Retomada do emprego vai depender de medidas aplicadas agora
A doença é perigosa e assusta as pessoas, mas, particularmente no Brasil, perece que essa não é a maior preocupação.
O isolamento social perde aderência a cada dia, e a preocupação principal passa a ser os impactos econômicos, superando inclusive a preocupação com a saúde da população e da própria família.
Apesar de assustador, isso tem um motivo de ser. O Brasil é um país extremamente desigual, com uma concentração de renda brutal e uma camada social de extrema pobreza crescendo a cada dia. Por isso, já era esperado que as pessoas se preocupassem primeiro com o inimigo mais visível, nesse caso, a geladeira vazia, as contas vencendo e o medo de perder o emprego, principalmente os formais que ainda têm registro em carteira e benefícios.
Sabemos que estamos passando por tempos difíceis e ao que tudo indica, com a queda no isolamento social, a tendência é que a coisa piore muito. Porém, o ponto aqui não é dimensionar o tamanho do problema como eu faço nos meus relatórios de mercado. Aqui vou falar sobre a dinâmica do emprego em um cenário pós-pandemia.
O entendimento sobre o emprego:
É fácil perceber pelos artigos que escrevi ao longo dos últimos anos, que a percepção sobre emprego estava deturpada, e também que, o discurso pseudo-empreendedor de que o mais importante para o empresariado era a desoneração da folha de pagamento, era um veneno econômico, muito por conta da corrosão causada na rede de proteção social.
Essa crise que estamos vivendo, embora muito triste e desastrosa para muitas pessoas, veio para dar muita clareza a esse tema, já que os primeiros atingidos pela parte econômica da crise, foram exatamente os profissionais que estavam desempregados, ou em relações de trabalho informais. Entender o porque isso acontece é fundamental. Os modelos de negócios com relações de trabalho informais compensam a ineficiência da operação, com informalidade e exploração de mão de obra barata.
Por exemplo:
Um entregador de aplicativos, passa até 70% de seu tempo em ociosidade, ou seja, esperando que um pedido caia para ele, ou aguardando o preparo dos alimentos na porta dos restaurantes. Em uma jornada de 12 horas, significa dizer que 8 horas e 24 minutos do dia de um entregador é livre, mas ele não pode fazer outro trabalho, porque essas entregas são intercaladas, e o tempo ocioso não é concentrado em um mesmo período.
No modelo de negócio tradicional, se o custo por hora de cada veículo, ou entregador é de R$ 20,00, com a eficiência apresentada por esses aplicativos, a empresa teria que cobrar aproximadamente R$ 65,00 / hora. Isso significa que se da abertura do seu pedido até a entrega, a demora for de 30 minutos, o custo do frete do seu lanche seria maior que R$ 30,00.
Se essas empresas fossem capazes de administrar a eficiência delas, com 80 a 90% do tempo dos entregadores ocupados, o mesmo exemplo de frete custaria para você R$ 11,00, ou R$ 5,50 nas entregas de 15 minutos.
É uma questão matemática. O problema é que ser eficiente exige muito da competência das empresas, e essas empresas que buscam mão de obra barata não sabem competir com eficiência, elas competem usando a força monetária dos fundos que bancam prejuízos anos a fio até que eliminem a concorrência e possam operar sozinhas, sem nenhuma necessidade de eficiência operacional. Quem paga a conta são os trabalhadores da ponta, como entregadores e motoristas, que ganham menos de um salário mínimo e enfrentam condições precárias e insalubres de trabalho.
Apesar de sedutores pelo “preço baixo”, sabemos que esses modelos são nocivos e criam porosidade na estrutura socioeconômica do país. O melhor para a sociedade são empresas locais, que apostam no crescimento orgânico, investindo em eficiência e qualidade do serviço como diferenciais, e que dê a segurança da formalidade e remuneração digna para seus profissionais.
A volta dos empregos:
Chegamos ao X da questão: Quando, e como recuperar os empregos perdidos nessa crise?
Primeiro é necessário desconstruir o senso comum de que são as empresas que geram empregos. Isso é falso!
Não são as empresas que geram os empregos e tampouco os empresários. Na realidade, é a demanda que gera os tão desejados empregos. Explico:
Quando se abre uma empresa, por óbvio há a necessidade de uma quantidade de profissionais empenhados naquela atividade e essa quantidade difere de um negócio para o outro. Mas o que não muda de um negócio para o outro, é o fator gerador de empregos. Se o negócio não tem giro, não tem clientes e não tem vendas. Esse negócio não gera empregos.
Logo, a conta é simples, quanto mais dinheiro circulando, mais empregos serão gerados.
Pelo menos desde 2015 existe um lobby de empresários multimilionários e bilionários estadunidenses tentando dobrar o salário mínimo federal dos EUA. Eles acreditam que quanto maior o salário das classes mais baixas, melhor será a dinâmica das cadeias de consumo, isso porque as classes mais baixas dedicam um percentual maior de sua renda ao consumo, e esse incremento no consumo é capaz de gerar muitos empregos. A história nos brinda com casos conhecidos, como a criação da classe média consumidora na década de 1910, quando Henry Ford simplesmente dobra o salário dos colaboradores de suas fábricas, possibilitando que esses operários, mais do que comprassem seu sustento, mas que também pudessem adquirir algum nível de conforto, como os próprios veículos que fabricavam.
Por óbvio, mais dinheiro entrou em circulação, operários de outros setores queriam ir a todo custo para a Ford, então outras industrias se mobilizaram, aumentaram os salários e a classe média ficou consolidada.
Outro exemplo histórico de benefícios que os bons salários e a garantia dos direitos dos trabalhadores faz bem a economia e gera mutos empregos, foi o momento pós-crise de 1929, quando o presidente estadunidense Franklin D. Roosevelt surpreendeu o mundo ao recuperar a economia de seu país com o programa que ficou conhecido como "New Deal" ou Novo Acordo em tradução livre. O Novo Acordo de Roosevelt nada mais era do que uma "troca civilizatória". O Governo prometeu a redução de boa parte da burocracia e dos impostos, além de um massivo investimento para estimular a economia, enquanto os empresários assumiam a responsabilidade por salários mais justos, condições de trabalho dígnas e alguns direitos para os trabalhadores como limite da jornada de trabalho.
Nick Hanauer, um empresário bilionário, costuma ilustrar essa situação com o seguinte raciocínio:
Quando um trabalhador médio vai a um restaurante ele consome 1 refeição, e quando entra em uma loja compra um par de calças. O Nick quando entra em uma loja também compra um par de calças e nos restaurantes, embora mais sofisticados, consome apenas uma refeição. A diferença nesse caso, é que Hanauer ganha por mês em média 1.000 vezes o que ganha um trabalhador médio. Hipoteticamente falando, para satisfazer muito bem todas suas necessidades e manter um padrão luxuoso e seguro, Hanauer gasta 10% de sua renda, enquanto o trabalhado médio dos EUA gasta 100% da sua renda para o sustento básico da família, 30% ou mais, apenas com moradia.
Nesse contexto, se a renda do trabalhador médio sobe 20% isso irriga a economia e gera muito mais empregos do que se a renda média das classes mais altas subir 100%.
Depois que se entende essa lógica de que a renda gera consumo, que por sua vez, gera emprego, que por sua vez gera mais renda e alimenta um ciclo virtuoso, fica muito explícito o motivo que mantém economias, como a Alemã, estáveis há tantos anos, mesmo tendo um dos custos de folha de pagamento mais altos do mundo, superando inclusive o modelo CLT brasileiro que vigorava até 2015.
Isso também explica porquê a fase de maior valorização do salário mínimo brasileiro, coincide com a maior fase de crescimento econômico e menor taxa de desemprego da história do país.
No final disso tudo, a recuperação dos postos de trabalho dependerá do caminho que as políticas econômicas tomarão.
Se a agenda econômica seguir aliviando as regulações e permitindo a precarização das relações de trabalho, inclusive com pagamentos abaixo do salário mínimo como tem acontecido, então a capacidade de consumo da população não vai se recuperar, e o país não sairá dessa crise tão cedo. Corremos o risco de descer a ladeira.
Já se a agenda de políticas econômicas seguir por uma reforma tributária forte, com uma tabela progressiva e mais agressiva sobre renda e propriedade, desonerando a carga tributária sobre o consumo, a situação melhora mais rápido.
Com a tributação agressiva sobre lucros e dividendos – medida que atinge, na pior das hipóteses, apenas os 10% com maior renda da população – além de aumentar a arrecadação, a União fica em condições de investir muito mais na infraestrutura, o que também movimenta a economia e gera mais empregos. Como aconteceu com o New Deal.
Se novas normas impedirem essas relações informais como as existentes entre entregadores, motoristas e aplicativos, por exemplo, a economia também fica mais dinâmica. A renda do trabalhador vai aumentar, as empresas vão crescer um pouco mais devagar e isso vai abrir espaço para mais concorrentes, mais empresas, mais empregos, mais dinheiro circulando, mais consumo e mais segurança econômica para o país.
Se endurecer a legislação, as empresas fecham?
Um dos principais argumentos apresentados para defender a flexibilização das leis trabalhistas é que se isso não for feito as empresas vão quebrar, ou vão abandonar o país e isso implicaria na extinção dos empregos e recessão econômica. Será?
Não, definitivamente isso não aconteceria. A lei do mercado é o seu tamanho. Nenhuma empresa sairia do Brasil por terem que seguir as leis. O país sempre teve leis rígidas e foi solo fértil para milhões de empresas.
Você consegue imaginar a Ambev fechando suas fábricas e saindo do Brasil se o custo da folha ficar 10% mais caro?
E se 40% de Imposto Renda fossem cobrados sobre os R$ 18,8 Bilhões que foram distribuídos entre os acionistas do banco Itaú em 2019, será que o banco iria embora daqui e deixaria os R$28,4 bilhões de lucro líquido/ano para trás?
Eu sou defensor que todas as tributações sejam progressivas, isso faz bem a concorrência e estabilidade econômica. O país precisa subsidiar e aliviar a carga tributária, inclusive as que incidem sobre a folha de pagamento para as pequenas empresas, mas não é razoável que bancos que chegam a lucrar R$ 290.000,00 por funcionário, peça incentivos fiscais e desoneração da folha de pagamento.
Observe no gráfico que eu preparei abaixo, a discrepância de Lucro / Colaboradores entre os bancos públicos, os bancos privados e outras grandes empresas do Varejo. E isso não é uma questão de eficiência, é reflexo de um vício do mercado bancário brasileiro, que praticam taxas de juros que são verdadeiras anomalias econômicas:
Uma coisa é certa, as empresas precisam muito mais de uma população com poder de consumo ativo do que de um mercado sem regras. O país precisa muito mais de uma população que tenha condições de pagar R$ 11,00 de frete sem reclamar, do que uma população com tanta dificuldade financeira, que escolhe o que vai comer pelas promoções disponíveis e não pelo desejo que tem.
Para a perenidade e sustentabilidade das empresas, é muito mais eficiente tirar a carga tributária do consumo, do que desonerar a folha de pagamento.
Claro que alguns empresários vão discordar dessa visão, principalmente os grandes empresários, mas nesse caso a prática comprova meu ponto. Esses empresários ganharam muito mais dinheiro quando as leis eram mais rígidas e o poder de consumo da população era maior. Porque o que dita o tamanho do mercado, é a capacidade de consumo dos cidadãos. Esse desejo de acumulação sem limites precisa ser domado.
O motivo que leva grandes empresários (Lê-se: Empresários que tiram mais de R$ 5 milhões em renda anual) a reclamarem tanto do custo da folha de pagamento, e falarem tão pouco sobre a desordem tributária do país, é que eles ganham muito com isso. Enquanto o trabalhador médio paga 27,5% de I.R. todo mês quando ganha mais de R$ 6.000,00, o grande empresário compõe quase toda sua renda em saques de lucros e dividendos sem tributação nenhuma. Para as empresas e para os micro, pequenos e médios empresários, o sistema tributário atual é péssimo, mas para os empresários de grande porte, uma mudança nesse sentido não é tão bom negócio assim.
Até que vem uma crise como essa, e nos mostra que o problema estrutural é tão grave, que nem as próprias empresas conseguem se segurar em um período um pouco mais longo de instabilidade, como o que vivemos. Gastam fortunas com a folha do alto escalão (diretores) e distribuição de lucros e dividendos, mas ao menor sinal de crise ficam de joelhos por uma ajuda da União, do Estado.
Já a segurança que eu tenho de que essas mudanças não vão piorar o cenário, se apoia em dois pilares.
1 – As empresas não estão dispostas a abrir mão de uma massa consumidora de 100 milhões de pessoas. As empresas podem ir, mas o mercado consumidor ficará e a demanda seria rapidamente atendida pelas empresas restantes ou novas empresas que invariavelmente explorariam esse mercado;
2 – O fortalecimento do mercado interno gera resultados muito rápidos e sensíveis. As empresas voltariam a crescer antes mesmo de conseguirem encerrar suas atividades, o que provavelmente logo acalmaria os ânimos, a não ser dos grandes empresários (pessoa física) que passariam a ser tributados proporcionalmente aos seus ganhos, independentemente da origem desses ganhos.
Distorções de percepção:
Perceba que ao passo que o lobby por desoneração na folha de pagamento cresce a cada dia, cresce também a distorção de salários nas empresas.
No nível operacional, as grandes empresas apelam cada vez mais para o uso da informalidade, terceirização, “pejotização”, sonegação de impostos e qualquer outra estratégia que reduza o peso da folha de pagamento. Já no topo da hierarquia empresarial salários muito altos e injustificáveis são pagos sem a menor cerimônia.
Na cultura de “startups”, por exemplo, é comum ver o C-level da empresa (CEO, CFO, CTO, CMO etc) ganharem salários 15, 20, 30 vezes maiores em relação ao salário do nível operacional da empresa, mesmo em startups que operam em prejuízo e uma eficiência baixíssima como eu apontei.
Como praxe de mercado, talvez não haja nada de errado nisso, mas racional isso não é, porque matematicamente falando, é muito difícil conceber um profissional que seja 30 vezes, ou 3.000% mais produtivo, mais criativo, mais rápido, mais competente, mais inteligente ou mais eficiente que outro.
Imagine que um supervisor comercial ganhe 30 vezes menos que um COO, isso só seria justificável se o COO fosse capaz de acompanhar 30 vezes mais funcionários, gerar relatórios 30 vezes maiores e melhores, ter ideias 30 vezes mais funcionais, 30 vezes mais formação ou capacidade de treinar equipes 30 vezes mais rápido.
Na prática é dizer que se o supervisor tem 10 subordinados diretos, o COO teria pelo menos 300; Se o supervisor faz ou interpreta 4 relatórios por mês, o COO precisaria ser capaz de fazer ou interpretar 120; Se o supervisor inova em 2 processos por mês, o COO teria que inovar em 60; Se o supervisor tiver ensino superior completo, o COO teria de ter um repertório equivalente a 120 anos de estudos. Para cada R$ 1,00 de retorno que um supervisor dá para a empresa, o COO teria de dar R$ 30,00. Qualquer pessoa razoável sabe que isso é quase utópico.
Isso definitivamente não é racional, porque não existe profissionais capazes de performar 30 vezes mais que colegas de trabalho em mesmas condições, o que existe é gente 30 vezes mais bem relacionada, gente que sabe “puxar-saco” e gente herdeira (Lê-se: pessoas com bom estudo bancado pelos pais em boas instituições). Mesmo assim, nenhum desses tipos consegue performar 30 vezes mais que outros colegas de trabalho em mesmas condições. Também não se pode dizer que essa remuneração é pelas responsabilidades que eles carregam, já que não são penalizados quando erram ou deixam de entregar o resultado necessário.
Com tantas distorções, irracionalidades e ineficiências, não é por acaso e nem por causa da folha de pagamento que as empresas quebram. A taxa de mortalidade das startups é a maior taxa de mortalidade dentre todos os modelos comerciais conhecidos (Franquias, redes, cooperativas, negócios locais etc).
Saber o que vai acontecer, eu não sei, mas temos que decidir: Daqui para frente queremos um futuro de solidez socioeconômica; ou se queremos continuar sendo um paraíso fiscal com um modelo econômico que incentiva a desigualdade e alimenta um Mercado que se desmancha ao menor sinal de crise, levando famílias inteiras ao colapso social.
Psicólogo Clínico / Psicoterapeuta Online
4 aAchei a parte da "distorção de percepção" fantástica! E você tocou em uma dúvida que me era levantada quando eu comentava sobre sua visão com outras pessoas: a ideia de que se houver taxação progressivo nas rendas (não sei se é bem assim que fala) os grandes empresários irão abandonar o país. Obrigado e parabéns!