Quero Pertencer
Clarice Lispector certa vez escreve “Tenho certeza de que no berço a minha primeira vontade foi a de pertencer” me ocorre dizer que essa colocação é de uma coragem incomensurável.
Como podemos todos nós e cada um pertencermos em algo maior a partir do que somos? Como podemos fazer parte sem que seja pela via de nos fazermos em partes para estar com o outro? Como podemos nós construir um pertencimento que diga da constituição de um espaço possível para nossa própria subjetividade?
O mais interessante encontro com o outro, certamente deve ser aquele que nos desloca de nossa certeza. O encontro com um outro que nos aponta para a falta, que nos entrega a falta, que nos lembra de nossa própria incompletude e da possibilidade de sermos algo diferente de fomos e como nos vemos. São desses encontros que nos desencontramos de nós mesmos e enfim nos reinventamos.
Toda reinvenção, todo apontamento para a falta pode gerar e provavelmente gerará uma angústia. Poder se encontrar com alguém que nos é diferente, que nos é estranho, nos coloca em posição de reconsiderar nossa certeza de completude e permanência. Se permitir se deparar com a diferença do outro, estabelecer diálogo com o que difere nos coloca em uma incerteza da expressão “eu sou isso”.
Essa incerteza, esse movimento de se abrir ao diferente pode por muito nos gerar uma angústia. Angústia que certamente tem seu valor, pode nos colocar em um movimento defensivo diante do que não nos é igual, mas também pode nos direcionar a uma produção de um novo entendimento do que seja nós mesmos.
O estabelecimento de uma relação de troca, de pertencimento em muito diz sobre a construção e criação de espaços pelos quais nos desenvolvemos. O pertencer aqui não coloco como sendo final em si mesmo, como encontro com uma completude, mas um espaço no qual é possível pertencer enquanto sujeito, para que no encontro possamos todos mudar e produzir.
Ao oposto de relações e laços que se sustentam unicamente pelo despedaçar-se do sujeito, pela entrega mediada por um medo de se subjetivar, pelo medo da diferença. O pertencimento que aqui digo é sobre a possibilidade de construirmos relações que nos deixem à vontade para levarmos nossas diferenças, e estabelecermos trocas a partir das diferenças.
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O pertencimento como uma via de fazer-se pertencer, fazer-se ser enquanto ato de um encontro. O oposto do despedaçamento do sujeito que tenta-se fazer objeto para sustentar um laço, esse pertencimento que falo inclui a diferença e promove o desenvolvimento.
O pertencimento pode ser a perfeita antítese do que seja um grupo sólido como uma seita. A construção de pertencimento a partir das diferenças, dos desencontros, da falta, que nos permite o desenvolvimento e a vida enquanto movimento e não mais uma falsa completude. Pois por mais que por vezes tentemos negar, somos e seremos incompletos por natureza, uma vez que nem mesmo “eu sou” será sempre o mesmo.
O próprio desenvolvimento do que se denomina amor tem sua raiz nesse tipo de pertencimento, apreendo e sou apreendido pelo outro a partir de coisas que penso ser igual, mas amo algo que ali me aponta para uma outra versão de mim mesmo, algo que por vezes não sei dizer o que seja. O amor no final se sustenta na diferença é não a pesar dela. Se funda na própria incompletude do ser e se desenvolve na possibilidade da construção de algo diferente do que até então se crê ser.
“Nãoo eu não entendo o que você diz, me conte”; “não tenho ideia como seja isso que está vivendo, mas me conte”; “não consigo me imaginar no seu lugar, mas você pode me contar, pode me dizer sobre essa experiência e como a vive”; “eu quero a diferença, quero a sua opinião e não que concorde plenamente comigo”; “eu quero o encontro que transforma e não um igual”; “eu quero pertencer, quero estar, tomar e ser tomado, aprender e ser apreendido a partir de minhas mudanças e minha diferença”
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Texto de Leonardo Gonçalves Wild - Psicanalista e fotografo Leonardo Gonçalves Wild
Head of tarefas na Limbus Text. Especializada em comunicação em microcosmos. Sua pequena/grande, bairro, condomínio com uma comunicação eficiente entre seres humanos
1 aPara quem esta meio solta na vida....o texto eh uma coca-cola! Boa semana
Psicanalista
1 a#inspiração