Rogue One: Star Wars para adultos
Uma análise de Pedroom Lanne
Todos sabem em sã consciência que a cinessérie Star Wars de George Lucas é um filme para crianças, ou infanto-juvenil se quer que sejamos mais precisos. Alguns classificam a série como ficção-científica mas se trata de um erro, não há discurso científico na película, de modo que a descrição mais correta seria de um filme fantasia de classificação livre – para ser visto pela “família”, como dizem.
Eis que Rogue One, a mais recente película do universo Star Wars atualmente em cartaz, tenta deixar a mera fantasia de lado, embora ainda não seja um filme de sci-fi, para agradar um público mais adulto, em parte o mesmo que curtia essa história quando criança e agora é barbado e/ou se depila – se não na classificação de idade, na construção dos personagens, conforme refletiremos a seguir. Se isto é bom ou ruim, cada um tem a sua opinião, já que, se o filme foi feito pelo pessoal adulto que assistiu tudo desde o princípio nos anos 70 e 80, a nova estética de Rogue One também é construída conforme o padrão hollywoodiano e o gosto do público atual: com mais ação e menos blá, blá blá melancólico, mais violência e menos inocência.
O teor fundamental de Star Wars está 100% contemplado em Rogue One. Mais uma vez, o drama entre pai e filho, ou filha, é o xis da questão que norteia a trama. Tudo que se viu nos filmes anteriores, se vê neste também: aqueles destróieres aparecendo na tela em imponente perspectiva, batalhas espaciais entre x-wings e tie-fighters, a Estrela da Morte destruindo planetas, Jedis utilizando sabres para combater seus inimigos etc, etc... Até a composição dos personagens segue a mesma fórmula de sucesso dos filmes anteriores: uma jovem que ainda acredita no bem de seu pai quando ele já está trabalhando para lado obscuro há décadas; um mercenário que acaba simpatizando com a causa dos Rebeldes; um cara grandalhão, bom de mira e briga, que segura a bronca, tão cabeludo quanto Chewbacca, embora não seja um Wookiee; e um pseudo-Jedi que, na estética do novo filme, aparece como o perfeito estereótipo do que os gringos chamam de “freak”, todavia, não fosse ele para desviar os blasters tava todo mundo – sem o perdão da palavra, já que o filme é pra adulto – fodido. Ahh, sim, claro, não podemos esquecer o robozinho que sempre acompanha a galera, faz papel de palhaço para o público e, no fim das contas, é o verdadeiro herói que salva todo mundo no clímax da história, a diferença, desta feita, é que se trata de um robozão.
Vale lembrar que a história se passa no intervalo entre os episódios III e IV da cinessérie tradicional, ou seja, entre o extermínio dos Jedis pelo sabre de Darth Vader e o surgimento de Luke Skywalker, quem em paralelo aos acontecimentos em Rogue One ainda se resumia a um jeca-tatu que trabalhava como boia-fria para seu tio em Tatooine, de modo que, em tese, não há mais Jedis na galáxia, exceto os do lado obscuro, Obi-Wan Kenobi, que permanece escondido vigiando Luke em seu planeta, e Yoda, refugiado em Dagobah. Mas se não tem Jedi, pra quê Jedi? Pensando bem, pensando como adulto, aquele papo dos Jedis, da “força”, aquele lema do “não tente, faça-o ou não faça-o”, aquilo tudo é um grande besteirol fantasioso, que não passa de uma infantilização da filosofia de Yin e Yang, coisa de “freak” conforme o linguajar estereotipado do filme e clichês que fazem do bullying ou de um tiroteio, ainda que seja “rainho” e não bala, algo tão banal quanto à ausência de um significado mais profundo para a história. Por outro lado, talvez a ilustração do pseudo-Jedi em Rogue One seja um mea-culpa que reflete a percepção em torno da questão dos Jedis, já que qualquer pensamento mais amadurecido tem dificuldades em conceber como um grupo de cavaleiros empunhando espadas possa realmente fazer a diferencia em uma enorme galáxia e, mais, não mais aquela filosofia sobre os “desígnios” da Força engana alguém, talvez uma criança, mas não um adulto. No fundo, qualquer um sabe que os Jedis são meros policiais, no máximo, não passam de uma guarda pretoriana um pouco mais zen que a dos romanos. Só que o lance dos Jedis ganhou tal dimensão que não dá mais pra voltar atrás, até porque na continuidade da saga tem toda aquela história do retorno do Jedi, então, a essa altura, não tem mais como “descontar” o que já foi contado e recontado, faz e sempre fará parte do universo Star Wars. Em função disso, a figura do Jedi não poderia estar ausente em Rogue One como não está, mas aparece bastante ironizada e até ridicularizada, pode-se dizer que, até, seja uma expressão metalinguística dentro da linguística mais adulta da nova película.
Todavia, o caractere que mais ilustra o cunho adulto da nova película de Star Wars é o robozinho que engloba os protagonistas da história. Tão quanto o famoso C3PO, o robô de Rogue One se trata de um personagem carregado de humor, mas, ao contrário das películas anteriores, não pode ser descrito com o diminutivo “inho”, e sim “ão”, até porque se trata de um robô que fazia parte do Império, mas acabou “formatado” pelos rebeldes e assim passou para o lado do bem. O robô não tem mais a inocência de C3PO no trato com os humanos, pelo contrário, zomba deles e os desobedece, faz piadas politicamente incorretas e, eis a novidade, porta seu próprio blaster e manda raios pra cima dos inimigos ou soca suas cabeças sem a mínima dó, ou seja, não tem mais a inocência dos outros robôs que já estrelaram Star Wars (ou o gungan Jar Jar Binks que faz esse papel em Star Wars I). Por outro lado, o robô se mostra bem mais inteligente que seus antecessores, inclusive, mais perspicaz que os próprios humanos da história, mais um detalhe que ratifica o cunho adulto da película, já que na atualidade o conceito de AI já é algo bem disseminado e, talvez, não caiba mais relevar os robôs a uma categoria inferior a dos humanos, já que se espera que uma entidade AI seja melhor e mais inteligente que nós, seja para o bem ou para o mal.
Apesar da construção da nova película voltar-se para um público mais adulto, conforme dissemos, também se volta ao público infanto-juvenil, por isso questiona-se se é bom ou ruim se retirar a “inocência” de certos personagens típicos de Star Wars ou ironizá-los, talvez essa seja a expressão cinematográfica de um mundo cada vez mais violento e injusto, que deixa uma mensagem de conformismo com o lado obscuro, não dos Jedis, mas de nós mesmos, como se o mal nunca pudesse deixar de existir e essa seria a sina de nossa existência – só nos resta cada um portar seu próprio blaster e se defender como for possível. Uma questão que fica para o público julgar.
Embora esteticamente construído para adultos, não podemos deixar de ressaltar que os elementos que compõem a história e a trama de Rogue One são os mesmos que consagraram a cinessérie através das sete películas anteriores, ou seja, ver o novo filme, é rever Star Wars sob novos efeitos especiais mais bem feitos a cada novo filme que é lançado. Nesse sentido, não há nada de maior destaque do que rever atores já falecidos reaparecerem na tela reconstruídos através de computação gráfica. A aparição de Peter Cushing, falecido em 1994, que estrelou a primeira película em 1977 (interpreta o Governador Tarkin que comanda a Estrela da Morte), ator ficou famoso pelo papel de Van Helsting, o caçador do vampiro Drácula (interpretado por Christopher Lee, que estrela Star Wars II e III no papel do Conde Dooku) entre as décadas de 50 e 70, dá até um calafrio para o expectador que conhece sua carreira como se o mesmo tivesse trocado de papel e fosse ele o vampiro capaz de renascer a partir das cinzas. Mas a arte de rever os mortos através da computação gráfica (embora fique muito aparente se tratar de uma) tem seu clímax com a aparição da Princesa Leia, interpretada por Carrie Fisher falecida há poucos dias no final do ano passado (2016), como se sequer permitissem a atriz descansar em paz. Tão quanto interessante, a aparição desses “fantasmas” carrega algo de sombrio, talvez para a própria classe dos atores, quando mais uma vez se reabre a perspectiva de que um dia serão prescindíveis e o cinema será uma arte puramente digital. Independente disso, sem dúvida a aparição de Peter Cushing e Carrie Fisher como animes de computação gráfica têm um forte impacto para quem assistiu Star Wars lá no princípio nos anos 70 e 80, e agora os capta através de uma figura digital como se inocentemente nos quisessem fazer crer que a morte pode ser driblada, como se o ser vivo fosse inferior à arte gráfica – não seria mais fácil simplesmente substituir o ator? Afinal, não somos mais crianças, sabemos que é só um filme, podemos descartar essa obsessiva fidelidade a realidade na exibição do caractere, sabemos que essas pessoas não estão mais aqui entre nós. Claro, há outro prisma para compreender isso, como uma homenagem aos que se foram ou de manter sua arte viva além da morte, de qualquer modo, é algo que dá o que pensar, eis que o filme, como experiência, não foi tão banal assim.
Por fim, é no fim da película que qualquer dúvida sobre o cunho adulto de Rogue One se escancara de vez, afinal, quer coisa mais adulta do que assistir todos os protagonistas, sem exceção, morrerem no final da história? E me desculpe se cometi spoiler, você que foi inocente em crer que eu não faria. Bola pra frente, pois, eis que ser adulto é deixar a inocência pra trás e se conformar com o fato de que a vida também é feita de reveses.