A receita para escrever melhor está na cozinha
Veja os segredos da escrita que aprendi enquanto preparava um risoto caprese.

A receita para escrever melhor está na cozinha

Tenho duas grandes paixões: escrever e cozinhar. Ambas são capazes de saciar minha fome mais íntima, nem só do espírito, nem só da carne, mas aquela fome da beleza que atravesse todos os sentidos.

A diferença entre elas é que preciso escrever bem. Esse é meu trabalho. Então, tenho me esforçado para aprender muito mais lições de escrita na culinária que vice-versa.

É justamente isso que vim falar para você. A receita para escrever melhor está na cozinha.

Criando um repertório

Para escrever bem, é preciso alimentar-se de referências. Ou seja, não há boa escrita sem muita leitura.

Digo mais: devemos ler de tudo, sem medo. Talvez nossa única chance de originalidade esteja na forma específica como misturamos e usamos nossas referências.

Isso também se aplica a cozinhar bem. Enquanto vegetariano, meu repertório inicial era fraquíssimo. Arroz, ovo frito, Miojo da Turma da Mônica sabor tomate suave e pizza congelada. Depois, quando decidi cozinhar melhor, fui olhar mais para a gastronomia brasileira, a italiana, a francesa, a mexicana, a árabe, a indiana… Assim fui construindo meu repertório.

Agora, quando penso em cozinhar, não me faltam ideias. Pode faltar tempo, mas sobra inspiração. O exemplo mais recente foi a receita de risoto caprese da Ana Laura Berghahn que precisei esperar o momento ideal para fazê-la.

Transpondo isso para a escrita, a escritora Dia Nobre tem uma frase deliciosa a respeito:

Tenho tentado preservar um “estado de escrita” que não necessariamente envolve escrever todos os dias, mas me alimentar daquilo que me leva a escrever.

Aí está o primeiro passo para escrever melhor: alimentar a fome da escrita com muitas leituras. Nem somente leituras; vale incluir na dieta filmes, discos, exposições, peças de teatro, cursos e muito mais.

O tal do tempo

A experiência na cozinha ensina que não se pode preparar um crème brûlée ou um pastel de nata para comer logo em seguida. Essas são receitas que passam várias horas na geladeira.

Para o risoto caprese, sabendo que o prato pedia tomates assados, comecei o preparo uma hora antes para dar tempo de picar os ingredientes, aquecer o forno e assar o que precisava.

A escrita também pede tempo. E você deve programar-se para isso, separar esse momento de atenção — a cozinha ainda ensina que fazer várias tarefas juntas é pedir para queimar a comida.

Dependendo da sua relação com a escrita, reservar tempo pode significar apenas eliminar distrações no horário de trabalho e entender melhor seus prazos.

Ou, para quem faz do escrever uma hora extra, isso envolve a renúncia de outras atividades. Por exemplo, já aceitei que os vidros da casa nunca estarão 100% limpos e que não terei a vida social mais agitada. Essas são batalhas que escolhi perder para dedicar-me às que realmente importam para mim.

Tomates assados.

Mise en place

O mise en place é uma expressão francesa que se refere à disposição ou organização dos ingredientes necessários à preparação de uma receita. Na gastronomia, é uma excelente forma de não se perder durante o preparo. É também útil para descobrir se todos os itens estão em perfeito estado.

Na escrita, podemos fazer o mise en place das ideias. Luiz Antonio de Assis Brasil, no livro Escrever ficção, recomenda anotar uma sinopse, um resumo e ainda um resumo expandido antes de debruçar-se sobre uma nova história. Mas talvez seja possível simplificar esse processo.

Anote os itens essenciais da sua ideia ou da sua história na ordem em que eles devem aparecer. Começo, meio e fim. Ou, como sugere Aline Valek no curso Técnicas criativas para transformar ideias em textos, elabore um “esqueleto para o texto em forma de tópicos e frases soltas”. Isso já permitirá prever se sua receita funcionará ou não.

Cá entre nós, não acredito em escritos que surgem do nada e deslizam besuntados em azeite até o final. Você pode não ter se dado conta, mas já tinha a organização na cabeça. Colocar os elementos antecipadamente no papel é apenas uma forma de evitar falhas no desenvolvimento.

Mise en place do risoto caprese.

Respeito às etapas

Existe uma boa razão para você esperar o bolo esfriar antes de desenformá-lo. Tente fazer isso com a massa quente e corra o risco de ver tudo desmoronar.

O texto também tem as próprias etapas. O momento de escrever não é o de editar, que não deve ser seguido imediatamente pela revisão.

Vá, escreva! Não interrompa o fluxo do pensamento. Se necessário, corrija os temperos somente ao final dessa etapa.

Depois, espere um tempo entre a escrita e a releitura. Algumas ideias só amadurecem de fato quando as colocamos no papel, assim como certos alimentos, mesmo prontos, evoluem com a espera. Aguarde para percebê-las melhor.

O risoto caprese ilustra isso. Os tomates assados desenvolvem um sabor caramelizado, que contrasta com o salgado do parmesão. Se os jogasse crus na panela, o prato teria muita acidez, nenhuma doçura e uma textura estranha.

Já o manjericão deve vir por último, com todo o resto preparado, para não perder o frescor. Colocando-o antes, viraria outra coisa. Respeitar cada etapa torna o risoto mais rico.

Apresentação

As melhores receitas não se comem apenas com a boca. Comem-se com o olhar, com o olfato, com o tato…

Do mesmo modo, para instigar o apetite de outra pessoa pela leitura, pense na apresentação do texto nos mais variados aspectos:

  • Esse é o meio adequado para publicação?
  • O texto é para esse público?
  • Qual é a melhor abordagem para divulgá-lo?
  • Que recursos visuais ou sonoros podem ajudar?

O contato gastronômico não se resume a mastigar o alimento. Nem a leitura é um mero passar de olhos. Todo o caminho que o alimento e o texto percorrem pode enriquecer a experiência do público.

Por sinal, por que você acha que a imagem de capa deste texto é a de um prato de comida, em vez de alguém escrevendo?

Prática

Você pode ser a pessoa mais experiente na cozinha e ainda errar feio ao testar uma receita.

Isso acontece porque nunca temos uma visão completa de como aquela pessoa chegou a determinado resultado.

Experimente fazer uma massa folhada sob o ar-condicionado a 22 °C e, depois, repetir os passos num calor de 30 °C. O resultado será muito diferente, mesmo que todo o processo tenha sido igual.

Saiba que você é uma cozinha especial, um forno com um ajuste muito peculiar de temperatura. Se não acertar a receita desejada de primeira, teste e teste de novo até encontrar seu ponto certo.

Cozinhar bem é prática. Escrever também. Quem quiser provar as maiores delícias de uma ou outra arte precisará ser persistente.

Vai um risoto aí?

Acende uma fogueira

Há 20 anos reúno meus poemas com a esperança de que eles tenham vida além de mim. Em 2024, o sonho está se tornando realidade.

Vem aí meu primeiro livro impresso de poesia, chamado Acende uma fogueira para a longa noite. O poema que dá nome à obra fala justamente da persistência necessária a qualquer pessoa que sonhe com a literatura:

“Como um farol, espera.”

É cansativo, mas há um imenso poder nisso. Tentar e tentar de novo é uma forma de dizer a si mesmo: este é meu lugar, sem isto nada sou. É também uma mensagem a todos que compartilham desse sonho:

“acende uma fogueira para a longa noite,
para que outros possam ver também a luz."

Essa é a primeira boa notícia de muitas que virão pela frente. Acende uma fogueira para a longa noite já foi todo revisado, tem uma capa impactante e está na fase de diagramação pela editora.

Assine minha newsletter Newslenta para receber mais textos como o de cima e ver as novidades do lançamento do livro.

Forte abraço!

Rogéria Teixeira

Professora na Secretaria de Estado da Educação

9 m

Espetacular sua analogia da preparação de uma receita com o processo de produção da escrita. Realmente, escrever requer todo esse cuidado e detalhes, que um excelente chefe de cozinha tem ao produzir uma deliciosa refeição. Adorei a forma como você quis levar ao público leitor a importância de um plano de elaboração na hora da produção de um texto. Parabéns por compartilhar conosco esse tão belo dom: escrever. 🤝👏👏

Bianca de Moura Vendrame

Especialista de Conteúdo | Comunicação e Marketing | SEO |

10 m

Que texto perfeito! Mas, antes disso, devo dizer que o que me chamou atenção foi realmente a foto! O risoto ficou com uma cara ótima, parabéns! 😋 👏 Nunca tinha pensado nessa relação da preparação de um prato com a escrita, mas não é que tem tudo a ver? Realmente, seguir o passo a passo faz toda a diferença no resultado. Infelizmente, nem sempre conseguimos ter a disponibilidade para seguir uma receita assim, tão bem executada, no dia a dia, com entregas e prazos limitados. Porém, como conteudistas, tentamos fazer o melhor prato com o que temos, não é mesmo? Parabéns pela publicação! (Newsletter assinada 😉 )

Christian von Koenig

Redator SEO | Revisor | Freelancer em Marketing de Conteúdo Digital | Escritor

10 m

Esse foi o conteúdo que mais teve engajamento no Substack. Acho que será útil por aqui também.

Entre para ver ou adicionar um comentário

Outros artigos de Christian von Koenig

  • Como assinar o contrato de um livro em tempo recorde?

    Como assinar o contrato de um livro em tempo recorde?

    Meu novo livro está em pré-venda. Entre o envio do original e o contrato para assinar foram apenas quatro dias.

    4 comentários
  • Emprego dos sonhos!

    Emprego dos sonhos!

    Quero começar logo com uma notícia bombástica: encontrei o emprego dos sonhos! Tudo aconteceu de um jeito estranho…

    2 comentários
  • Como usar as redes sociais sem sermos usados?

    Como usar as redes sociais sem sermos usados?

    Redes sociais: problema ou solução? Para todo mundo que trabalha com elas, ou precisa delas para divulgar seu trabalho,…

    3 comentários
  • Como se tornar insubstituível no marketing de conteúdo?

    Como se tornar insubstituível no marketing de conteúdo?

    Você teme que, no futuro, a inteligência artificial tire o trabalho da redação no marketing de conteúdo? Eu não, por um…

    9 comentários
  • Como escrever um artigo por dia (sem procrastinar)

    Como escrever um artigo por dia (sem procrastinar)

    Preciso confessar para você: sou o redator mais mandrião deste mundo. Tão procrastinador quanto hiperbólico.

    45 comentários
  • 4 erros de português que na verdade não são erros

    4 erros de português que na verdade não são erros

    Você já deve ter visto muitos artigos ou infográficos assim. Os títulos vão desde os mais sóbrios, “102 erros de…

    1 comentário
  • 8 dicas essenciais para uma comunicação efetiva e de qualidade

    8 dicas essenciais para uma comunicação efetiva e de qualidade

    A capacidade de comunicar informações complexas é uma das principais características que nos definem como seres…

    1 comentário
  • Uma breve história da mão esquerda

    Uma breve história da mão esquerda

    Com que mão você escreve? Direita ou esquerda? Uma em cada dez pessoas lendo este artigo é canhota, estatisticamente…

    4 comentários
  • Os primeiros anos serão os mais difíceis

    Os primeiros anos serão os mais difíceis

    O que você mais ama? De minha parte, amo a escrita tanto quanto sou capaz de amar uma mulher. Penso nela todos os dias.

    10 comentários
  • Produza mais: estruture seu conteúdo como um fractal

    Produza mais: estruture seu conteúdo como um fractal

    Vamos falar do medo de começar a criar e como se livrar dele. A produção de conteúdo pode ser bastante intimidadora no…

    4 comentários

Outras pessoas também visualizaram

Conferir tópicos