A relevância dos cookies na LGPD
Com a entrada em vigor da lei geral destinada a regulamentar a proteção de dados pessoais no Brasil, a Lei n.° 13.709/2018 – Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), a finalidade, a necessidade e a transparência sobre a realização do tratamento de dados pessoais agora é uma imposição, além de outros princípios. E ainda, incluem-se a adoção de medidas de segurança da informação e a prevenção de uma ocorrência de danos.
Uma funcionalidade da navegação web muito em voga com a vigência da LGPD é o uso do cookie HTTP, uma maneira bastante utilizada, mas não a única, de armazenamento de uma informação no navegador web do usuário. Os profissionais no meio jurídico tem-se demonstrado bem cautelosos com esta possibilidade de armazenamento. Este cuidado é influenciado pela repercussão da versão européia da lei de proteção de dados, a GDPR, e também pela história na qual se desenrolou o desenvolvimento dos cookies.
O que é um cookie HTTP?
Um cookie HTTP, ou simplesmente cookie, é uma pequena porção de dados que o servidor HTTP envia ao navegador web do usuário. É uma forma do servidor web poder armazenar dados no sistema do cliente web, que é o software navegador, também chamado de agente do usuário. Com isso, estando um cookie presente no navegador, a cada novo carregamento da página do site, o navegador reenvia uma cópia do cookie para o servidor HTTP.
O cookie é composto por nome, valor e atributos. Todas estas diretivas, somadas, podem ter um tamanho de 4096 bytes (ou caracteres). Isto suporta, relativamente, bastante informação. O nome é por onde o servidor identifica o cookie. O valor é o dado armazenado no cookie. E os atributos são as regras para o armazenamento e uso do cookie.
Dentre as diretivas, no par nome/valor é onde pode estar armazenado um dado pessoal, pois o cookie é uma possibilidade de armazenamento aberta à estratégia do desenvolvedor do site web. Os atributos, por sua vez, definem uma determinada segurança e privacidade ao cookie.
Atributos para o cookie
Quando um servidor HTTP, de um site web, coloca um cookie no navegador do usuário, este cookie pode conter algumas informações extras que controlam e limitam o seu uso. Os atributos são opcionais na composição do cookie porém devem ser ajustados para a segurança do sistema no cliente, evitando assim, por exemplo, uma data de validade muito longa ou um acesso pelos scripts da página, se estes forem desnecessários.
Estes atributos asseguram o tempo de vida máximo do cookie (Expires), o domínio/subdomínio e o caminho de diretórios do site web para qual este cookie será reenviado (Domain e Path), a exigência de uma conexão segura HTTPS (Secure) e a restrição do acesso ao cookie para apenas as requisições HTTP (HttpOnly).
O atributo Expires é comumente representado na classificação do tipo do cookie, quando limitam-se a cookie de sessão ou cookie persistente, pois este atributo possibilita que o cookie seja mantido mesmo após o fechamento do navegador.
Os atributos somente são usados pelo navegador, os atributos não são reenviados ao servidor nas requisições. Nesse caso, para informar o servidor HTTP de que o cookie está sendo reenviado com medidas de segurança, utiliza-se os prefixos "__Secure-" e "__Host-" no nome do cookie. Mas, isto só estará oficializado na próxima RFC sobre cookies.
A necessidade do cookie
A navegação web acontece pelo protocolo de rede HTTP. Este protocolo tem como característica a comunicação sem a manutenção do estado (stateless), onde cada requisição cliente/servidor é uma transação independente. Frente a este "problema", o cookie foi desenvolvido para possibilitar a identificação do mesmo cliente web em uma navegação composta por inúmeras requisições cliente/servidor.
O cookie HTTP permite um vínculo entre os diversos acessos a um site ou sistema web, partindo de um mesmo navegador web. Isto possibilita o que se denomina uma sessão, que é a utilização de uma aplicação web por um usuário, composta por uma sequência de carregamentos das páginas do site. Assim, um cookie permite o uso de sessões estáveis na navegação por um site web.
O cookie é, de certa forma, indispensável na utilização de um sistema web, para manter a comunicação de um mesmo agente de usuário a um site.
Propósitos de uso do cookie
Os cookies são utilizados por diversos propósitos mas, essencialmente, são para a identificação do agente do usuário, já que, todo o dado pessoal do usuário estará armazenado, caso haja, no banco de dados do site web, normalmente. O sistema web no servidor identifica que determinado agente pertence a determinado usuário e assim, lhe entrega as páginas pertinentes a este usuário.
Um primeiro propósito é, como já explanado, na manutenção da sessão web. Este cookie é gerado automaticamente pelo servidor web, contém um nome/valor com caracteres aleatórios e dura somente enquanto o navegador estiver aberto (adota o valor padrão do atributo Expires). É apenas para identificar e amarrar o agente do usuário nas futuras conexões ao mesmo site web. Como visto, não é um cookie permanente e comumente é denominado de cookie essencial ou cookie estritamente necessário.
Outros propósitos podem ser adotados, outros cookies podem ser criados além do cookie essencial, de acordo com a estratégia de funcionamento do site web. Um cookie pode auxiliar em uma marcação extra do respectivo agente do usuário, que está navegando pelo site, instalando mais um elemento identificador, além daquele essencial. Este novo ID serve para possibilitar uma lembrança mais duradoura do respectivo agente do usuário, por meio do atributo Expires, o qual recebe uma data determinada. As funcionalidades como o login automático, o carregamento das preferências do usuário, o rastreamento do comportamento do usuário etc., são possíveis por estes cookies além do cookie essencial.
Estes outros propósitos, além do essencial e estritamente necessário, são os que devem receber a devida atenção durante a adequação à LGPD, pois estes cookies são desenvolvidos pelos controladores do site web. Entretanto, estes cookies, não necessariamente armazenam um dado pessoal mas, referenciam o usuário do navegador ao dado que está armazenado no banco de dados do site web.
Os cookies de terceiros
Com a evolução da propaganda e marketing nos sites web, os dados dos usuários passaram a ser compartilhados entre os sites parceiros. O recurso do cookie é uma das maneiras que possibilitam esta transferência dos dados pessoais.
Importante salientar, um site web não tem permissão de armazenar um cookie com outro domínio que não seja o próprio. Os navegadores não aceitam cookies de falsa identidade. Assim, cookies de terceiros são efetivamente criados por sites terceiros. Da mesma forma, os navegadores não enviam um cookie para outro domínio que não seja o estabelecido no atributo do cookie.
Por exemplo, um site terceiro, o qual exiba anúncios no site primário, pode armazenar um cookie no agente do usuário, traçando a atividade do usuário pelo site primário. Este mesmo site terceiro, que também exibe anúncios em um outro site primário, poderá receber de volta seu cookie e se beneficiar do comportamento prévio do usuário no site anterior. Não somente anúncios publicitários são responsáveis por isso, qualquer site terceiro que esteja atuando junto ao site primário tem esta possibilidade.
Qual dado pessoal está no cookie?
Como visto, um cookie pode armazenar 4096 caracteres e este espaço permite muita informação pessoal e ou sensível. Entretanto, seguindo as boas práticas de desenvolvimento de sistemas, não é apropriado e comum guardar dados pessoais nos cookies. A prática mais habitual é o armazenamento de um identificador anônimo que pode estar associado a um registro no banco de dados do site. É, ainda assim, uma informação relacionada a uma pessoa natural identificável no respectivo sistema web.
Em tempo, toda atividade online do usuário, todas as preferências do usuário, são dados pessoais e, inclusive, são dados pessoais sensíveis. A adoção de cookies não essenciais pode formar um perfil do usuário e, então, a personalidade é um dado pessoal sensível.
A segurança exigida pela Lei
De acordo com a Lei, as atividades de tratamento de dados pessoais deverão observar o princípio da segurança. Isto implica que todas as medidas possíveis de segurança deverão ser adotadas. A implementação de um cookie, no site web, deve desenvolver-se no mais rígido controle de segurança.
Os cuidados com o que será armazenado no cookie e como estarão configurados os atributos do cookie devem ser bastante rigorosos. Toda esta metodologia no desenvolvimento do site web poderá ser requisitada em uma investigação sobre um eventual incidente de segurança. A responsabilidade sobre um cookie de terceiros que está incorporado no site primário é do controlador do site primário.
A transparência exigida pela Lei
Todo cookie que contenha um dado relacionado a uma pessoa natural identificada ou identificável deve ser informado ao respectivo titular. Se um cookie com dado pessoal, mesmo um cookie de terceiros, vai ser gerado, este processo deve ser previamente informado ao titular. Tanto o propósito do cookie quanto qual dado pessoal vai estar armazenado devem ser informados claramente ao titular. Tudo deve estar claramente exposto no termo de aceite do tratamento dos dados pessoais.
O consentimento pelo cookie
O titular dos dados pessoais deverá consentir o armazenamento de cookies em seu navegador. O consentimento não deverá ser obrigatório e os efeitos da recusa deverão estar claramente explicados.
A aplicação da versão européia da Lei, a GDPR, tem influenciado a vigência da LGPD no Brasil. Lá, permite-se a exceção ao requisito de fornecer informações sobre cookies e de obter consentimento quando o uso do cookie for essencial e estritamente necessário para a prestação do serviço. Aqui, no Brasil, provavelmente esta prática também será regulamentada desta forma.
Ainda vale a pena usar cookies?
Sim, tanto pelo usuário (titular) quanto pelo desenvolvedor (controlador) do site web, o cookie HTTP é um recurso bastante útil. Ambas as partes obterão benefícios e facilidades na navegação web. A Lei não existe para dificultar ou proibir o uso da tecnologia, a Lei existe para regulamentar e garantir a proteção dos dados pessoais.
Os cookies de terceiros são os que deverão ter um motivo suficientemente plausível e transparente ao titular dos dados, já que muito provavelmente não serão essenciais para as principais funcionalidades do site web primário.
Os perigos do cookie
Um cookie, em si, não tem perigo algum ao usuário. Um cookie não é spam, não contém código executável e também não contém vírus. A informação contida em um cookie é gerada e consumida somente pelo próprio servidor web, nem mesmo o navegador do usuário utiliza tal dado armazenado. O cookie não coleta informação do computador do usuário.
Os golpes e as ameaças que ocorrem envolvendo cookies, são ocasionados pela invasão à máquina do usuário, ou pela interceptação da comunicação ao servidor, ou por um exploit malicioso no site. E estes tipos de incidentes podem capturar dados muito além dos dados armazenados em cookies. O cuidado será, pelo desenvolvedor do sistema, de pelo menos não depender exclusivamente do cookie para os mecanismos de segurança do site.
Com relação a privacidade e a proteção de dados pessoais, um principal importunamento dos cookies acontece em relação a propaganda e marketing, no registro das preferências do usuário e no rastreio das atividades online do usuário. Contudo, a exibição das propagandas por si só já torna algo bastante inoportuno (faltam-nos leis para regulamentar isso?) e os cookies até que ajudam a filtrar o que está exibido. Um problema será se ocorrer uma discriminação por causa das preferências do usuário, que foram coletadas mediante os cookies ou qualquer outra técnica. E isto é proibido pela LGPD.
Epílogo
Um cookie é, tecnicamente, sempre o mesmo objeto de dado, um conjunto de nome/valor mais atributos, enviado pelo servidor web, armazenado no navegador do cliente e reenviado ao servidor de origem. Seja cookie essencial, persistente, permanente, primário, direto, de terceiro, funcional, rastreador e o que mais existir de nomenclatura, sempre será uma mesma estrutura de armazenamento de dados no navegador web. Todos os propósitos de cookies possuem uma mesma segurança primordial inclusa, que é ser acessível somente pelo site e servidor web que o originou.
A possibilidade de armazenamento de dados no navegador web não está restrita ao cookie HTTP. Existem outras tecnologias como a API Web Storage e a IndexedDB, por exemplo. E ainda existem soluções baseadas no SQLite, uma biblioteca que implementa um banco de dados embutido. A LGPD, obviamente, se aplica a toda e qualquer tecnologia que realize o tratamento de dados pessoais.
Por isso, um bom senso deve ser aprimorado no meio jurídico em relação a redação e documentação para a transparência no termo de consentimento. Existem inúmeras tecnologias, limitar-se aos cookies torna-se incompleto e citá-las todas em um mesmo texto pode prejudicar a elucidação do propósito do tratamento. Está um certo vício esta preocupação pelos cookies sendo que há outras tecnologias, inclusive nem sempre similares. Esta sugestão engloba até a GDPR.
Talvez, quando tivermos uma boa Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) ativa, provavelmente toda Lei estará balanceada e ponderada por todo o universo tecnológico. Assim, os requisitos de adequação à LGPD estarão mais claros para todos os envolvidos. Bem como a eficaz proteção dos dados pessoais. A evolução da tecnologia da informação cresce exponencialmente e ficar centrado em um recurso dos anos 90 não é uma boa prática.
(Daniel Madeira, formado em Ciência da Computação, atualmente está se dedicando à nova Lei Geral de Proteção de Dados pessoais. Participou de palestras proferidas pela OAB, CIESP, e do curso de Proteção de Dados, ministrado pela LEC Academy. Possui, também, uma certificação em LGPD Foundation, emitida pela Itcerts Inc.)
Referências
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Brasil. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Lei nº 13.709, de 14 de Agosto de 2018. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13709.htm Acesso em: 10 de nov. 2020.
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