QUEBRA DE PARADIGMA 7
TRABALHO DIGNO
Por Carlos Costa

QUEBRA DE PARADIGMA 7 TRABALHO DIGNO

 

Para variar, estou um pouco adiantado, preparando o curso “Comunicação e Tecnologia no Mundo do Trabalho”, que ministrarei no segundo semestre. Nesta semana estive zapeando e navegando por sites e autores, em busca de novos enfoques. E num determinado momento veio a reflexão: iniciei este 2020 com o foco na 4ª Revolução Industrial – iniciada numa conversa na grande feira eletrônica de Hannover em 2011, sacramentada pelo lançamento do livro “A Quarta Revolução Industrial” em 2018 e... veio a Covid-19 e colocou tudo de pernas para o ar. Como previa Marc Vidal, já estamos surfando nas ondas da 5ª Revolução Industrial. Parece tudo muito confuso?

Que tal vir fazer o seu mestrado na Faculdade Cásper Líbero?

Parece complicado, mas não é. Uma rápida olhada pelo retrovisor facilita saber de onde viemos para saber aonde podemos chegar .

 A primeira Revolução Industrial aconteceu com a introdução da máquina a vapor, inventada pelo escocês James Watt (1767), nas empresas têxteis, substituindo velhos teares, mudou a configuração do mundo do trabalho. A segunda revolução acontece uns 100 anos depois, em 1870, com o século XIX chegando a seu auge por causa do desenvolvimento da eletricidade, da química, da física, e a expansão proporcionada pelos trens, navios e a abertura de canais como o de Suez (1869) e o do Panamá (1914). O mundo encurtou as distâncias abrindo novos mercados. A terceira revolução industrial, foi chamada de informacional ou digital, e começou com o final de segunda guerra mundial (1945), com a eletrônica no lugar do que havia sido a máquina a vapor que deu início a tudo. O trabalho é agora executado por robôs (grandes máquinas de prensa sobre metais, fabricando as chapas de carros, geladeiras e o que mais entrasse na fila). A quarta, que acaba agora com a quarentena do Covid-19, foi a os algoritmos, da troca de dados, dos sistemas ciberfísicos, com a internet as coisas, computação na nuvem, inteligência artificial e a fabricação de órgãos, restauração física e até construção de prédios pelo sistema de impressão em 3D.

E qual é a proposta da Revolução 5.0? É a “era do ser humano”, o homem como foco da tecnologia, com alterações profundas no nível da qualidade de vida. A era do trabalho digno (e o fim esperançoso de que a uberização do mundo do trabalho traga a possibilidade da realização pessoal), fazendo aquilo de que se gosta. Há duas fortes ideias em jogo. A quebra de paradigmas e o toque a utopia.

O melhor exemplo da quebra de paradigmas pode ser dado pela leitura do conto ou novela de Jules Verne: “O ano de 2889”. É uma história curta, de quase 20 páginas, escrito pelo autor em 1865. Verne, todos sabemos, ficou famoso por prever muitas das coisas que aconteceriam depois, como a ida do homem à lua, as viagens aéreas (que começaram com um balão), o submarino. Nesse pequeno conto ele narra um dia típico de trabalho do magnata das comunicações, Francis Bennet, ao seus domínios, a começar pela longa visita ao monumental edifico sede do jornal “New York Herald”, com mais de uma centema de milhares de assinantes, que não lêem, mas “escutam” o seu jornal falado por um meio de comunicação, o telefone (que foi patenteado 16 anos depois da publicação do conto).

Ao longo desse dia, Bennet mantém o ritual de almoçar em companhia da esposa Edith: ela se encontra em Paris, fazendo compras de chapéus e modelitos da moda. Pela diferença de fuso horário, ele almoça e ela janta (na realidade Edith chegou atrasada ao hotel de Paris, que é também de propriedade de Francis Bennet). Eles conversam por meio de um aparelho fototelefônico, outra das ideias futuristas de Verne.

 O que há de errado na história? Jules Verne não contava com a quebra de um paradigma: a horizontalidade dos escritórios faz com que ele tenha de usar um carrinho de golfe para percorrer os departamentos da editora, uns cinco quilômetros de construção. Ou que seja sugado para se transladar de modo subterrâneo de um espaço a outro. A horizontalidade, como acontecerá realmente mais para o final do século XIX, dará lugar à verticalidade. Os escritórios um acima do outro, e não ao lado. E o carrinho de golfe será o elevador, que fará a subida sem sair lateralmente de lugar.

Pois bem, é essa a quebra de paradigmas que trato hoje. É o sétimo da lista (já abordamos a quebra de paradigma eleitoral (1); a quebra de paradigma do tempo (2); da vida em família x distanciamento social (3); da alimentação autossustentável (4); a da nova globalização (5) e do “revival” dos periódicos locais (6). Na próxima semana, vamos discutir uma outra quebra de paradigma que abre os tempos da Revolução 5.0. O paradigma da produção acadêmica.

O paradigma do Trabalho Digno

O que vem a ser o Trabalho Digno? Essa é certamente a mais antiga das dívidas das revoluções industriais. Se a primeira delas, ao introduzir a máquina a vapor no processo de fabricação têxtil, teve como efeitos a migração dos trabalhadores do campo e pequenos proprietários que foram viver nas grandes cidades fabris e criou a figura do operário, deu também o pontapé inicial do trabalho repetitivo, sem nenhuma criatividade, concretizando a maldição bíblica do “comerás o pão com o suor de teu rosto” (Genesis, 3: 19). Com a primeira revolução industrial houve o desmonte do sistema do modo de vida dos camponeses e o das corporações medievais, em que o alfaiate (ou sapateiro, ou carpinteiro) entrava como aprendiz, aprendia um ofício, e depois se tornava um mestre artesão.

O camponês tinha o seu pedaço de terra (minifúndio) onde fazia pequenas plantações e criação de gado e galinhas para consumo próprio de leite, manteiga, ovos, milho, mandioca, negociando pelo sistema de troca com outros pequenos produtores rurais e indo para as pequenas cidades vender o excedente. Já os artesãos manufaturavam calçados, ternos, camisas, roupas femininas, que eram produzidos por encomenda e negociados com pagamento em espécie e também com produtos ou outras artesanias. A oferta de trabalho nas nascentes fábricas colocou o sistema em stress: ganhava-se por hora (introdução do paradigma de tempo) e sempre a preço baixo. O assalariado entra no jogo, substituindo o sistema de escambo. As periferias das cidades são tomadas pela nova classe operária – que na terceira revolução industrial já se havia convertido em sub-operário. A quarta revolução industrial levou essa classe a descer ainda mais. O entregador do Rappi, Uber-eats e iFood é um terceirizado sem nenhum direito trabalhista e já inicia a relação com uma dívida: a empresa não fornece nem a jaqueta, nem a caixa de isopor em que transportam a comida. E o que ganham está a léguas de distância do que seria um trabalho digno.

O primeiro grande alarme contra o trabalho em condições subumanas foi dado por um papa, Leão XIII, que em 15 de maio de 1891 publicou um documento, chamado de Encíclica, a Rerum Novarum (sobre as coisas novas). Em 1919, por inspiração desse documento, foi criada a Organização Mundial do Trabalho, a OIT. Também a Constituição da Nova Zelândia teve forte influência da encíclica, o que faz supor que lá o trabalho digo seja uma realidade.

A quebra de paradigma que a Covid-19 apresenta será que a quinta revolução industrial ou a Sociedade 5.0 venha inspirada nessa utopia. São elas, as utopias, que fazem o mundo mudar, e todo homem tem o direito de pelo menos sonhar.

Até o próximo paradigma.

 

 

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