A saúde pública no Brasil tem recursos suficientes?
Pode parecer uma pergunta idiota, especialmente para quem já visitou um posto de saúde precário ou viu aquela reportagem que mostra as condições complicadas de um hospital ligado ao SUS (com pacientes dormindo no corredor, por exemplo), mas é importante fazê-la.
Com as finanças públicas em dificuldades, alguns afirmam que a saúde pública já tem muitos recursos, e é tudo uma questão de melhor emprego dos recursos para ela funcionar melhor, ou seja, é preciso melhorar a gestão.
Vamos colocar esse argumento à prova ao analisar o Brasil junto aos países com melhores desempenhos em saúde, medidos pelo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano).
Nota-se claramente que o Brasil está abaixo da maioria desses países com bons sistemas de saúde, pois nesses governos são investidos em média 7% do PIB em saúde, enquanto o Brasil, 3,7%. Os mais críticos diriam que é preciso ver as despesas privadas do país com saúde para tornar a análise relevante. Sem problema:
A figura não muda radicalmente ao analisar essa peça de evidência com a inclusão de gastos privados, e pode-se afirmar o seguinte: pode-se suspeitar seriamente que não há investimentos públicos suficientes em saúde no Brasil.
“Mas com o pouco de recursos que há na saúde, uma gestão eficiente pode fazer esse pouco render melhores serviços à população” Infelizmente, essa ideia é muito improvável de ser bem-sucedida, e dá a impressão de que uma gestão de qualidade faz milagres. Não faz.
Não estou querendo menosprezar a ideia de uma gestão eficiente, pois quem já observou uma administração ágil, que raciona os recursos e privilegia a geração de resultados nas atividades de uma organização, sabe que a gestão faz a diferença.
Mas a ideia de um melhor racionamento ("fazer mais com menos") suplantar a falta de recursos na saúde é improvável pelo fato de que os serviços de saúde serem dotados de uma característica única frente às demais atividades: a tecnologia não ajuda geralmente a cortar custos. Para ilustrar melhor isso, observe que tecnologias são bem-vindas na indústria calçadista, aeronáutica e no comércio, pois auxiliam na redução de custos (empregar menos trabalhadores, por exemplo), mas na oferta de serviços médicos, a tecnologia expande esses custos, pois cada descoberta na área médica para o tratamento de um problema de saúde, implica no aumento de custos.
Foi descoberta uma nova vacina para uma doença X, mais custos. Foi criado um exame médico que ajuda a descobrir mais rápido uma condição médica, mais despesas para o SUS.
Alguma unidade do SUS pode conseguir melhores negócios na compra de medicamentos e materiais médicos, pode manejar melhor a quantidade de médicos e enfermeiros entre os hospitais para reduzir os custos, mas isso não é significativo frente ao avanços tecnológicos da medicina.
E isso não é um problema confinado ao SUS, mas também atravessa a iniciativa privada, tanto que não é surpreendente que o aumento dos preços dos serviços médicos seja superior à inflação, um problema que é denunciado pelas operadoras de planos de saúde:
Diante de um setor que tem aumento crescente de custos, menosprezar o financiamento adequado dele ao propor uma gestão eficiente, não faz sentido, especialmente quando a eficiência de um sistema de saúde não atravessa o corte imediato de despesas.
A frase “Uma onça (28 gramas) em prevenção vale uma libra (450 gramas) em cura” é a chave para administrar melhor a saúde, pois implica em tornar o sistema de saúde do Brasil mais voltado para a prevenção de doenças do que para o tratamento. Isso é consenso entre os estudiosos da saúde e médicos, porque é sabido que o tratamento de uma doença é mais caro do que a prevenção dela. Exemplo: o governo realiza esforços para a prevenção de DST's, como a AIDS e hepatite C, seja por meio de publicidade ou distribuição de camisinhas, pois sabe que custa muito aos cofres públicos os medicamentos para essas doenças. Não é coincidência que os países com bom IDH em saúde, são justamente aqueles que fazem muitos investimentos em saúde preventiva, cujos impactos na redução dos custos pode ser sentido no longo prazo.
É necessário compreender que a saúde é uma coisa cara e precisa ter o financiamento adequado, mas também é preciso entender que qualquer ideia de melhor uso do dinheiro nessa área, conduz à construção de um sistema voltado à prevenção.