Respeito às "aspas"
Tive a satisfação de receber, na última semana, três elogios relacionados ao meu trabalho em jornalismo diário. Os três vieram de fontes, entrevistados com quem conversei e que se mostraram bastante surpresos com o fato de eu ter publicado exatamente o que me disseram.
Muito embora o ego fique inflado quando recebo feedbacks como esse, a sensação vem acompanhada de um pouco de decepção com o trabalho de colegas que, não raro, escrevem coisas diferentes daquilo que dizem os entrevistados.
Mesmo em uma conversa informal, nem sempre temos a correta compreensão daquilo que o outro diz. Em um jornal, porém, uma interpretação errada pode gerar enorme confusão, e afastar a fonte, que não se sentirá mais segura para repassar informações futuramente, ou não falará mais de forma tão aberta.
Não é a primeira vez que encontro entrevistados que manifestam incredulidade ao encontrar a própria frase no jornal. Muitos repórteres fazem uso errado das aspas, e acabam minando o próprio trabalho e o dos colegas. Muito embora a função principal das aspas, em minha opinião, seja dar dinamismo ao texto [porque a informação, por si só, não precisa estar entre aspas, desde que esteja correta], ela tem a obrigação de expor a forma de pensar do entrevistado, o que significa uma grande responsabilidade.
Se pensarmos as aspas apenas como elemento para a diagramação do texto, qualquer frase irá compor o material, e o entrevistado possivelmente se surpreenderá negativamente, vendo seu nome atrelado a uma opinião que não é exatamente a sua. Ele sairá às ruas pela manhã e, talvez, ouça o dia inteiro comentários sobre uma frase atribuída erroneamente a ele.
Já pensou que transtorno, passar um dia inteiro se justificando para os chatos de plantão, dizendo que foi um erro do jornalista e que sua opinião não é exatamente aquela publicada no matutino?
Muitos deixam de atender, não o jornalista que cometeu o erro, mas os jornalistas de uma forma geral. Há os que nunca mais aceitem falar ao telefone, porque acreditam que a distância gera interferências na compreensão [no que discordo]. Há os que preferem escrever, eles mesmos, e enviar a opinião por e-mail, e assim derrubam, sem querer, a chance de o repórter fazer novas perguntas ou complementar a informação durante entrevista.
Em suma, é um transtorno sem fim que, infelizmente, parte de muitos jornalistas. O desafio diário é manter a rotina de escrever apressado, porém com precisão. Dar especial atenção ao que diz o entrevista, ter certeza de que compreendeu bem o que foi dito por ele e não hesitar em refazer a pergunta. E, quando a opinião parecer muito impactante, sempre perguntar: "Posso publicar isso??" Em muitos casos, a fonte reformulará a frase ou pedirá para não publicar. Você pode perder uma manchete, mas não irá perder a fonte, que certamente irá lembrar desse seu cuidado em uma próxima conversa.
"Aspas, pessoal, digite com moderação".