Rendas excessivas na habitação?        É a economia!
Vista do Alto de Sta Catarina sobre Lisboa

Rendas excessivas na habitação? É a economia!


                                                   “On ne peut pas avoir le beurre, l´ argent du beurre et…    le sourire de la crémière"

                                                                                                Proverbio francês do século XIX

1.Factos

O valor das rendas na habitação subiu, acentuadamente, nas Áreas Metropolitanas de Lisboa (AML) e do Porto, bem como no Algarve (16% na AML e 12,6% na AMP e Algarve). Nas Regiões de Coimbra, Leiria e Oeste, aumentou pouco mais de 5%.

Na AML, nas freguesias de Sta. Clara e Marvila, as rendas registaram uma mediana de 9 e 10 €/m2, respectivamente. As freguesias de Stº António, Misericórdia e Parque das Nações estão no extremo oposto com cerca de 14 €/m2. Todavia, as cidades de Coimbra, Gaia e Évora apresentaram valores próximos de 5,5 €. Enquanto Braga evidencia 4,8 €, Leiria 4,3 € e Guimarães 4 €/m2.

Tudo dados referentes ao 1º Semestre 2019, novos contratos de arrendamento de alojamentos familiares e crescimentos YoY reportados àquele período (fonte: INE, Estatísticas de Rendas de Habitação a Nível Local -1º S 2019).

Talvez não tenhamos que insistir em viver todos em Lisboa ou no Porto.


2. Causas

Rendas elevadas no sector imobiliário pode ser um indicador de prosperidade de uma cidade, região ou País. Destarte, as rendas são mais altas nos Champes Élysées ou em New Bond Street, do que na Av. da Liberdade ou no Chiado. E mais caras nestas últimas localizações do que na Av. do Uruguai ou na Estrada de Benfica. Por exemplo, o surf e o crescimento da actividade económica associada, provocou a subida de 15% na mediana das rendas em Peniche, passando de 3,62 €/m2 em 2017, para 4,16 €/m2 no final do 1º S 2019. Aloha, Peniche e Nazaré! Mantenham-se em lip, prosperando.

A subida das rendas em Portugal teve várias razões virtuosas. Sucedeu graças à atractividade de Lisboa, do Porto e do Algarve para residentes-investidores estrangeiros, em resultado de adequadas políticas implementadas de 2011 a 2015 (RNH e Vistos Gold). Assim, o País angariou investimento estrangeiro no imobiliário, o que aumentou o consumo, gerou mais emprego e mais receita fiscal.

Razões virtuosas ainda, pelo crescimento anual de entradas no País de turistas não residentes. Os registos sinalizam em 2015: 12,8 milhões de entradas, ascendendo para 22,8 milhões em 2018 (fonte: INE-Estatísticas do Turismo). Quanto a 2019 estima-se 24,3 milhões de entradas. Assim, parece ter incidido sobre Portugal a procura turística, dada insegurança em geografias concorrentes (Turquia e Norte de África, e.g.). Neste contexto, as nossas exportações em viagens e turismo, passaram de 11,4 milhões de Euros em 2015, para 16,2 mil milhões de Euros de Janeiro a Outubro de 2019. O crescimento do PIB em Portugal, nesse período, quase tudo deve à progressiva importância das receitas turísticas. Estas, pesaram no PIB 6,5% em 2015; 8,3% em 2018 e 8,7% em 2019 (fonte: BdP-Boletim Estatístico Dez. 2019; Pordata-Balança de Viagens e Turismo em % do PIB).

A cidade de Lisboa terá recebido 3,6 milhões de turistas internacionais em 2019 (63º lugar mundial). Porém, ainda abaixo, e.g., de Praga (9,1 milhões), de Atenas (6,3 milhões) e mesmo de Budapest (4 milhões) (fonte: Euromonitor International-Top 100 City Destinations 2019). Construa-se um novo aeroporto, que Lisboa tem atractivos suficientes para duplicar o número de visitantes internacionais, em benefício de todas as actividades económicas associadas ao turismo, das exportações, do emprego e do rendimento dos portugueses. Estudos sectoriais mencionam que, por incapacidade do aeroporto Humberto Delgado, estamos desperdiçar 1,8 milhões de visitantes internacionais por ano.

A procura turística, para além das receitas, gerou uma monumental reabilitação nos edifícios particulares situados nas zonas históricas de Lisboa e Porto. Até então, bairros degredados e moribundos quanto ao movimento de pessoas. Em Lisboa, os privados investiram 1.000 milhões de Euros de 2012 a 2018 na reabilitação dos seus imóveis, visando a sua colocação em Alojamento Local (AL). 60% desses activos estavam devolutos (fonte: AHRESP).

Também é certo que, a afectação das melhores localizações em Lisboa e no Porto ao mercado de RNH, Vistos Gold e AL e consequente subida de preços, levou a que a procura de habitação por parte de portugueses fosse empurrada para a periferia daquelas cidades. Tal provocou o aumento do valor das rendas também nestas localizações.

Sem o acentuado movimento interno de residentes estrangeiros e de turistas não residentes, a economia portuguesa teria apresentado enormes dificuldades em recuperar do ajustamento a que fomos obrigados pelo devaneio da despesa pública de 2005 a 2011. Irresponsabilidade esta, agravada pelas crises do Subprime e da Dívida Soberana.

O aumento das rendas no sector em apreço, deve-se, ainda, à escassez de oferta. De facto, é pouco atractivo o investimento para arrendamento como aplicação de poupança. Esses investidores estão numa armadilha legislativa que os transforma (desde a 1ª República) em “segurança social na habitação”. Colocarem uma casa no mercado, é sujeitarem-se a eventuais dívidas de inquilinos incumpridores e à demora de 4 anos dos tribunais para os despejar. Acresce, e não menos desincentivador, serem alvo fácil da incidência de impostos redundantes como o AIMI, de possível englobamento de IRS, de ameaças de impostos de sucessões e doações e de uma desconfiante instabilidade legislativa e fiscal. A Constituição da República menciona que todos têm direito a uma habitação, os investidores privados podem contribuir para assegurar esse direito, mas não num contexto de «falha de mercado» originada por más decisões legislativas do Estado.

Também o elevado preço dos terrenos, conjugado com altas taxas cobradas pelos municípios ou por políticas radicais de proibição de construção em altura, travam o aumento da oferta de imóveis para habitação.


3. Renda de Mercado*

Tomemos o exemplo: em Lisboa, um investimento num apartamento usado, com 95 m2 de A.B.Privativa, em zona para a classe C1, custa 330.000 €. A este valor, acresce o IMT, o IS e a escritura, num total de 18.500 € de custo adicional. Tem como despesas anuais de propriedade: condomínio, seguro, IMI e taxa de saneamento, somando 1.200 €. Para esta aplicação gerar uma rentabilidade de 3% (antes de IRS), a renda mensal será de 1.000 €. Cifra que corresponde a 10,5 €/m2, ou seja, em linha com os Factos apresentados no início.

O proprietário corre ainda riscos de crédito, de mercado e de danos patrimoniais. Parece assim que, uma yield de 3%, não classifica este negócio com tendo uma rentabilidade especulativa. Não se tratando, por isso, de uma renda excessiva.


4. Políticas Possíveis

A subida do valor das rendas no mercado de arrendamento não se contraria com os pacotes legislativos publicados no pós-2015. Aliás, o insucesso do Programa de Arrendamento Acessível é factual. O mesmo, foi criado em Maio de 2019 e, até há um mês, estavam em todo o País 298 (!) alojamentos inscritos. Talvez, a redução da taxa liberatória de IRS dos rendimentos prediais, por contrapartida dum contrato de arrendamento com maior prazo (Lei 3/2019), permita uma resposta positiva do mercado, se a burocracia não torpedear.

Caso a AR, o Governo e/ou Câmara Municipal, queiram baixar as rendas em Lisboa, criem condições para o aumento da oferta e facilitem a mobilidade em transportes públicos:

a) Coloquem no mercado de arrendamento todos os edifícios públicos e de propriedade de entidades tuteladas pela Administração Central e Local, que se encontrem devolutos e/ou subaproveitados. Criem absoluto desconforto fiscal para os proprietários de edifícios privados nas mesmas condições;

b) Autorizem a construção em altura onde as avenidas são largas;

c) Agilizem licenciamentos, baixem taxas, concedam aptidão construtiva em mais solos. Em contrapartida exijam qualidade na urbanização, na construção e na arquitectura, para que não seja deprimente morar nalgumas zonas como actualmente é;

d) Despejo em 90 dias para quem não pague a renda;

e) Estabilizem, por 30 anos, toda a tributação relacionada com o imobiliário e adoptem uma política fiscal que considere o investimento em imóveis como a forma do País aumentar taxa de poupança das famílias (14,8% em 1995 para 6,2% em 2019, fonte: Pordata e BdP);

f) Criem a rede de transportes públicos que for necessária para, num raio de 50 km do Marquês de Pombal, as pessoas poderem chegar ao seu posto de trabalho, no máximo, em 50 minutos. No regresso a casa, idem. Lisboa deve ser uma funcional cidade com duas margens, unidas por intensas carreiras fluviais, de metropolitano e de comboio.

Sobretudo, definam, implementem e controlem os resultados de estratégias que incentivem o aumento da produtividade, da competitividade e o caminho das empresas para segmentos de maior valor acrescentado. Tais medidas não baixarão as rendas de casa, mas permitirão pagar melhores salários, assim reduzindo a taxa de esforço das rendas.

Tudo isto, mutatis mutandis, é transversal ao País.


5. Recomendação

Livrem-se do “Salazar” que vive no subconsciente de quem governa, bem como nalguma opinião publicada. Através dessa cognição, tudo querem regular e condicionar. Libertem-se ainda do proteccionismo que dita igualizar, pela força, o que é desigual por natureza.

O objectivo de progresso económico atinge-se através de educação, incentivos e concorrência. O Estado deve inspirar confiança, promover o crescimento económico, actuar como supervisor e ser o recurso de cidadãos desfavorecidos.


6. Corolário

Portugal tem mais e melhor procura. Respondendo a essa procura, criámos valor com a requalificação de imóveis. A oferta de apartamentos passou a ser escassa em Lisboa e no Porto. Naturalmente, o valor das rendas aumentou.

Os mais cépticos devem recordar a variante, que ficou na história, da 2ª frase colocada por James Carville na War Room da vencedora campanha de Bill Clinton em 1992.


*Renda de Mercado: “montante mais provável, pelo qual, à data de avaliação, uma propriedade, após adequado período de comercialização e de acordo com as respectivas condições de arrendamento, poderá ser arrendada entre senhorio e arrendatário, decididas ambas as partes a actuem de forma esclarecida, prudente e sem coacção”. ©International Valuation Standards Council


 

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