Quem matou a hospitalidade na sala de jantar?
“Foi o Mordomo!” (The butler did it) chavão que ficou famoso com o romance The Door de Mary Roberts Rinehart, publicado em 1930 e que surpreendeu o público da época quando se descobriu que o mordomo do livro assassinou alguém. Não é raro encontrar referências de mordomos assassinos em obras de ficção, talvez porque seja difícil suspeitar que, um personagem tão discreto, tão serviente, possa ser capaz de fazer algo tão vil e dissimular tão bem uma situação.
Embora essas referências estejam bem longe de retratar o trabalho de um mordomo de verdade, certamente você já teve uma experiência de um atendimento ruim, sobretudo em lugares em que supostamente devem te receber bem, como restaurantes, aeroportos, voos comerciais, hotéis, etc.
Na ilustração criada por Sergio Ingravalle, temos a imagem do mais elegante mordomo, símbolo máximo da operacionalização da hospitalidade, cargo semelhante a posição de um gerente de hotel hoje em dia, por exemplo. Um cargo capaz de articular com todas áreas de um hotel, inspirar e influenciar diversos colaboradores, lutar por e para eles a fim de garantir um serviço de excelência. O mordomo da imagem serve numa bandeja, de forma altiva, de ego inabalável, um míssil. Ou seja, temos a antítese da hospitalidade: a Hostilidade, que ao invés de acolher, rejeita, vira o rosto, despreza o outro quando esse outro não atende seus próprios interesses. Inclusive as palavras hospitalidade e hostilidade têm a mesma origem etimológica (BENVENISTE, 1995).
A Hospitalidade genuína e a ensaiada são percebidas, segundo Hemmington e Gibbons (2017) a percepção do hóspede em relação ao seu bem-estar no encontro hospitaleiro está muito ligada à reciprocidade, a generosidade e a capacidade de interação entre funcionários-anfitrião e consumidores-hóspede, como um processo de transferência emocional. Hospitalidade é o relacionamento construído entre anfitrião e hóspede e que, para ser eficaz precisa que o hospede sinta que o anfitrião está sendo hospitaleiro por sentimentos de generosidade, pelo desejo de agradar e por ver a ele, hóspede, como indivíduo (LASHLEY & MORRISON, 2004). *
O míssil possui um objetivo claro de destruir. Quem nos dera os hostis andassem por aí carregando sua hostilidade ensaiada numa bandeja para que todos pudessem ver claramente o que ele tem para oferecer como na ilustração. Ao contrário, minam por dentro, jogam escondido. Oras, de onde nasce a hospitalidade meu caros? Ela também não vem necessariamente exposta numa bandeja de prata, é um gesto que nasce do mais puro sentimento de receber o outro, apesar do outro.
Nasce do lugar onde organizamos nossas emoções, é esse lugar interno que o hostil precisa desestabilizar.
Quando temos um colaborador assim, é possível reconduzir seus valores para uma hospitalidade genuína, principalmente se ele tiver bons exemplos, o problema fica mais grave quando uma figura de poder na organização é o hostil, e por ser incapaz de servir de forma genuína, irá criar, muitas vezes até mesmo sem saber, processos que desMORALizam e eventualmente matam a hospitalidade.
Aqui, tratando moral como habito, segundo o pensamento de Aristóteles, é por meio do hábito que o indivíduo pode aprender. Uma vida feliz é determinada no agir virtuoso contínuo. Ou seja, desmoralizar, é arrancar um referencial de valor do cotidiano de outra pessoa.
Esse lado intangível, subjetivo e até mesmo poético, responsável pelos verdadeiros resultados e indicadores na indústria do serviço, incomodam quem só consegue pensar com a razão, com a lógica capitalista e não entendem que o caminho é inverso: Seu retorno está diretamente ligado a qualidade do serviço entregue. E cobrar qualidade por cobrar não basta.
Existe dignidade no ofício de servir e receber, portanto lembrem-se que a hostilidade repele e acaba só, mais cedo ou mais tarde. E resista, pois, a generosidade une e é altamente contagiante. E logo iremos descobrir que ninguém vai se importar com quem matou a hostilidade na sala de jantar.
*GUIMARÃES. Gilberto de A.HOSPITABILIDADE: AVALIAÇÃO DAS CARACTERÍSTICAS E MOTIVAÇÕES QUE DETERMINAM A CAPACIDADE DE SER HOSPITALEIRO. 2019
Agente de Operações na Tatur Turismo
3 aQue texto interessante
Gerente Assistente de Guest Services na FASANO
3 aVocê é minha inspiração!
Consultoria Hoteleira | Customer Success| Guest Relations | Recepção | Gerência | Reservas | Qualidade | Atendimento | Hospitalidade
3 aPerfeito. E parece que temos o costume de sermos mais reativos e perceptivos em relação a hostilidade do que a hospitalidade, não é? Aquilo de criticar mais do que elogiar. Como bem mencionado, a hospitalidade é a base para hotelaria, para o bem receber. Mas só entendemos isso quando passamos a perceber as ações, seus significados e suas consequências. Uma área fascinante onde quem entende seu propósito, vislumbra muito mais a hospitalidade do que a hostilidade. 😊