Reflexões sobre Proteção Civil

Reflexões sobre Proteção Civil

Ouvir o pensamento de outros profissionais (com mais ou menos experiência na área) traduz-se sempre em ganho, nem que seja obrigar a construir novo pensamento ou a desmontar outros já formulados. Ninguém é mais ou menos, ninguém é melhor ou pior...apenas decerto somos diferentes naquilo que contemplamos em Proteção Civil.

Os graves incêndios que devastaram a Região Autónoma da Madeira e o território nacional nos últimos meses (não esquecer que existe histórico...) continua a expor de forma evidente a fragilidade da nossa estrutura de proteção civil no patamar Municipal (essencialmente). As consequências desses eventos são devastadoras, vidas perdidas, destruição de veículos, casas, e bens de primeira necessidade. Diante dessa realidade, é inevitável perguntar que se espera para que a proteção civil em Portugal possa evoluir para um sistema mais eficaz, robusto e preparado para enfrentar tais calamidades.

Embora a consciência sobre a importância da proteção civil esteja presente em muitos discursos e debates, há uma evidente lacuna entre o que se diz e o que efetivamente se faz. E essa desconexão levanta várias questões preocupantes sobre como estamos lidando com a segurança e a proteção das nossas populações.

1. Serviços Municipais de Proteção Civil a Inexistência de Regulamentação

Os serviços municipais de proteção civil são constantemente referidos como pilares essenciais na proteção das populações. No entanto, não existe uma regulamentação clara que estabeleça a sua estrutura, funções e uma tipificação mínima de atuação. É no mínimo curioso que, apesar da importância amplamente reconhecida desses serviços, ainda não tenham sido aprovado ou pelo menos entrado em debate a regulamentação dos SMPC (há mais de ano e meio que está nos grupos parlamentares da anterior legislatura e há uns meses ma atual legislatura), para garantir uma capacidade mínima de resposta. Como podemos esperar que atuem de forma eficaz sem uma base regulatória sólida?

2. Unidades Locais de Proteção Civil, a Espera Injustificável

As Unidades Locais de Proteção Civil são outra peça essencial no sistema. Em todos os fóruns de debate, em argumentação politica e técnica este tema foi falado. Devem estar localizadas nas freguesias, próximas dos cidadãos, e desempenhar um papel preventivo ao longo do ano, cultivando uma cultura de risco e resiliência. No entanto, há um problema gritante, em várias freguesias, os pedidos de constituição dessas unidades foram enviados há mais de um ano (para as Câmaras Municipais) e continuam pendentes, aguardando parecer das Comissões Municipais de Proteção Civil. O que está a causar essa demora? Por que não há uma resposta mais ágil e comprometida com a segurança local?

3. Planeamento Estrutural e Capacitação das Populações, onde estão os Técnicos?

Outro desafio reside no planeamento estrutural e na capacitação das populações. As ações concretas e proativas para preparar as pessoas para enfrentar desastres ainda são insuficientes. A ANEPC (Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil), a nível nacional e regional, parece não estar totalmente constituída com técnicos superiores de Proteção Civil ou ciências conexas em número suficiente para desenvolver esse trabalho. A falta de recursos humanos adequados compromete diretamente a capacidade de planear e executar medidas de prevenção e proteção. Como podemos esperar um sistema de proteção civil eficaz sem os profissionais certos no terreno?

4. Falta de Estrutura de Proteção Civil a Nível Municipal

A nível municipal, a falta de estrutura adequada nas equipas de proteção civil é preocupante. Embora haja algumas exceções positivas, a maioria das câmaras municipais não tem equipas com a capacidade necessária para responder ao ciclo da emergência (prevenção, preparação, resposta e recuperação) de forma eficaz. A legislação prevê que os coordenadores de proteção civil sejam nomeados com base em critérios legais, mas ainda assistimos a nomeações que levantam dúvidas. Quem está a garantir que as nomeações cumprem os requisitos legais? Quem fiscaliza essas nomeações? As Comissões Municipais de Proteção Civil tem como função a avaliação do trabalho feito pelos SMPC, os elementos constituintes devem saber o que é esperado deles naquelas funções...

5. Planos Municipais de Emergência e Proteção Civil, alguns Desatualizados e outros Não Testados

Finalmente, alguns Planos Municipais de Emergência e Proteção Civil estão desatualizados. E mesmo aqueles que foram atualizados raramente são testados para verificar a sua viabilidade em situações reais. Estes planos são essenciais para garantir uma resposta coordenada e eficaz em caso de emergência, mas parecem não receber a atenção necessária. Qual é o valor de um plano de emergência se nunca foi posto à prova? Para que falarmos de planeamento de emergência se uma coisa tão normal não fazemos, como podemos querer avaliar riscos?

Conclusão
A Inércia Pode (Vai) Custar Caro

A proteção civil, embora não traga votos, pode certamente tirá-los. A segurança das populações deve ser uma prioridade inquestionável, mas a realidade é que o sistema de proteção civil em Portugal ainda enfrenta enormes lacunas que comprometem sua eficácia. A falta de regulamentação, a inércia na constituição de unidades locais, a escassez de oportunidades dadas aos técnicos especializados que temos, as nomeações inadequadas e a ausência de testes aos planos de emergência são problemas graves que não podem continuar a ser ignorados. Poderíamos elencar um manancial de outros assuntos, mas concentro-me apenas no factual, ou seja, aquilo que foi amplamente falado nos últimos dias, semanas...

É urgente que as autoridades competentes, a nível local, regional e nacional, enfrentem essas questões com seriedade e urgência. O tempo de "deixar para depois" já passou. A próxima catástrofe pode estar mais próxima do que imaginamos, e a preparação para ela não pode continuar a ser adiada.


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