A REVOLUÇÃO DO CAPITÃO

A REVOLUÇÃO DO CAPITÃO

Moro virou político, o ministério do Capitão já bate 22 pastas e o presidente do partido do Salvador já aconselha o próprio a esquecer o passado de escândalos de siglas amigas em nome da governabilidade. Poderia haver algo mais diferente?

Certa feita, quando já era engolido pelo escândalo de Watergate, Nixon, em uma de suas noites de delírio pré-renúncia, dirigiu-se ,sem avisar o serviço secreto, às escadarias do Lincoln Memorial, em Washington. Queria ouvir, de estudantes que ali acampavam em protesto contra seu governo, as razões de tanta animosidade. Tentou explicar-lhes que o sistema é uma Besta, um monstro com o qual os governantes precisam estabelecer um pacto de convivência antes que sejam devorados sem a menor cerimônia. Do alto de sua rebeldia , os universitários deram de ombros em uma das únicas oportunidades de ouvir Nixon falando algo verdadeiro. O cavalo passou arreado e não perceberam.

Nixon conversa com estudantes ativistas que criticavam seu governo em ato no Lincoln Memorial: "o poder é uma Besta"

Ainda que costume, junto da  parentada histriônica,  ouvir as esquisitices de Olavo de Carvalho, Jair, o Patriota que vendeu, durante a campanha, uma política diferente; aos muitos (e não aos poucos, como até os mais fidagais adversários esperavam) está percebendo que no mundo dos vivos as certezas do Twitter e as convicções do WhatsApp não resistem ao menor sorriso de um Valdemar da Costa Neto. Jair prometeu uma esplanada de 15 ministérios. Vai bater continência no dia 1o de janeiro em uma que já tem, confirmadas , 22 pastas. Temer, que vai lhe entregar o cargo, governou com 29. As diferenças em relação ao resto da humanidade não páram por aí. É um desfile prêt-à-porter de caudalosas evidências. Moro, o paladino, virou político muito embora considere o cargo de Ministro da Justiça de natureza técnica. Tese que é confirmada quando se vê o ex-juiz do Santo Ofício afirmando, com a sinceridade de um Leão de Chácara, que Onix é um bom homem que já se desculpou pelos erros cometidos e seu chefe,  o Presidente, é uma pessoa moderada. Cansado de levar bola nas costas, Moro decidiu entrar em campo, onde se exige, como se sabe, que se vista a camisa do pagante. Jair, o Patriota da política diferente, nomeou generais para cercá-lo em um cordão sanitário contra os achaques da velha política. Ato contínuo e ao mesmíssimo tempo, o presidente de seu partido, o PSL, tem afirmado que o eleito tem de esquecer o passado de escândalos de siglas amigas , como o PSD e o PR, para buscar apoio. Como se vê , dará tudo certo. Sem a menor turbulência. Mesmo porque, Jair, que se elegeu criticando o cinismo da oratória  “eu não sabia” de Lula, tem repetido,  com franca frequência, que desconhece certos assuntos, como por exemplo a investigação aberta pela Polícia Federal para apurar suspeitas de irregularidades que teriam sido cometidas por seu futuro superministro da Economia, Paulo Guedes, na gestão financeira de fundos de investimentos. “Eu desconheço isso aí”. Jair também prometeu governar sem ideologia. Nesse inocente sentido, em seus esforços para emplacar como Trump dos Trópicos, anunciou o desejo de transferir a Embaixada Brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, exatamente como fez o amigão da Avenida Pensilvânia 1.600. Dizem que diante da sábia decisão, a  festa entre os produtores brasileiros de proteína animal que abastecem os mercados árabes não tem hora para acabar. O mundo de Jair é mesmo diferente, As milícias digitais do Capitão foram à loucura quando viram seu Grande Guia, em incontestável prova franciscana,  servir o assessor de segurança nacional dos EUA com   danoninho, bolo de fubá e mussarela fatiada  em uma mesa sem toalha. Ele só pode ser um de nós. Falar sobre estética do estoicismo e marketing da simplicidade é coisa de conspirador e subversivo. Nos idos de 60, o marido de Eloá Quadros também sacava do paletó coberto por caspa sanduíches amassados de mortadela. Tudo , é claro, na maior sinceridade. Jair é um revolucionário. Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás. 



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