A REALIDADE OBJETIVA DA HISTÓRIA
A investigação livre e espontânea acerca do contexto da realidade leva ao questionamento natural sobre o período da História no qual se vive, sua importância, e como foi que chegamos até aqui. A seletividade envolvida na interpretação pessoal da realidade observada pelos eventos pode ser vista por um indivíduo e, isto é classificado como fenomenologia. Essa forma de realidade pode ser comum aos outros, porém pode às vezes ser uma leitura tão única para alguém que nunca será experimentado por mais ninguém.
A Fenomenologia foi uma tendência que se tornou um método filosófico desenvolvido nos primeiros anos do século XX por Edmund Husserl e um grupo de seus seguidores nas universidades de Göttingen e Munique, na Alemanha. Inegável a forte influência de Hegel e dos trabalhos dos séculos XVIII e XIX, em especial porque Hegel havia desenvolvido um sistema filosófico conhecido como "Idealismo Absoluto", capaz de compreender discursivamente o absoluto (de atingir um saber do absoluto, cuja possibilidade fora negada pela crítica de Kant à metafísica). Apesar de ser crítica em relação ao Iluminismo, a filosofia hegeliana é tida por Habermas como a "filosofia da modernidade por excelência".
A palavra grega phainomenon significa "o que aparece", e lógos, que significa "estudo", logo a fenomenologia seria – sob uma releitura estoicista – o estudo acerca daquilo que vêm, o conhecimento do que é perceptível.
Os trabalhos de Husserl sobre a fenomenologia foram imensamente aprofundados e rediscutidos por Martin Heidegger, e por existencialistas, como Maurice Merleau-Ponty e Jean-Paul Sartre. De fato, ao longo do século XX, Adorno e Habermas levaram o estudo do conceito da realidade para um outro caminho, para o qual retornaremos depois.
Uma análise desapaixonada sobre “A realidade objetiva da História” passa pela definição do que é "verdade", a qual não tem uma definição única sobre a qual a maioria dos filósofos profissionais e estudiosos concordem. O objetivismo metafísico defende que as verdades são independentes de nossas crenças, o que é verdadeiro ou falso é independente do que pensamos que seja verdadeiro ou falso – há um bem absoluto? Há um mal absoluto? Estas são questões postas no tempo tanto em contexto religioso quanto político e militar, jamais respondidas a contento.
De acordo com algumas tendências na filosofia, como o pós-modernismo/pós-estruturalismo, a verdade é subjetiva. A crença nesta subjetividade da verdade levou a Civilização Ocidental à beira de sua autodestruição no final do século XX, até que fatores absolutos – como o poder de destruição total de um míssil nuclear intercontinental russo ou o poder de compra de um bilhões de dólares – passaram a se impor como realidades universalmente aceitas.
Quando dois ou mais indivíduos concordam sobre a interpretação e a experiência de um evento específico, um consenso sobre um evento e sua experiência começa a ser formado. Se isto for comum a alguns indivíduos ou a um grupo maior, se tornará, então, a "verdade" segundo um determinado conjunto de pessoas - a realidade do consenso. O consenso não é uma verdade em si mesma, mas apenas a verdade para aquele contexto, podendo ser subitamente exposta como inconsistente por um fator externo que ainda não tivesse sido conhecido e considerado.
A verdade construída é o modelo mais comumente aceito como “a verdade” e neste aspecto, a religião tem poderes extraordinários, inclusive dispensando provas em física, química ou biologia para ter seus pressupostos aceitos como reais.
Há, no entanto, que se separar “religião” das crenças das pessoas, das comunidades, dos grupos sociais isolados, e acima de tudo, do que um indivíduo classifica, no seu íntimo, como verdade, afinal – REALIDADE É O QUE SE PASSA EM SUA MENTE!
A realidade imposta também é comumente aceita como realidade, tendo em si mesma um objetivo mais claro de controle político de massa, assim como a maior parte das religiões, e ainda com um agravante, o poder de decidir quem vive e quem morre.
Há uma enorme fragilidade evidente para o observador mais estoicista, nestas duas leituras da realidade – a verdade religiosa construída e a realidade imposta – pois ambas decorrem de um tempo, estando seus fatores geracionais presos aos tempo no qual foram geradas, cessando o poder gerador, sua braço vão se enfraquecendo e o tecido desta realidade vai se esgarçando, como a crença na bruxa no final da idade média, quando quase tudo o que parecia místico: como curar doenças, fazer objetos flutuarem na água ou no ar, fogo fátuo, ou ainda comunicar-se com pessoas de culturas diferentes, tornou-se de fácil explicação.
A História oficial é certamente a maior vítima destes longos períodos de realidade construída, tendo, para sobreviver, de construir diversas justificativas para sua imprecisão científica. Historiografia (grego Ιστοριογράφος, de Ιστορία, "História" e -γράφος, da raiz de γράφειν, "escrever": "o que escreve, ou descreve, a História") é uma palavra polissémica e designa não apenas o registro escrito da História, a memória estabelecida pela própria humanidade através da escrita do seu próprio passado, mas também a História enquanto a ciência.
Historiografia e perspectiva: o objeto da História
A história não tem outra alternativa para obter uma credulidade de seus leitores ao mesmo tempo em que sobrevive aos seus “Chefes de Edição” – governantes que sabem que seus atos serão julgados no futuro - senão seguir a tendência de especialização de cada disciplina científica que se destaque e/ou se imponha a cada tempo. Ao mesmo tempo em que deter o conhecimento de toda a realidade é epistemologicamente impossível, é condenável que muitos dos autores que hoje detém diplomas universitários e se intitulam “historiadores” o façam sem esse cuidado científico, publicando mais opiniões sociológicas acerca do que pensam sobre as tendências políticas de seu tempo do que produzindo trabalhos com conteúdo que vá, ao menos, sobreviver a estes.
A História segmentou-se, não apenas porque a perspectiva do historiador esteja contaminada com subjetividade e ideologia, mas porque as ideologias impuseram leituras com assepsia total, nas quais muitas vezes aquilo que está registrado como realidade em um país ou continente não é sequer conhecido (principalmente aceito) em outro. Não se trata aqui da construção de uma História coerente com a exposição de diferentes realidades sociais construídas por razões econômicas, religiosas ou geográficas, não, trata-se de fato de uma crise – talvez definitiva – de qualquer possibilidade de se recuperar a História com valor científico, do ponto de vista do estoicista, ou seja, uma História que não seja apenas o registro de uma sucessão de eventos na forma como o sistema dominante determinou que foi. A História no início do século XXI é menos respeitada que a Estória, aquela que começa com ...era uma vez – esta sim, hoje, muito respeitada e lucrativa.
Como ponto de partida para uma tentativa mais feliz de uma realidade objetiva da História, pode-se partir do registro da história lida ao mesmo tempo, em um mesmo lugar (uma mesma cidade por exemplo) vista de ao menos três ângulos diferentes: registrada por quem vive em uma classe social elevada, não ao ponto de participar da tomada de decisões mas suficiente para estudar nas escolas mais caras, residir em bairros chamados “nobres” e frequentar grupos sociais nos quais carros de luxo e viagens são comuns.
Uma segunda leitura, do mesmo tempo e lugar, determina-se pelo registro do dia a dia de um indivíduo de classe média, em uma família na qual ao menos um dos genitores tenha um serviço público estável que garanta uma certa segurança social e bem-estar material, um círculo social e religioso que permita à essa pessoa conhecer indivíduos da mesma classe social, além de mais ricos e mais pobres, e ainda uma relativa liberdade de movimentos, de passear, de ter deveres e privilégios.
E terceiro, a seleção da parte da realidade histórica que se toma como se fosse sempre a desfavorecida, de um indivíduo de uma das classes sociais mais baixas, que more na periferia, que passe dificuldades para a compra do material escolar, que nunca comeu dos melhores queijos, que não sabe se vai ter jantar, que tem medo de ser confundido com meliante quando a polícia está parando as pessoas nas ruas.
A soma das três leituras, sem adendos, sem edições, poderia servir como ponto de partida para então redigir-se, somada à leitura oficial da realidade, um conjunto da visão social de um tempo, pois cada ângulo é em si mesmo verdadeiro, mesmo a opinião, pois a mesma resulta da realidade conforme vivida por aquele sujeito, naquele lugar e situação específicos.
É um preconceito perfunctório e injustificado crer-se que o indivíduo mais rico seja necessariamente o mais feliz ou o mais livre, assim como que o indivíduo de classe social mais baixa vá centrar seus relatos no que lhe falta ou no seu sofrimento. Qualquer expectativa que se faz desta experiência é resultante da leitura que a sociedade da época já nos forneceu pronta, qualquer preconcepção vem do espelho falso da realidade.