A República e o Poder Moderador

A República e o Poder Moderador

Almir Pazzianotto Pinto

A Constituição Federal de 1988 é exemplo de prolixidade inútil. Apesar da extensão, que a torna confusa e alvo de intermináveis emendas, fiel à doutrina do Barão de La Brêde et de Montesquieu preserva a tripartição dos poderes da União, “independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário” (Art. 2º).

Não há referência à supremacia de Poder Moderador, ”chave de toda organização política, e delegado privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação e seu primeiro representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos mais poderes políticos”, conforme dicção do Art. 98 da Carta Imperial de 1824, editada por D. Pedro I.

A República Federativa do Brasil, “formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e Distrito Federal”, é Estado democrático de direito, “onde todo o poder emana do povo, que o exerce por meio dos representantes eleitos ou diretamente” (Art. 1º c/c com o Art. 2º). Não temos imperador “por graça de Deus e unânime aclamação dos povos”, como dizia o preâmbulo da primeira Constituição. Temos presidente da República eleito diretamente pelo povo, conforme prescreve o Art. 77.

A Câmara dos Deputados é composta de “representantes do povo, eleitos, pelo sistema proporcional, em cada Estado, em cada Território e no Distrito Federal” (Art. 45). O Senado Federal de “representantes dos Estados e do Distrito Federal, eleitos segundo o princípio majoritário” (artigos 45 e 46).

O Poder Judiciário não representa o povo. É integrado por juízes concursados no primeiro grau, promovidos por antiguidade ou merecimento ao segundo, ou indicados pelo Presidente da República para as cortes superiores, com o referendo do Senado.

São informações elementares, mas essenciais ao entendimento da organização constitucional do Estado democrático de direito. Logo, as Forças Armadas, constituídas pela Marinha, Exército e Aeronáutica, não podem ser consideradas quarto Poder, ou Poder Moderador. São “instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”, como se lê no Art. 142. O dispositivo em apreço pertence a extensa linhagem, originária dos artigos 145/150 da Carta Imperial de 1824, cujo Art. 14 dizia: “A força militar é essencialmente obediente; jamais se pode reunir, sem que lhe seja ordenado pela autoridade legítima”.

Entre as oito constituições, a que dedica maior espaço às Forças Armadas é a de 1988. É remota a possibilidade de as Forças Armadas serem convocadas para garantia da lei e da ordem pelo presidente do Congresso Nacional ou do Supremo Tribunal Federal. Se chegarmos a tal extremo, o Estado democrático de direito já terá soçobrado e com ele a Constituição da República.

Conforme determina o Art. 84, XIII, compete ao presidente da República “exercer o comando supremo das Forças Armadas, nomear os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, promover os seus oficiais-generais e nomeá-los para os cargos que lhes são privativos”. Em outras palavras, o chefe do Poder Executivo mantém as Forças Armadas sob controle.

Isto não significa, entretanto, que possa golpear a República e implantar regime ditatorial sustentado pelas armas. Os fundamentos do Estado de direito democrático não se encontram, como parece acreditar o presidente Bolsonaro, no ódio, na intolerância, na violência. Residem na disposição de homens e mulheres, pobres e ricos, jovens e idosos, para viverem em harmonia, em clima de respeito mútuo e de liberdade de opinião.

Se a sociedade civil admitir a barbárie política, religiosa ou econômica, com emprego da violência, se rebaixará ao plano dos califados atrasados e sanguinários. Não aceitamos que o capitão paraquedista escolha o terreno em que deseja travar combate com a sociedade civil. O nosso campo é o da legalidade, sob a primazia da Lei Fundamental.

Governar com fuzis e baionetas é próprio de autocratas sanguinários, de direita ou de esquerda, dos quais exemplos extremos foram Hitler, Stalin, Mussolini, Pinochet. Será para isso que o capitão Bolsonaro busca o apoio das Polícias Militares e das Forças Armadas?

O 7 de Setembro, Dia da Independência, não será convertido em data de louvação do candidato a ditador. Embora atacadas pelas costas, a liberdade e a democracia prevalecerão.

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Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho. OsDivergentes.com.br Brasília. DF.6/9/2021.

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