Rato, Rato, Rato!

A coisa toda começou num relance. Eu me descuidei e resolvi sair de trás do armário da sala, me esgueirando por baixo do piano, rumando em direção à cozinha, onde meu cafofo me aguardava. A menina, que jogava videogame parece ter me visto, porque se levantou exatamente na hora em que passei do piano para a cristaleira.

No dia seguinte ouvi alguma agitação logo cedo, com a mulher brigando com todo mundo porque alguém fez xixi fora do vaso.

Em uma casa com duas mulheres e um homem, fica fácil saber sobre quem caiu a responsabilidade pela falta de mira.

Isso não me incomodou muito porque estava muito cansada da agitação da noite anterior, quando na madrugada voltei ao banheiro central e fiz uma força nervosa para arrastar uma meia para o vão entre o piso e um armário da cozinha. E foi tanta força que já não sabia que era suor ou urina o que deixei no piso do banheiro, mas sei que estava em harmonia com a natureza.

Ainda naquela semana consegui outra proeza: cueca!

Consegui uma cueca no mesmo banheiro, mas errei nos cálculos e ela ficou entalada na entrada do cafofo. Isto causou algum transtorno porque acabei não conseguindo sair pelo buraco por alguns dias, mas com meu percentual de gordura corpórea não sofri lá aquelas coisas.

Em um fim de tarde meio que descobriram o tecido entalado na entrada do buraco e minha presença, antes questionável, se tornou indubitável. Deu pra percebeu porque percebi uma série de barreiras formadas por painéis de madeira colocados da cozinha até o quarto. Até o quarto? Não há nada que me interesse lá. O máximo que já cheguei a ir em minhas aventuras foi o quarto da menina, mas a diversão estava mesmo na cozinha e no banheiro. O que mais foi engraçado foi quando percebi uns objetos diferentes colocados próximos ao meu parque de diversões. E tinha queijo neles. Quem vai comer queijo quando há tantas outras opções. Acho que me confundiram com algum rato medieval. Pensar que ratos preferem queijo hoje é o mesmo que acreditar que perucas masculinas e vestidos com armação ainda estão na moda.

Voltando ao assunto, naquele fim de tarde, percebi algo diferente: estavam movimentando todo meu cafofo. Bloquearam minha passagem, mas antes jogaram comida pra mim.

Achei confuso, mas fiquei na minha.

Depois de alguns dias comecei a ficar incomodada e tentei abrir caminho à dentadas. Isto durou dois ou três dias, mas eu me limitava a tentar sair quando não ouvia mais movimentos pela casa.

O dia fatídico veio.

Um sábado de manhã. Ouvi barreiras sendo levantadas ainda mais alto e a reabertura de minha passagem. Estava tão desacostumada com a luz que fiquei estática por alguns segundos. Despertei do meu torpor ao ver um objeto comprido ser introduzido pela fresta e vir em minha direção.

Saí correndo pela abertura e gritos foram dados. Deveria ter motivo para isto. Jogaram um tecido sobre mim. Povo amável, mas eu não sentia frio, aliás tantos dias reclusa estava mais é com vontade de dar um rolê na rua. Ouvi um som retumbante ao meu lado, e de novo, e de novo. Acho que vi alguém tentando me acertar com uma madeira. Gostei não.

Resolvi voltar pro buraco, pra colocar a cabeça no lugar e pensar no que fazer. Infelizmente a ideia não a das melhores, porque em seguida uma luz ainda mais intensa me revelou no canto do armário e novamente o pedaço de madeira veio em minha direção.

A adrenalina correu pelo meu ´corpitcho´ e eu parti na quiçaça, dei linha na pipa, puxei o carro, zarpei, deitei o pelo literalmente, decidida a já não mais voltar pra um lugar com pessoas que demonstraram tanta animosidade a meu respeito e apesar disto tinha sido tão feliz.

Procurei a porta e ela estava fechada, e quando parei para pensar para onde ir...

Enquanto tudo desaparecia, ouvi ao longe alguém dizer:

Ratos devem correr. Rato parou, morreu.