiga, mas esse texto continua atual e valioso. Ele me ajudou muito quando ainda estava pesquisando sobre a área. Muito obrigado por compartilhar seus conhecimentos, Jorge.
English & French teacher at Abbott
1 aTexto claro, detalhado, explicitly, compreensível. Obrigado.
Professora de Espanhol
1 aMuito obrigada pelos esclarecimentos!!
Tradutora técnica e editorial no par espanhol-português do Brasil, em ambas as direções, com mais de 15 anos de experiencia (Proz.com Certified PRO Network)
2 aJorge, parabéns por esse texto, sinceramente, acho que é a referência mais sensata que temos no momento. Uma dúvida: esses valores continuam valendo para 2022? Não houve aumento de tarifas de 2019 para 2022?