A Reforma da Previdência, as manifestações e a democracia.

A cidade de São Paulo acordou apreensiva hoje. Trabalhadores de todos os cantos estavam preocupados com os meios e os caminhos que deveriam tomar para chegar ao trabalho. Eram 09:00 hs da manhã e o indicador oficial apontava mais de 200 quilômetros de vias congestionadas, um recorde para o horário este ano.

Qual o motivo para tal caos? Uma manifestação, que, aliás, repetiu-se em proporções menores em outras grandes cidades, contra a temida reforma da previdência. Sindicados e lideranças de movimentos políticos, explícitos ou não, convocaram e promoveram essa manifestação, com direito ao bloqueio das mais importantes rodovias que chegam a São Paulo, paralisação parcial do Metrô, o principal meio transporte público da cidade, paralisação dos ônibus e passeatas diversas, impedindo a livre movimentação de milhares de pessoas independentemente de sua vontade.

Não, não sou contrário a manifestações democráticas, deixe-me esclarecer, antes que me atirem as pedras de praxe. Estou apenas relatando os fatos. Entretanto, penso que vale a pena analisar um pouco melhor o assunto.

Ouvindo pelo rádio, lendo pelos meios eletrônicos e assistindo pela televisão, notei que a maioria dos entrevistados tinha em mente uma única resposta quando perguntada sobre o motivo da manifestação: “é contra a reforma da previdência e a perda dos nossos direitos”. Alguns, um pouco mais politizados, utilizavam alguns argumentos produzidos por associações desta ou daquela categoria profissional, que “demonstravam” que a Previdência não tem déficit, mas superávit, entre outras alegações.

Vamos aos fatos: é uma tendência mundial o crescimento da população com mais de 65 anos, sendo que por volta do ano 2020 esse grupo etário irá, pela primeira vez na história da humanidade, superar o das crianças com idade até 5 anos (World Economic Fórum – Business Insider – 2016). Esse mesmo fenômeno da longevidade está presente no Brasil, que em 2015 possuía 12,5% de sua população, ou 23 milhões de pessoas, com idade acima de 60 anos e esse grupo representará 30% da população, cerca de 64 milhões de pessoas, até 2050. Por outro lado, a taxa de fecundidade no Brasil vem diminuindo drasticamente desde a década de 1970 e já em 2010 estava abaixo de 2 filhos por mulher em idade adulta, ou seja, abaixo da taxa de reprodução da população, permitindo ao IBGE projetar que a nossa população deverá parar de crescer por volta do ano 2042. Noutras palavras, teremos cada vez menos gente para o mercado de trabalho.

Como é que isso impacta a Previdência? De forma muito simples. O modelo brasileiro da Previdência Social obedece ao regime financeiro de repartição simples, ou seja, quem está trabalhando contribui para o custeio das aposentadorias de quem já não trabalha mais. Acontece que atualmente existem cerca de 9 pessoas em idade ativa de trabalho para cada aposentado; mas os fenômenos demográficos anteriormente descritos farão com que em 2030 tenhamos somente 5 ativos contribuindo para pagar os aposentados e em 2050 serão somente 3. Ora, não é preciso refletir muito para imaginar que se não houver uma reforma séria e consistente AGORA, vai faltar muito dinheiro no caixa da Previdência e os aposentados do futuro, que são os manifestantes de agora, não terão de onde tirar o dinheiro para suas próprias aposentadorias. Qualquer outro resultado que se demonstre só pode ser consequência de alguma “criativice” estatística ou contábil, que certamente não resistirá a uma analise econômica mais séria.

E então, não devemos nos manifestar? Claro que devemos, pois, caso contrário, correremos o risco de termos uma reforma torta e desigual. É do conhecimento geral que as aposentadorias em nosso País privilegiam uma pequena casta, formada por algumas categorias – entre as quais a dos políticos e militares, porém não apenas essas – que distorcem ainda mais essa já frágil equação econômico-financeira. Então, devemos, sim, nos manifestarmos.

Aí é que entra a minha indignação. Estamos num regime democrático e o caminho natural para essa discussão, assim como para essas pressões, só pode ser o Congresso Nacional, independente da qualidade dos representantes que o próprio povo colocou lá. É sobre o Congresso que as manifestações devem ser dirigidas, para que os representantes do povo, em discussão ampla e bem fundamentada, cuidem para que as reformas sejam feitas de maneira isonômica, atendendo os anseios de toda a população, incluindo aqueles que temem a tal perda de direitos, que serão perdidos de um jeito ou de outro caso não aconteçam as reformas necessárias. Que sejam afastadas as demandas populistas, que trazem estatísticas falsas ou promessas que jamais poderão ser cumpridas.

E as manifestações de rua? Essas, na minha opinião, jamais poderiam bloquear estradas, nem impedir o legítimo direito de ir e vir de quem quer que seja. O trabalhador que precisa ir ao seu trabalho, a ambulância que precisa chegar ao hospital, as crianças que precisam ir à escola, todos tem o direito a viver numa sociedade organizada, cuja rotina diária não pode ser transformada num caos por manifestantes que misturam interesses legítimos com movimentos cuja legitimidade se perde quando ferem o direito dos outros cidadãos. É perfeitamente possível termos manifestações civilizadas, que tenham a ressonância necessária, sem que a vida das pessoas, sobretudo as mais simples e que vivem na periferia, dependendo totalmente do transporte público, seja afetada da forma como aconteceu hoje. 

João Paulo Bernardes Teixeira

Gestor / Consultor Agricola - Agronegócio

7 a

Boa Bento, falta explicação " DECENTE" também por falta do governo, e principalmente, onde estão os maiores furos que são as SUPERAPOSENTADORIAS, que deveriam ser desvinculadas do humilde contribuinte. Geralmente os SUPERAPOSENTADOS nem contribuem para o sistema da Previdência e depois vem "quebrar o caixa " dos mais humildes. Parabéns pela matéria !

Muito bom . Cabe um esclarecimento que não sei se já está claramente divulgado . O setor privado da economia ainda gera superavit perto de 5 % , mas o setor do funcionalismo gera deficit , políticos geram deficit , benesses talvez válidas de aposentadorias sem contribuição da constituição de 88 idem . Logo também temos de parar de distribuir algo de valor sem a devida correspondente de receita e isso o legislativo e executivo não sabem , não gostam e não querem.... ou dá-lhe mais carga tributária . O Tesouro não é um saco sem fundo e não imprimir dinheiro à custa de mais inflação !!!

Fábio Mello

Executivo comercial sênior na Bionexo | Aquisição e Rentabilização

7 a

Deixar que esta conta chegue apenas para o trabalhador é absurdo! Mude o regime de repartição para o de capitalização. Se tem 20% da Previdência para serem desviados para outras áreas (DRU's), executem os grandes devedores da Previdência, enfim...colocar a conta no colo do lado do mais fraco, é um absurdo!

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