Quero ser Embraer (revisitado)

Quero ser Embraer (revisitado)

O "revisitado" do título é porque volto a um assunto que já havia tratado no início do governo Temer. Daquela vez, questionei a razão que moveu o presidente a visitar a China: “ajudar a vender aviões". E não é que o mesmo discurso se repetiu no recente périplo de Bolsonaro pelo gigante asiático?

Ok, a Embraer, no imaginário nacional, é mais do que simplesmente uma grande empresa. É um símbolo tão poderoso de excelência, que faz a gente esquecer por um momento a maltratada autoestima nacional. A Embraer é a materialização dos sonhos verde-amarelos de potência.

Ter uma companhia global entre as líderes do seletíssimo grupo dos fabricantes de aviões é, sem dúvida, motivo de orgulho. Também sinto aquela ponta de satisfação quando estou no exterior e entro numa aeronave da Embraer. Dá vontade de virar pro gringo ao lado, encher o peito, e anunciar: "Também fazemos aviões!"

Não foi por outro motivo que a venda de uma fatia dos negócios da Embraer à Boeing – a divisão de aviação comercial – causou comoção. É como se tivéssemos capitulado aos americanos.

Tenho de confessar também que outro sentimento que a Embraer me desperta é a inveja. Queria que a indústria do alumínio tivesse o mesmo tratamento que a nossa gigante dos ares. 

A liberal equipe do Ministério da Economia gosta de dizer que a Embraer e o agronegócio são exemplos do Brasil que deu certo "sem ajuda do governo". Nada mais mistificador.

O agronegócio, por exemplo, conta com uma rede de proteção invejável: juros camaradas, refinanciamentos, seguros para safra e pesquisa e inovação tecnológica patrocinadas pela União. Taí a Embrapa – que, aliás, faz um excelente trabalho – que não me deixa mentir. A verdade é que é assim em qualquer lugar do mundo. O agronegócio conta com um lobby poderosíssimo na Europa, no Japão e nos Estados Unidos.

A Embraer, por sua vez, ganha red carpet em Brasília para todos os seus pleitos. A empresa se desenvolveu à sombra de um dos maiores projetos bancados pelo governo militar, que idealizou e financiou durante anos o cluster aeronáutico e de defesa erguido em São José dos Campos, no interior de São Paulo. Acontece o mesmo em outros países. Trump, por exemplo, invocou a indústria aeronáutica norte-americana para justificar as medidas de defesa comercial erguidas contra a China na importação de alumínio.

Ou seja, não se trata de “dar certo sem a ajuda do governo”. Todos os setores industriais adorariam receber o mesmo tratamento da Embraer. Todos adorariam desfrutar do generoso e paciente investimento que precedeu e amparou o desenvolvimento da fábrica de aviões. Todos gostariam de participar dos objetivos de fortalecimento da indústria nacional. As potências industriais que conhecemos não floresceram graças somente ao talento de empreendedores visionários e competentes. Elas também são consequência de políticas industriais consistentes e de longo prazo.

A indústria do alumínio é considerada estratégica pela maioria das nações. A aplicação do alumínio está associada à fabricação de meios de transporte mais seguros e eficientes do ponto de vista energético (alô, governo: aviões entre eles!). As embalagens de alumínio aumentam a vida útil dos alimentos e dos remédios, pois o metal é uma barreira de grande eficiência contra contaminações. Sua aplicação na construção civil traz economia e torna os edifícios mais ecológicos. E num mundo que caminha cada vez mais na direção da sustentabilidade, o alumínio ocupa posição de destaque, uma vez que é infinitamente reciclável – a logística reversa das latas de alumínio no Brasil funciona de forma exemplar. Somos há anos o país que mais recicla latas no mundo.

Concordo que a decisão de eleger um setor como estratégico é uma tarefa complexa em um mundo globalizado, movido a acordos, em que nações tentam ganhar novos mercados ao mesmo tempo em que impõem barreiras à concorrência no seu quintal. No setor do alumínio, a China abocanha ano após ano fatias cada vez maiores do mercado brasileiro de semimanufaturados (chapas, perfis, cabos etc) graças à sua avassaladora capacidade de produção e a uma estrutura perversa de subsídios cruzados, que joga o preço dos seus produtos lá embaixo – a afirmação não é minha, mas da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). É a mesma China que acena aos governos de todo mundo com os seus bilhões de dólares disponíveis para investimento. Diante de um player tão cacifado, tudo pode ser negociado, exceto as joias da coroa: a Embraer e o agronegócio.

Texto originalmente publicado no Blog do Milton Rego.

Antônio Diniz

Marketing & Business Intelligence Manager at Amep Empreendimentos

5 a

Ótima reflexão Milton! Aqui na Ásia reforço que nem só de café vive o Brasil. O Agro é a cara do Brasil por aqui, e não me sinto ofendido, mas o mais gostoso é ter dezenas de outros produtos e segmentos para poder compartilhar conhecimento, e claro a Embraer é uma delas além de falar da nossa eficiência em reciclagem e em nossas diversas matrizes energéticas. #orgulhodeserbrasileiro

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