Resposta ao “Lançamento do Diagnóstico sobre o Leilão Fóssil da ANP - 4° Ciclo OP” realizado pelo Instituto Arayara
Como ambientalista, gostaria de responder ao “Lançamento do Diagnóstico sobre o Leilão Fóssil da ANP - 4° Ciclo OP” realizado pelo Instituto Arayara, em que inúmeras alegações sobre os danos que esse leilão de áreas exploratórias traria ao Brasil e ao mundo.
Para quem assistir à apresentação do Instituto Arayara, lembro que entre as inúmeras alegações dessa entrevista, alguns pontos trazem desinformação para uma discussão que merece rigor técnico, já que os temas tratados são bastante técnicos e exigem um mínimo de conhecimento para sua discussão.
Isso se aplica especialmente ao fracking e aos supostos corais da Foz do Amazonas. Antes de um posicionamento contra atividades da indústria de O&G com base em desconhecimento e informações equivocadas, ou em termos que apelam para um posicionamento emocional contrário, como “bomba de carbono”, é necessário um mínimo de conhecimento em relação a esses termos, para uma discussão embasada em fatos e impactos verdadeiros (não imaginários).
O fracking (fraturamento hidráulico) é comum e amplamente realizado, sem impactos negativos nos ambientes da superfície ou nos aquíferos, a não ser em casos de reservatórios rasos (como em alguns nos EUA, mas que não é o caso em nenhuma área exploratória em tela no Brasil). Muitos estudos, inclusive por pesquisadores da UERJ, têm explicado o funcionamento do fracking na explotação do petróleo (o fracking não se aplica na exploração), e demonstrado que os supostos riscos alegados não representam riscos reais, já que a indústria de O&G há muito tempo emprega medidas operacionais padrão, para controlar possíveis impactos, como vazamentos para a superfície ou aquíferos. No caso de áreas offshore, a inexistência de regiões possivelmente impactadas pelo fracking nem justificaria tais preocupações.
Quanto à questão dos corais, é importante entender que em grandes profundidades e ambientes sem luz (zona afótica), os corais não se desenvolvem, apesar que possa haver formações (calcárias) compostas de seus restos, remanescentes de quando existiram em águas mais rasas, em épocas passadas. Na Foz do Amazonas, por exemplo, não se trata de um ambiente com corais vivos, apesar que qualquer fundo do mar pode abrigar uma fauna importante. Entretanto, o licenciamento de qualquer atividade da indústria de O&G já prevê os cuidados necessários para assegurar que seja minimizada a chance de impactos negativos aos ambientes com corais, ou qualquer outro ambiente.
Qualquer atividade industrial, ou de extração de recursos minerais ou energéticos, envolve possíveis impactos ambientais que devem ser, e são, mitigados através de medidas operacionais que a indústria adota como padrão operacional. Aliás, no Brasil, essas medidas de operação da indústria de O&G são de excelência, seja por parte da Petrobras ou pelas demais operadoras que operam blocos no Brasil. No licenciamento, o Ibama exige elevados padrões de estudos ambientais envolvendo muitos aspectos, antes de liberar licenças operacionais, e fiscaliza essas atividades após o início da operação. A ANP, por sua vez, também aprova os planos operacionais das operadoras, e fiscaliza seu cumprimento.
Quanto ao impacto sobre comunidades de moradores, em terra, naturalmente há que se considerar esse aspecto. Offshore, os impactos nas comunidades são uma consideração que os estudos prévios também devem considerar, e inclusive apresentar medidas de mitigação, monitoramento, compensações e contrapartidas. Devemos distinguir as práticas ambientalmente corretas e socialmente justas, daquelas que não têm esse viés, como em alguns países da África, onde governos ignoram tais preceitos em nome de facilitar negócios escusos. Não há como se alegar esse tipo de omissão de critérios ambientais e sociais aqui no Brasil.
Finalmente, entendo que devemos considerar e analisar as vantagens e desvantagens, incluindo os impactos ambientais, sociais e outros, das alternativas às atuais fontes energéticas que compõem nossa matriz energética, que no Brasil, é especialmente limpa, mas ainda conta com vários problemas. Todas as fontes de energia, inclusive aquelas tidas como limpas, têm seus próprios impactos no meio ambiente, em comunidades, e outras consequências. Eu tenho apontado a questão dos materiais que fazem parte dessas alternativas energéticas como uma das principais preocupações para a transição energética, que deve preceder o ponto de Net Zero. Nem por isso, devemos descartar essas alternativas, mas sim exigir que cada uma seja objeto de um rigoroso estudo antes de sua implantação.
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A bioenergia, tão importante no Brasil, por conta do uso da cana de açúcar para a produção de etanol e da soja e outros insumos do agronegócio para produção do biodiesel, também apresenta sérios impactos ambientais e sociais. A perda de solo fértil na produção agrícola desses insumos, por exemplo, ainda não foi equacionada em grande parte das regiões produtoras, e representa um enorme passivo ambiental que pode comprometer o futuro dessa produção. Isso, sem falar no impacto ambiental da conversão de áreas naturais, florestadas, em áreas agrícolas, e a enorme emissão de gases de efeito estufa, por conta da chamada mudança do uso do solo.
Outros critérios, como o trabalho infantil empregado na produção de elementos chave para muitas energias renováveis, ou o comprometimento da soberania e independência energética por conta do uso de materiais provenientes de países que dominam sua oferta, também deveriam ser observados, mas geralmente não são considerados na avaliação econômico-financeira desses projetos. Considerando que a perda de diversidade pode ser um problema ambiental global mais sério e iminente que o aquecimento global, não podemos desconsiderar o impacto negativo de nenhum projeto que possivelmente impacta negativamente essa imensa riqueza, em que o Brasil é afortunadamente um dos países mais ricos do mundo.
Dessa forma, faço um apelo para que sejamos mais criteriosos nas nossas análises e críticas sobre o desenvolvimento de quaisquer energias, aprofundando nosso conhecimento de cada caso antes de chegar a conclusões, e evitando posturas ideológicas ou infundadas.
Recentemente fiz apresentações em alguns programas em que mostrei a impossibilidade de substituir todos ou grande parte dos atuais investimentos em energias fósseis. Esses investimentos já são muito inferiores ao que seria necessário para manter a participação dos combustíveis fósseis na matriz energética do futuro, razão pela qual a indústria de O&G passa por um longo período em que houve baixíssima reposição dos recursos consumidos, que anualmente tiveram um volume muito superior ao de novas descobertas. Entretanto, é absolutamente ilusório esperar que esses mesmos investimentos, se investidos em outras fontes energéticas, produzam resultados que atendam a demanda global por energia, pois para quase todas as fontes alternativas, o Capex (investimento inicial necessário) por unidade de energia produzida é imensamente maior que para as fontes fósseis. Isso sugere que transferindo o investimento atual empregado em energias fósseis para outras energias resultaria em uma grande redução na quantidade absoluta de nova energia produzida. Por outro lado, nas energias que apresentam baixo Capex em relação aos combustíveis fósseis, como solar e eólica, há graves limitações de materiais, que podem impedir seu crescimento continuado. Nem por isso deveríamos deixar de investir em novas energias de diversos tipos, cada uma com suas características, mas a demanda energética dos próximos anos impede que essa transição possa ocorrer na velocidade esperada. Se quisermos evitar que o mundo experimente uma drástica redução no fornecimento de energia, vai levar anos, período em que novas tecnologias e novas fontes de recursos poderão enfim trazer mais energia renovável, e assim permitir realizar a sonhada transição energética. Sem ela, não será possível alcançar o Net Zero em 2050, porém com um desenvolvimento equilibrado de novas fontes, poderemos de fato alcançar o Net Zero em 2050. Entretanto, a imposição arbitrária de uma limitação aos combustíveis fósseis, mesmo aqueles menos poluentes, como o gás natural e o petróleo do pré-sal, um dos óleos com menor emissão equivalente de CO2 do mundo, apenas trará grandes conturbações econômicas, sociais e geopolíticas, e graves consequências para a segurança global.
Um outro ponto a considerar é a justiça social das políticas energéticas. Quando consideramos que mais de dois bilhões de pessoas do mundo estão na condição de pobreza energética, sofrendo as consequências da falta de energia para uma vida com conforto mínimo, e do uso de combustíveis como lenha de baixa qualidade e esterco animal em ambientes interiores, que matam milhões ao ano por doenças respiratórias e outros males, precisamos aceitar a necessidade de fornecer um mínimo de energia para permitir uma vida mais digna a essa população. Isso implica em ampliar o fornecimento de energia como medida de justiça social, não arbitrariamente exigir ou decretar a redução de fontes de energia que podem, no curto prazo, atender a essa parcela do mundo. Esse é um objetivo tão desafiador e necessário quanto o de alcançar o Net Zero através de uma transição energética para uma matriz mais limpa.
Escolhendo as alternativas disponíveis e com menores riscos, que caibam no orçamento dos investimentos globais disponíveis, num processo de hierarquização racional, podemos aproveitar ao máximo as condições que a natureza e a engenharia nos proporcionam, para desenvolver uma matriz energética mais limpa, sustentável, justa e com menos desvantagens.
E só assim! Não com reivindicações sem embasamento racional e técnico, desconsiderando necessidades sociais e globais, ou pautadas em uma postura ideológica pseudo-ambiental ou pseudocientífica. Exigências descabidas são contraproducentes e podem ser ambientalmente e socialmente ainda piores que os impactos de alguns dos projetos energéticos que sustentam a economia global atualmente.
Faço estes comentários como ambientalista, e ainda que alguns queiram questionar minhas credenciais de ambientalista como argumento em prol de suas posições ideológicas, não aceito esse questionamento. Lembro que o caminho para o inferno está cheio de boas intenções, mas o que nos pode aproximar de fato aos objetivos de um mundo mais sustentável, mais ambientalmente equilibrado e mais justo, é uma discussão pautada em fatos, na ciência, com sensibilidade social, mas sem emoções exageradas.