A re-intermediação dos encontros afetivos

Tem figuras que contam muitas histórias. Recebi essa aqui da Fernanda Belfort.

Como mudou, não?

Nossos avós ou bisavós (anos 40) se casavam com quem conheciam no meio familiar, na escola, na vizinhança, na comunidade religiosa, enfim, em um meio social e em um raio geográfico muito bem localizado.

Pode-se, não sem certo exagero, chamar isso de um mundo da comunidade tradicional, no qual a intermediação passava pelos laços tradicionais. 

Nesse mundo, mesmo os amigos eram somente o 3o grupo em ordem de importância, atrás da família e da família e da escola.

Daí nossos pais (ou avós) passaram a cada vez mais se casar com quem conheciam entre os amigos e, crescentemente, com colegas de trabalho ou da universidades (nos países desenvolvidos, obviamente). Os amigos eram círculos íntimos e duradouros, como também era o trabalho. Nada mais provável, portanto, que o acesso ao outro fosse intermediado por esses meios, mais variados e já um pouco menos tradicionais.

Foi assim até os anos 90, quando a internet começou a se popularizar e com ela os sites (e depois apps) de relacionamento. A tecnologia mudou tudo e não somente as formas de conhecer pessoas, mas também de pedir comida, de "ir ao banco", de resolver praticamente tudo.

O acesso à tecnologia, internet, mobile e apps foi, crescentemente, fazendo com que as gerações mais atuais (Xers, Yers e Zers) pouco a pouco fossem se acomodando com o acesso ao outro por meio da tecnologia, dado o elevado custo emocional do offline (risco de rejeição, frustração com o que se encontra) e o ganho de tempo por encontro potencial do online (o círculo swap > conversa > descarta se não interessar), e até mesmo perdendo o interesse pela busca pelo outro offline.

Ao mesmo tempo em que a tecnologia nos aproximava, desintegrando a perpetuação dos laços por meio de agrupamentos sociais mais tradicionais, o trabalho mudou e cada vez menos nos uníamos com alguém que conhecemos em baias, reuniões, projetos, confraternizações corporativas. Fora o medo do assédio sexual. Talvez a troca frequente de empregos, talvez a mobilidade, talvez a crescente pejotização tenham causado a diminuição da organização como fonte de acesso ao outro. Junto com a queda da corporação veio a queda da família, da escola, da Igreja e da universidade, todos muito distantes, em termos temporais ou de afinidade de quem fomos nos tornando. É a vitória da tecnologia como intermediário das relações. É o apogeu do Match Group, a empresa que detém a marca Tinder, que em 2018 faturou US$ 1,7 Bi. Segundo a pesquisa que baseia a figura abaixo, 40% dos encontros vem do online.

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Curiosamente, há ainda um bastião offline: o bar. O bar cresceu como fonte de acesso, dos anos 40 aos anos 80 e ficou ali, responsável por 20% dos encontros. Nos anos 2000 começou uma virada e o bar passou a ser o local de quase 30% dos encontros afetivos. Entra aqui, possivelmente, o estilo de vida outdoor que todas as gerações passaram a ter, e também as novas configurações familiares, basicamente com o crescimento dos divórcios. Quem nunca passou a frequentar os bares (e a academia) depois de um término de relacionamento? E, possivelmente, o local predominante dos resistentes à tecnologia, dos românticos que ainda qurem chegar e dizer "e aí? Tudo bem?", afinal, tanto faz o que se diz quando a química bate. A natureza sempre dá seu jeito.

Os dados são de Rosenfeld, Thomas e Reuben (2019) no artigo "Disintermediating your friends: How online dating in the United States displaces other ways of meeting" e figura é da reportagem do Financial Times "Forbidden love: the changing attitudes to office romance".

Dirceu Santa Rosa, CCEP-I, CIPM (IAPP)

Gerente Jurídico em Compliance, IA e Proteção de Dados ( Equipe DPO Global ) da Accenture.

4 a

Bem legal o artigo. Como usuário deste tipo de app, também acho que vale ressaltar que houve uma mudança enorme quando o formato mudou dos sites (que tinham de ser bons em buscas e na tentativa de facilitar os encontros) para os apps ( que adotam geolocalização para aproximar as pessoas).  Ao mesmo tempo, as interações ficaram mais fluidas e até mesmo superficiais. Os apps são, hoje, a opção mais barata, mais conveniente e que te permite mais interação. E do app você pode combinar um barzinho e dá tudo quase na mesma.. Abraços

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