Só um incidente nos salvará

Passados os cem dias do governo Lula, nada mais nos surpreenderá. Da invasão intencional às sedes dos Três Poderes, no dia 8 de janeiro, à instalação da CPMI, nesta semana, para investigar os fatos golpistas, as esperanças de mudanças de um clima de ódio e revanchismo para um ambiente colaborativo de reconstrução da paz interna e de retomada do desenvolvimento se desvaneceram.

As pesquisas de opinião pública indicam deterioração na avaliação do governo Lula, de fevereiro a abril. Investigação do Instituto Quest mostra queda de 40% para 36% de aprovação do governo e aumento de 20% para 29% de desaprovação. Essas variações são mais amplas, quando considerado o voto do entrevistado no segundo turno. Maiores, nos eleitores de Bolsonaro, menores, mas não insignificantes, nos eleitores de Lula.

Eu diria que a desaprovação cresce mais entre aqueles que esperavam um governo construtivo. No entanto, suponho também que este fato não se constitui ainda em esperança para que se possa imaginar que está em curso a formação de uma terceira via. Creio que indica hoje a decepção com o rumo da política brasileira.

Não devo desprezar a importância da vitória de Lula para a resistência à ruptura institucional e à quebra dos pilares da democracia. O que não é pouco, nem, contudo, basta. Os problemas políticos, sociais, econômicos e ambientais estão a exigir ações políticas profundas e eficazes. O Congresso Nacional agora será a arena da guerra do ódio, estimulada nas redes sociais.

Nas últimas décadas, as vitórias de presidentes populistas foram interrompidas apenas uma vez, em razão do Plano Real. Fernando Henrique Cardoso, em suas próprias palavras, foi o improvável presidente do Brasil. O PSDB, que representou, em grande medida, o voto moderado, não extremista, não foi causa, mas consequência da eleição de FHC. A bancada tucana na Câmara dos deputados, constituída de 38 membros, em 1990, subiu para 63, em 1994 (primeira eleição de FHC) e atingiu seu ápice, com 99 deputados, em 1998 (reeleição de FHC); depois veio caindo paulatinamente a cada eleição, encolhendo para 13 deputados, em 2022. No Senado, o declínio foi semelhante. De 23 senadores, em 1998 (sua maior bancada), para 4, em 2022 (sua menor bancada). A experiência do PSDB pode ser um indicador da insignificância política atual de uma possível alternativa moderada no Parlamento que venha a empolgar novos eleitores. O Congresso Nacional representa predominantemente a combinação de interesses privados e locais com opiniões extremistas.

Não se pode esperar dos partidos políticos e, em consequência, do Congresso Nacional, posições equilibradas que visem aos interesses coletivos da nação. Nas condições atuais, o debate político estará, mais ainda, polarizado pelo ódio. Só um acontecimento imprevisível nos salvará.

Pensar que a salvação estará no acaso é mais uma vez sinal da nossa incompetência em formar e eleger bons líderes públicos! Que venha esse incidente!!!!!!

Paulo Ledur

Geólogo do Petróleo - aposentado

1 a

Meu caro, a bola está com o governo. Meio murcha sim, mas precisa saber conduzí-la com maestria. Se em 2003 Lula assumiu com a economia mundial em expansão onde a China comprava tudo e os preços das commodities em alta, surfou uma onda perfeita. Agora a situação é oposta. Note que o dólar esteve alto no início dos dois mandatos, mas com medidas acertadas no primeiro governo Lula o dólar cedeu, tanto que em 2012 até cedeu demais chegando a 1,50. Agora, se os economistas no poder não mostrarem bastante habilidade e criatividade a vaca irá para o brejo. Dependemos de estabilidade cambial, medidas de controle da inflação e crescimento econômico, caso contrário a parte da população que está no lado da gangorra exportadora nadará de braçadas e a população do lado da gangorra do consumo com preços altos vai penar. O agro está no lado alto da gangorra favorecido pela demanda e câmbio favorável. Nos anos 90 era o contrário, até o rei da soja faliu...

Vivemos de saudades de tempos ótimos que não existiram ou foram tão efêmeros que desapareceram por conta de brisas econômicas e da obtusidade de insistir em pessoas e fórmulas que ou nos atrasam ou nos levam a esborrachar-nos no chão em vôos típicos das galinhas. O básico de uma sociedade, da república e da economia nunca foi e nem tem prioridade para ser feito. Complemento que precisamos não somente de um fato imprevisível mas de uma cadeia de fatos imprevisíveis positivos e de muito baixa probabilidade de ocorrerem na sequência e timing necessários para escaparmos dessa prisão kafkiana.

Steve Scheibe

Presidente, All Abroad, consultoria internacional. Seu ponto de apoio na America do Norte

1 a

Paulo, compartilho mas com uma pitada de otimismo. A sociedade civil movimenta um pouco, ha a possiblidade de resgates na questao de Amazonia, as demandas para reducao das desigualdade sao nitidas, ainda ha bons quadros na administracao publica em 3 niveis, e quem nao partiu fica e vai trabalhar. Temo o acontecimento imprevisivel mas pode acontecer.

Ricardo Guedes

CEO and founder of SENSUS - Ph.D. from The University of Chicago

1 a

Perfeito, concordando

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